Brasil

Apoio da população a operações é um pedido de socorro, diz especialista

Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, crime organizado precisa ser enfrentado tanto na rua quanto na economia

Rio de Janeiro: megaoperação deixou 121 pessoas mortas durante confrontos em outubro de 2025. (MAURO PIMENTEL/AFP)

Rio de Janeiro: megaoperação deixou 121 pessoas mortas durante confrontos em outubro de 2025. (MAURO PIMENTEL/AFP)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 5 de novembro de 2025 às 06h01.

Última atualização em 5 de novembro de 2025 às 07h32.

A maioria das pesquisas de opinião mostraram que a população, inclusive que mora em favelas, aprovou a megaoperação no Rio de Janeiro contra o Comando Vermelho, que deixou mais de 120 mortos.

Para Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), essa reação é um pedido de socorro em meio ao aumento do domínio e atuação das facções criminosas no Brasil.

"A aprovação da população a operações como a do Rio é emblemática e um pedido de socorro. As facções tomaram conta do dia a dia das pessoas", afirma o especialista em entrevista exclusiva à EXAME.

Ele acrescenta que a violência mobiliza muitas paixões na população, por se tratar de uma indignação moral.

“O confronto acaba se tornando sinônimo de alguma resposta, quando, na prática, estamos fazendo isso há 40 anos e o problema só cresce em força e magnitude”, diz.

Lima afirma que o crime organizado precisa ser enfrentado tanto na rua quanto na parte mais sensível: na economia.

"Não podemos resolver tudo com prevenção ou inteligência financeira, é preciso ter atividade policial. Mas essa atividade policial precisa de coordenação adequada", diz.

O presidente do FBSP defende a aprovação da PEC da Segurança Pública, mas afirma que outras medidas como uma nova legislação sobre facções, financiamento da segurança e coordenação entre estados precisam ser endereçadas pelo Congresso.

Lima criticou o esforço da oposição de aprovar a equiparação de facções criminosas com grupo terroristas. Para ele, esse pode ser o “maior erro político” de uma parcela dos parlamentares.

"Quando se propõe esse espantalho de falar que facções são terroristas, na verdade, nós estamos abrindo margem, inclusive no direito internacional, para que o Brasil passe a ser sancionado, não só pelos Estados Unidos", afirma.

Ele explica que diferentemente de grupos terroristas, que atuam por ideologia e querem derrubar um governo, facções querem apenas lucro.

“As facções não estão nem um pouco preocupadas com mudança de regime. Aliás, elas ganham muito dinheiro dentro do atual regime, inclusive, muitas vezes, têm representantes na política, no Judiciário, na polícia, fazendo quase que uma simbiose com o modelo existente”, afirma Lima.

Leia a entrevista completa com Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Como o senhor avalia a proposta em discussão no Congresso para a equiparação de facções com grupos terroristas? Como ela mudaria o combate ao crime organizado?

A discussão no Congresso sobre a equiparação de facções criminosas brasileiras como grupos terroristas é talvez o maior erro político de parcela significativa da sociedade, principalmente da direita brasileira, não por uma questão ideológica. Temos uma questão muito importante que está sendo desconsiderada e que precisaria ser descontaminada da disputa partidária, sobre segurança e crime. É importante entender várias questões que estão associadas.

Quais são essas questões? 

Quando os Estados Unidos classificam o Hezbollah e o Hamas como organizações terroristas, são grupos que têm como objetivo mudar, pela violência, o regime político de um país, de uma nação ou da nação vizinha. Ou seja, é impor uma mudança de regime.

O terror funciona para mudar o regime político, o regime de Estado de um país. Isso é claro.

Porém, quando olhamos para o caso brasileiro, as facções não estão nem um pouco preocupadas com mudança de regime. Aliás, elas ganham muito dinheiro dentro do atual regime, inclusive, muitas vezes, têm representantes na política, no Judiciário, na polícia, fazendo quase que uma simbiose com o modelo existente.

E qual é o momento do Brasil com o crime organizado? 

O Brasil vive um enorme paradoxo de ser um país com uma economia extremamente sofisticada, com mecanismos de pagamento e transferências avançados, como o fintechs, Pix, remessas altamente conectadas à dinâmica global, aos sistemas Swift, entre outros.

O Brasil é um país com uma tecnologia bancária de ponta, e, ao mesmo tempo, tem uma parcela significativa do seu PIB que deriva da ilegalidade ou, pelo menos, da sonegação de impostos.

E cada vez mais, como nós temos mostrado, o crime organizado, o PCC e o Comando Vermelho, sobretudo, mas não apenas eles, têm capturado esses mercados lícitos e ilícitos para as suas atividades. O mercado de combustíveis, por exemplo, tem uma parcela significativa do PCC; o de cigarro, de bebidas, e assim por diante.

Quais os riscos dessa medida? 

Qual é o grande erro da direita? Quando propõe esse espantalho de falar que facções são terroristas, na verdade, nós estamos abrindo margem, inclusive no direito internacional, para que o Brasil passe a ser sancionado, não só pelos Estados Unidos, mas por outros mercados, que poderiam dificultar a expansão de negócios, como agro, minério, por exemplo.

