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Amazônia: governo vai dar escritura a ocupações após vistoria a distância

A ação é uma das principais respostas do governo ao desmatamento na Amazônia, tema que voltou a ganhar repercussão internacional

Amazônia: 97,4 mil propriedades terão suas informações analisadas para receber escritura definitiva (Gustavo Basso/Getty Images)

Amazônia: 97,4 mil propriedades terão suas informações analisadas para receber escritura definitiva (Gustavo Basso/Getty Images)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 16 de julho de 2020 às 12h43.

Última atualização em 16 de julho de 2020 às 14h28.

O governo prepara uma ofensiva para titular milhares de ocupações feitas décadas atrás na região amazônica, todas hoje em situação irregular, por meio de sistemas e vistoria a distância. A ação é uma das principais respostas que o vice-presidente Hamilton Mourão pretende dar ao crescimento do desmatamento na região, tema que voltou a ganhar repercussão dentro e fora do País, dada a escalada da devastação na floresta. A atual política ambiental virou alvo de ataques de investidores estrangeiros e empresários brasileiros. Representantes do Ministério Público Federal e ambientalistas criticam a elaboração do decreto.

Sob o argumento de que é difícil punir o responsável pelo desmatamento, porque não se sabe quem é o "dono" da terra, o governo vai acelerar a titulação de propriedades a partir do cruzamento de uma série de bancos de dados. O Estadão apurou que um decreto sobre o assunto já foi preparado pelo Ministério da Agricultura e enviado à Casa Civil, para publicação nos próximos dias. Esse decreto vai prever que as vistorias das terras e o processamento dos dados poderão se basear em sistemas de “sensoriamento remoto”, com apoio de imagens de satélite.

Ao todo, 97,4 mil propriedades com tamanho de até quatro módulos fiscais - o que equivale a, aproximadamente, 280 hectares - terão suas informações analisadas para receber escritura definitiva. Esses imóveis, se somados, atingem área total de 6 374 milhões de hectares. É como se toda a área dos Estados do Rio de Janeiro e de Sergipe fosse regularizada por meio de sistemas, sem vistoria presencial. Pelos dados do governo, esse volume equivale a 40% de toda a área passível de ser regularizada na região.

A base legal para fazer as regularizações já existe. Trata-se da Lei 11.952, que foi editada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009, para implementar o programa Terra Legal. Mas a regularização a distância de propriedades até quatro módulos fiscais, apesar de estar prevista na lei, acabou não sendo implementada devido a uma série de dificuldades, como problemas de integração com diversos bancos de órgãos públicos; definição sobre que informações seriam aplicadas; precariedade de infraestrutura do Incra; falta de recursos técnicos e de pessoal; além de detalhamento sobre como isso poderia ser efetivamente realizado. O governo entende agora que ainda é preciso regulamentar como o trabalho vai ser feito, daí a necessidade do novo decreto.

MP da Grilagem

Agora, Bolsonaro quer fazer dessa ferramenta o ponto de partida para a regularização na região. As medidas, em seu entendimento, não resolvem a questão fundiária nem substituem a Medida Provisória 910, a chamada MP da Grilagem, que mirava áreas de até 15 módulos fiscais, mas podem dar início ao processo.

Foram definidas 13 áreas com maior concentração de propriedades para serem priorizadas. Boa parte dessas áreas está no entorno da rodovia Transamazônica (BR-230), em regiões que concentram queimadas e desmatamento ilegal.

O que o governo quer fazer é usar uma série de bancos de dados disponíveis para filtrar a situação dessas propriedades e, se não for encontrada nenhuma pendência, entregar a escritura. A exigência básica é que o proprietário tem de estar no local em 2008 ou em anos anteriores.

Esse marco temporal utiliza dados do IBGE para ser comprovado, além de informações dos ocupantes e bases anuais sobre desmatamento, como o Serviço Florestal Brasileiro. A verificação deve passar por uma série de camadas de análise, como a checagem se a terra requerida está sobreposta a áreas militares, terras indígenas ou quilombolas, unidades de conservação federal, assentamentos do Incra, áreas já embargadas por órgãos federais ou região de conflitos agrário. Tudo isso será feito por meio de imagens de satélite e cruzamento de dados. Será feita ainda uma verificação sobre o CPF de quem solicita a terra e se está em situação regular e não apresenta nenhum tipo de pendência.

O presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, disse que o governo ainda não tem como estabelecer metas sobre quantos imóveis serão regularizados e nem em quanto tempo. "Isso ainda vai ser verificado. Estamos processando esses dados", comentou. Segundo ele, o trabalho não será concentrado apenas no Incra e contará com o apoio de outros órgãos e ministérios. "Não dá para ser só o Incra, isso nem cabe em nosso orçamento", disse. "Vamos ter oportunidade de mostrar, enquanto Estado, que houve uma mudança de postura e que, efetivamente, os processos estão se transformando em regularização fundiária efetiva."

O Palácio do Planalto foi derrotado em sua principal investida sobre o assunto, com a perda de validade da MP da Grilagem, que caducou em maio e que previa regularização, nos mesmos critérios para terras com até 15 módulos fiscais. A resistência ambiental no Congresso conseguir segurar o avanço da MP.

Hoje, a cúpula do governo Jair Bolsonaro trabalha para que o conteúdo da medida provisória migre para um projeto de lei (2.633) que tramita no Congresso, mas o entendimento é que, enquanto essa discussão não se desenrola, é possível fazer as titulações em áreas menores, sem alteração legal.

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