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Anistia Internacional pede fim da impunidade no Brasil

Secretário-geral exigiu que as autoridades adotem medidas para conter os "abusos" da polícia contra os mais pobres

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 5 de agosto de 2013 às 22h44.

Rio de Janeiro - O secretário-geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, visitou nesta segunda-feira uma comunidade do Rio de Janeiro e exigiu que as autoridades adotem medidas para conter os "abusos" da polícia contra os mais pobres.

Shetty, que permanecerá no Brasil até a próxima sexta-feira, começou sua visita ao país no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, onde participou de um encontro com moradores e representantes das associações de moradores da favela e das organizações Observatório de Favelas e das Redes de Desenvolvimento da Maré.

O secretário-geral da Anistia Internacional convidou os moradores da Maré e de outras regiões pobres do Rio a denunciar os abusos da polícia, a fim de que se acabe com "a impunidade" que ampara os responsáveis pelos abusos.

Shetty ofereceu a colaboração desse organismo de direitos humanos para que a própria gente da favela se organize para apresentar provas documentais às autoridades em relação a esses abusos.

"Temos muito conhecimento, adquirido no mundo todo, sobre como documentar informações complexas e criar uma base de dados com as provas, para pedir contas aos responsáveis", declarou.

Segundo Shetty, os princípios de igualdade não dividem a gente por cor, raça e classe social, e esses deveriam ser aplicados no Rio de Janeiro. "Não se pode ter diferentes direitos se você vive no Leblon ou na Maré. Não imagino alguém batendo na porta de alguma casa no Leblon sem permissão", declarou.

"As pessoas da Maré estão em uma posição única para acabar com a impunidade e com o fato das favelas serem zonas historicamente livres de direitos humanos", acrescentou Shetty.

O último episódio de violência na Maré ocorreu no último dia 24 de junho, quando nove moradores do bairro e um policial morreram no meio de uma operação policial contra o narcotráfico.

Cinco dos mortos tinham antecedentes criminais por delitos relacionados às drogas, mas os outros quatro eram, segundo seus familiares, pessoas absolutamente inocentes.


A Maré está parcialmente controlada por traficantes e é um dos próximos alvos da política de segurança pública do Rio de Janeiro, que implica na instalação de unidades policiais pacificadoras (UPP).

O representante da Anistia Internacional no Rio de Janeiro, Atila Roque, acredita que o momento é importante para criar um programa "de longo prazo para o bairro, a cidade e o país, reconhecendo a favela como parte da cidade e não como um espaço de exceção".

"Não podemos dizer que vivemos em uma democracia quando a maioria da população vive sob a ditadura da violência", disse o representante.

Segundo dados da Anistia Internacional, são três milhões de membros no mundo todo que financiam a ONG exclusivamente com doações.

O líder comunitário Waldir Francisco Costa, que vive no bairro há mais de 50 anos, disse que não é por falta de provas da culpabilidade da polícia que as mortes nos bairros pobres não devem ser tratadas como assassinato.

"Já não podemos tolerar esta história que foi uma bala perdida, que foi casualidade ou que a polícia diga simplesmente "sinto muito" após matar de forma gratuita", comentou.

A casa do fotógrafo Bira Carvalho, na comunidade Nova Holanda, foi uma das 30 invadidas em uma operação policial no último dia 2 de maio, quando sua câmera foi jogada dentro de um vaso sanitário.

Para Bira, a comunidade se transformou em "uma indústria do medo". "Quando há uma operação policial, o dia muda. O ar fica pesado. Isso, para mim, é uma das piores violências que existe", contou.

O fotógrafo agradeceu à Anistia Internacional pela visita ao bairro, mas disse que "demorou a acontecer", já que o tema da violência é um problema antigo no Brasil e não se limita à Maré.


Bira também criticou a omissão dos moradores, que se negam a denunciar os abusos da polícia por medo. "O morador da favela é um refém. A maioria dos casos termina impune. Quando o morador se queixa, volta à favela e é tratado como refém pelos traficantes e pela polícia."

O propósito da visita de Salil Shetty no bairro não era "dar uma aula sobre direitos humanos", mas escutar e entender como trabalhar com a população. "Vamos colocar estas questões em todos os níveis, meios de comunicação e governos, em cada oportunidade."

"Minha preocupação é conseguir a atenção dos brasileiros no primeiro lugar. O Brasil não necessita de pressão externa, tem que respeitar suas próprias leis e sua constituição", disse o representante em entrevista coletiva depois do encontro.

Para Shetty, "o Brasil está em um momento crítico em seu desenvolvimento, em sua própria história: por um lado, se transformar em uma potência mundial, e por outro, viver os desafios nacionais dos direitos humanos".

Segundo o representante da ONG, muitas coisas positivas podem surgir quando o governo criar uma política de "pacificação" no bairro, mas ela sozinha não vai resolver os problemas de violência.

Shetty descreveu o caso do pedreiro Amarildo, que desapareceu na favela da Rocinha há 22 dias, depois de ser confundido com traficante e levado para a UPP da comunidade, como um exemplo da atuação policial nos bairros pobres.

"A preocupação internacional é a forma como a polícia e as forças de segurança respondem à violência, que não corresponde às normas internacionais e à legislação brasileira. O que enfrentamos aqui, em geral, é o abuso excessivo da força", disse.

"Quando há um caso de violência da polícia, quase nunca há investigação. E quando há, eles nunca vão à prisão. A impunidade da polícia é a norma, não a exceção", concluiu o secretário, que nos próximos dias se reunirá com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a ministra da Secretaria Direitos Humanos, Maria do Rosário, para falar sobre o caso de Amarildo.

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