Se essa classificação for aceita, podemos ser sujeitos a regras fiscais e sanitárias diferentes, podendo perder competitividade, pois o terrorismo impõe fiscalizações mais rigorosas.

No caso do Brasil, muitos desses meios de bancarização modernos, como o Pix, podem ser alegados como usados pelo PCC para lavagem de dinheiro. E isso poderia afetar diretamente a economia legal. O Brasil, com essa contradição entre alta tecnologia bancária e uma economia ilícita crescente, corre o risco de sofrer sanções e de interferências políticas externas.

Então, não é que seja contra enfrentar as facções. Claro que é necessário. Mas o que se propõe pode gerar consequências sérias, até no campo da soberania, porque passamos a estar sujeitos a uma lógica extraterritorial, com risco de perda de autonomia e dinamismo econômico.

O governo tem a PEC da Segurança Pública em tramitação e enviou a lei antifacção para o Congresso. Esse conjunto de medidas são suficientes para melhorar as ferramentas do estado para combater o crime organizado?

A discussão da PEC, no meu ponto de vista, está mal colocada. A PEC é super importante. Antes dela, os governos federais, desde a Constituição, criaram 17 planos, programas, estratégias para combater criminalidade e violência. Nenhum deles foi avaliado para saber o que funcionou ou não. Não sabemos dizer se alguma coisa deu certo. Foi quase jogado dinheiro fora. Mas o consenso é que, com o crescimento da força das facções, precisamos mudar a arquitetura institucional. A PEC tem essa vantagem de definir claramente o que cabe à União, aos estados e aos municípios.

Quais são as lacunas da PEC? 

Junto da PEC, é preciso de um pacote de modernização legislativa, pois a lei é quem regulamenta a Constituição. Como a União vai financiar as despesas? Como lidamos com facções, quando a Polícia Federal pode entrar ou não?

A PEC não vai resolver o problema imediato do crime. Essa é uma falsa discussão. Mas vai permitir que as polícias se reorganizem e o debate sobre segurança não seja só sobre polícia. Seja também quando a Receita Federal pode produzir informações de inteligência, quando o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) pode e quem tem acesso e quais serão os níveis de troca de informação. É um rearranjo da regra do jogo.

O trabalho de policiamento continuará sendo dos estados, e como isso é feito depende de legislações específicas, tanto processual e penal, quanto administrativa. Temos um cenário que a PEC é um elemento que reestrutura a regra do jogo fundamental, mas, com ela, é preciso trazer, por exemplo, a nova legislação sobre facções, uma discussão sobre financiamento da segurança, coordenação interfederativa e assim, sucessivamente.

A PEC funciona para ser o guarda-chuva dessas várias questões. Esse é o debate, porque sozinha não vai ter efeito imediato.

Pesquisas de opinião mostraram que a população apoia operações como a realizada no Rio de Janeiro, mesmo com um alto número de mortos. Como esses dados podem influenciar as decisões de governo no combate ao crime?

A aprovação da população a operações como a do Rio é emblemática e um pedido de socorro. As facções tomaram conta do dia a dia das pessoas. Meninas de 10, 12 anos que se recusam a namorar líderes de facções estão sujeitas a violência, muitas vezes sexual, até serem mortas.

O crime organizado precisa ser enfrentado tanto na rua quanto na parte mais sensível: o dinheiro. Não podemos resolver tudo com prevenção ou inteligência financeira, é preciso ter atividade policial. Mas essa atividade policial precisa de coordenação adequada.

A Operação do Rio mostrou que muitas das lideranças eram de outros estados. Por que a Polícia Federal não estava presente para identificar e prender essas pessoas? A atividade policial precisa ser rediscutida, pois a população não entende claramente o papel das polícias Militar, Civil, Federal, ou da Guarda Municipal. Para a população, todas são "polícia".

Você vê que é um uso político? 

[A ação] é uma forma de dar uma resposta e isso muitas vezes é uma forma que dá voto, porque as pessoas estão reféns do medo e da insegurança. Violência mobiliza muitas paixões, porque é algo de indignação moral. E por trás da indignação moral, muitas vezes, tem a manipulação a favor de A ou de B.

Precisamos que a política pública seja aliada a um projeto político com o cumprimento do Estado de Direito, com as leis. E é por isso que muitas vezes parece contraditório, mas as leis brasileiras não conseguem ser aplicadas, e o confronto acaba se tornando sinônimo de alguma resposta, quando, na prática, estamos fazendo isso há 40 anos e o problema só cresce em força e magnitude.

A ideia de retornar com uma ideia parecida com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), em uma estratégia de policiamento em áreas controladas por facções, é uma solução para regiões como o Rio de Janeiro?

Eu acho que várias ideias, como as UPPs, na origem, foram boas. A gente precisa retomar territórios, oferecer oportunidades, seja de prevenção ou de reintegração social, e também garantir punições efetivas para as lideranças das facções, tirando-lhes o dinheiro.

Não podemos mais esconder o sol com a peneira, achando que só a repressão resolve. A repressão é necessária, mas não é suficiente. Precisamos garantir punições adequadas, fazer as leis brasileiras funcionarem, reduzir a impunidade e criar oportunidades para reintegração.

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