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Ao menos 543 pacientes morreram na fila por leito em SP desde fevereiro

Pacientes da covid-19 chegam a ficar mais de uma semana com pedido de transferência aberto em central de regulação; hospitais paulistas sofrem com falta de vagas e sedativos

Paciente com Covid é tratado em hospital britânico de Milton Keynes (Toby Melville/Reuters)

Paciente com Covid é tratado em hospital britânico de Milton Keynes (Toby Melville/Reuters)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 14 de abril de 2021 às 14h16.

Desde o fim de fevereiro, pelo menos 543 pacientes com a covid-19 morreram na fila por leitos de enfermaria ou de UTI no Estado de São Paulo. Com o avanço da pandemia, redes de saúde em várias regiões entraram em colapso, com dificuldade de dar conta da demanda crescente e esperas de dias ou superiores a uma semana.

De 67 municípios paulistas que responderam ao Estadão sobre o tema entre sexta-feira, 9, e segunda-feira, 12,39 registraram mortes de cidadãos que estavam com um pedido de transferência pendente na central que realiza as transferências na rede pública. A situação inclui cidades da Grande São Paulo, como Franco da Rocha (58), Taboão da Serra (46) e Diadema (20), e do interior, como Bauru (55), Mongaguá (13) e Fartura (2), de apenas 16 mil habitantes e localizada na divisa com o Paraná.

São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, confirmou o primeiro óbito de um paciente com o novo coronavírus que aguardava leito de UTI na terça-feira, 6. Segundo a prefeitura, o homem teve parada cardíaca em decorrência do agravamento do quadro clínico enquanto estava hospitalizado em Unidade de Pronto-Atendimento (UPA). Ele era obeso, fator de risco para a doença, e a idade não foi divulgada.

Em Ribeirão Pires, também na Grande São Paulo, quatro óbitos nestas condições foram registrados em abril, além de outros 36 no mês anterior. Em Itaquaquecetuba, foram sete neste mês, ante os 18 registrados em março. Em Taboão da Serra, por sua vez, os registros são de 32 óbitos nesta condições em março e de outros 15 em abril, todos à espera de UTI.

Entre as vítimas no Estado, estão também adultos jovens. No caso de Ribeirão Pires, por exemplo, 13 das 40 mortes foram de pessoas entre 36 e 59 anos. Já em Jandira, do total de 16 óbitos na fila por leito, sete foram de paciente com idades entre 37 e 59 anos. Situação semelhante à de Caieiras, entre as 22 vítimas, estavam seis pessoas de 39 a 51 anos.

O tempo de espera varia. Em Guararema, por exemplo, um homem de 67 anos morreu em 29 de março após esperar vaga UTI por seis dias. Por sua vez, em Joanópolis, um idoso de 68 anos morreu em 13 de março após nove dias de espera.

Secretária de Saúde de Diadema, Rejane Calixto conta que a pressão no sistema de saúde teve leve redução, mas a demanda ainda é alta, tanto que a UTI 100% ocupada e a lotação em enfermaria variou entre 90 e 95% nos últimos dias. "Do ponto de vista de ocupação dos leitos, a UTI continua lotada."

Segundo ela, o município chegou a enfrentar dias em que nenhum pedido de transferência para leitos de outras cidades foi atendido na central estadual de regulação. "Essas semanas estavam muito duras para a maioria dos municípios. Ainda temos uma situação que não conseguimos remover o paciente (com agilidade)", comenta.

Em 17 de março, outro levantamento do Estadão havia identificado 90 mortes de pacientes que aguardavam leitos em 25 municípios de São Paulo. Na data, Taboão da Serra, por exemplo, tinha 14 registros de óbitos nestas condições, número que subiu para 46. Em Franco da Rocha, os dados subiram de oito naquele momento para ao menos 58 até sexta-feira passada.

