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Ameaçados, indígenas do Pará prometem defender floresta até a morte

"De noite a gente não dorme direito, fica pensando nos madeireiros chegando aqui e matando a nossa gente dormindo", disse indígena

Indígenas: população que vive na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no nordeste do Pará (Ricardo Moraes/Reuters)

Indígenas: população que vive na Terra Indígena Alto Rio Guamá, no nordeste do Pará (Ricardo Moraes/Reuters)

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Reuters

Publicado em 23 de setembro de 2019 às 18h08.

Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 18h13.

Pará - Com medo de um ataque noturno, a indígena Rita de Cassia Tembé dorme com lanças pontiagudas debaixo de sua rede para se proteger de uma possível invasão na Terra Indígena Alto Rio Guamá, que tem sido visada por madeireiros que atuam de forma ilegal no nordeste do Pará.

"Os madeireiros estão dentro da nossa área, eles ficam invadindo e nós ficamos muito preocupados", disse a indígena, de 26 anos, em entrevista à Reuters.

"De noite a gente não dorme direito, fica pensando nos madeireiros chegando aqui e matando a nossa gente dormindo. Por isso que a gente dorme com as armas debaixo da rede, não está bom para a gente não."

A tribo Tembé, que ocupa uma das terras indígenas mais antigas do país, enfrenta constantes invasões, principalmente de quadrilhas de madeireiros ilegais, de acordo com o Ministério Público Federal no Estado do Pará, que no início do mês solicitou uma operação urgente da PF e do Exército na região.

No mês passado, quando o Pará foi um dos Estados da região amazônica a registrar alta expressiva no número de focos de incêndios florestais em relação a 2018, indígenas da tribo decidiram expulsar invasores por conta própria, o que aumentou o clima de tensão na região.

"A quentura já está ficando muito quente e nós não gostamos disso", afirmou o líder indígena Jacinto Tembé, um dos vigilantes armados da tribo.

"Eles querem invadir a nossa aldeia... Nós não podemos dizer que estamos preparados para guerra, porque nós não temos poder de ir de encontro com o mundo. Eles têm arma pesada, eles têm arma boa, nós não temos, mas nós também não ficamos quietos. Nós pisamos em cima do sangue dos nossos avós, dos nossos pais que já passaram, e vamos lá, não tem jeito, vamos morrer, mas nós vamos matar também."

De acordo com o pedido de operação apresentado pelo MPF no início de setembro, há necessidade de "atuação urgente" por parte dos órgãos estatais competentes na terra indígena, uma vez que, embora a situação de conflito já seja de conhecimento dos órgãos públicos, novos relatos indicam "ter havido agravamento no risco de conflitos, com resultados potencialmente graves e imprevisíveis".

Procurada pela Reuters, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que a terra indígena encontra-se em área federal, sendo, portanto, de responsabilidade da Polícia Federal.

"A Segup esclarece ainda que com a instalação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), o Exército Brasileiro é quem conduz as ações em áreas federais, e que deve, ao julgar necessário, solicitar o apoio dos órgãos de segurança pública estadual, fato este que ainda não ocorreu", afirmou, em nota.

Também procurado, o Ministério da Defesa não respondeu a um pedido de comentário. O Ministério da Justiça e Segurança Pública encaminhou a solicitação para a Polícia Federal, que não respondeu de imediato.

O cacique Sérgio Muxi Tembé, que afirma ter sido ameaçado diretamente de morte pelos madeireiros, disse que autoridades federais e do Pará foram diversas vezes informadas sobre as ameaças, mas que nada foi feito em defesa da tribo.

Segundo o cacique, declarações do presidente Jair Bolsonaro contra as reservas indígenas e em defesa da exploração da floresta contribuem para aumentar as invasões.

"A gente sabe que o atual presidente da República, pela formação que ele está passando, é um incentivo mais ainda aos invasores para invadir, ou seja, destruir com a Amazônia, ou seja, a terra indígena", afirmou.

O Pará é o Estado onde foi deflagrado no mês passado o chamado "dia do fogo", que ficou internacionalmente conhecido pelos focos de incêndio na Amazônia que resultaram em cobrança internacional sobre o Brasil pela preservação da floresta.

De acordo com o MPF, as autoridades de segurança do Estado poderiam ter até mesmo evitado o incidente se tivessem garantido suporte policial para ações de fiscalização promovidas pelo Ibama e ICMBio no combate a desmatamento, queimadas e outros crimes ambientais no Estado.

"Não fosse a negativa da PM de suporte ao Ibama, o evento que ficou mundialmente conhecido como 'dia do fogo' poderia ter sido minorado ou até mesmo evitado, além de diversas outras situações de riscos e de afetação direta à integridade da biodiversidade do país", disse o MPF em documento do início de setembro em que cobrou suporte da PM do Pará em ações de fiscalização ambiental.

(Reportagem adicional e texto de Pedro Fonseca, no Rio de Janeiro)

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