A situação também é preocupante porque municípios estão com estoques baixos ou até zerados de sedativos, medicamentos para intubação e de oxigênio medicinal. Além disso, como noticiou o Estadão, algumas cidades chegaram a deixar de utilizar leitos de UTI vagos por falta de remédios e, por outro lado, diante da insuficiência de vagas, prefeituras têm adaptado UPAs, prontos-socorros e até postos de saúde para atender pacientes de maior gravidade.

Os municípios que registraram mortes de pacientes à espera de transferência por leito e responderam à reportagem são: Araçoiaba (3), Bauru (55), Bragança Paulista (63), Buri (34), Caieiras (22), Diadema (20), Fartura (2), Francisco Morato (14), Franco da Rocha (58), Guararema (4), Guarulhos (21), Itaquaquecetuba (25), Itapecerica (28) , Jandira (16), Joanópolis (1), Mauá (15), Mongaguá (13), Nova Granada (5), Poá (1), Ribeirão Pires (40), Rio Grande da Serra (7), São Bernardo do Campo (1), São Caetano do Sul (12), São Carlos (9) e Taboão da Serra (46).

Além dos citados, levantamentos feitos pelo Estadão em março confirmaram óbitos nas mesmas condições em: Alumínio (1), Araçatuba (4), Cabreúva (1), Capela do Socorro (2), Dracena (3), Itajobi (1), Itapetininga (1), Itararé (2), Jales (3), Nhandeara (1), Ouroeste (4), Santa Adélia (1), Sumaré (1) e Urânia (3).

Ao menos no caso de Bragança Paulista, o registro inclui residentes de outros 11 municípios do entorno. Segundo a prefeitura, 26 pessoas aguardavam internação na "região bragantina" no último balanço, de 12 de abril, dos quais 16 precisavam de UTI.

No Estado, a média móvel (calculada com base nos últimos sete dias) para as redes pública e privada era de 2.577 novas internações diárias de casos suspeitos ou confirmados de covid na última segunda-feira. Em 26 de março, ela chegou ao pico, de 3.999, e agora está semelhante à registrada há um mês, mas ainda é mais do que o triplo do início de novembro. No geral, a ocupação é de 85,5% em UTI e de 66,1% em enfermaria.

Apesar da pressão sobre a rede hospitalar, a gestão João Doria (PSDB) começou a afrouxar restrições nesta semana. O Estado migrou da fase emergencial para a fase vermelha e permitiu a retomada de aulas presenciais e de torneios esportivos, além dos serviços de drive-thru e take away no comércio. Cultos religiosos coletivos, lojas, shoppings, academias, bares e restaurantes continuam vetados.

Especialistas veem o relaxamento como precoce. "As melhorias nos indicadores citadas para justificar a medida podem ser entendidas como pequenas flutuações, não relacionadas à fase emergencial, mas associadas à própria dinâmica do vírus", disse Domingos Alves, professor da Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto, ao Estadão.

Em nota, a Secretaria Estadual da Saúde destacou que a Central de Regulação e Oferta de Serviços de Saúde (Cross), responsável pelas transferências nos leitos públicos, passou de cerca de 1,5 mil solicitações por dia em março para 1,4 mil neste mês, "o que aponta para a tendência de queda na demanda hospitalar observada também no número de internados", destacou.

A pasta ressaltou que a demanda de março foi 117% maior do que no pico da pandemia em 2020, em julho, cuja média era de 690 pedidos. "A regulação (atendimento à solicitação) depende da disponibilidade de leitos e de condição clínica adequada para que o paciente seja deslocado com segurança até o hospital de destino", acrescenta.

A nota ressalta, ainda, a ampliação de leitos no Estado ao longo da pandemia, bem como a necessidade de a população respeitar as recomendações do Centro de Contingência e as diretrizes do Plano São Paulo, além de utilizar máscaras e manter o distanciamento social. O número de pedidos de internação em aberto no sistema não foi divulgado pela secretaria.

Situações semelhantes ocorrem em outras partes do País, embora os Estados não costumem contabilizar ou divulgar esse tipo de dado. Uma exceção é o No Rio Grande do Norte, que teve ao menos 681 solicitações de internação canceladas na pandemia por motivo de óbito.

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