Operação policial na Favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, em 22/09/2017 (Ricardo Moraes/Reuters)
João Pedro Caleiro
Publicado em 30 de setembro de 2019 às 12h36.
Última atualização em 30 de setembro de 2019 às 18h40.
A quantidade de pessoas mortas em ações policiais não se correlaciona com a queda em indicadores criminais como homicídios dolosos ou roubos em geral no Estado do Rio, destaca o jornal O Estado de S. Paulo.
Números do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, em diferentes momentos das duas últimas décadas, a redução de crimes nas cidades fluminenses foi acompanhada por queda na letalidade da polícia.
O jornal analisou dados do ISP de 2003 a 2019 em todas as 137 Circunscrições Integradas de Segurança Pública (Cisp), a menor instância de apuração dos indicadores de criminalidade.
Considerando registros de todo o Estado no período, foi mais frequente a alta na letalidade policial acompanhar um aumento em roubos e homicídios (2005, 2014, 2016 e 2017), do que uma alta letalidade acontecer no mesmo ano de redução de roubos e homicídios (2015 e 2019).
Em quatro anos do período (2004, 2010, 2011 e 2012), houve queda desses três indicadores simultaneamente.
Em toda a série histórica, os menores números de homicídios dolosos e roubos foram registrados no mesmo ano (2012) em que a letalidade atingiu um dos seus patamares mais baixos no Estado.
Naquele ano foram 419 vítimas de letalidade policial; em 2019, até agosto, o número já é quase três vezes maior. Até agosto, a quantidade já chegava a 1.249, o equivalente a cinco casos por dia.
A análise é reforçada por especialistas, que veem nas ações truculentas um papel catalisador da violência principalmente em áreas mais vulneráveis.
Um outro estudo, feito pelo Centro de Pesquisa do MPRJ (CENPE/MPRJ), aponta que a taxa de mortos pela polícia do estado em 2018 foi de 8,9 por 100 mil habitantes, um quantitativo que corresponde a 23% do total da letalidade policial no Brasil.
O Rio possui a polícia mais letal do Brasil, embora não esteja dentre os dez estados mais violentos do país.
A polícia do estado também é, ao mesmo tempo, uma das mais vitimadas. Em 2018, morreram 89 policiais no RJ, o que corresponde a 26% do total de mortes de policiais no país.
Os confrontos e conflitos por território também estão relacionados com indicadores educacionais piores, segundo um estudo dos pesquisadores Joana Monteiro e Rudi Rocha.
O governo Wilson Witzel (PSC) tem relacionado a redução em indicadores como roubos e homicídios com a "forma como a polícia vem trabalhando", a chamada política do confronto.
Apesar de os números realmente apresentarem uma queda até agora, o discurso parece alimentar a alta histórica no número de vítimas em operações policiais.
As declarações de Witzel sobre o tema se acumulam. Em julho, disse: "Se não se entregarem (os bandidos), serão mortos. O recado está dado". Um mês depois, comparou o combate à criminalidade ao combate ao nazismo. "Chamem os especialistas e perguntem como acabamos com o nazismo na Europa. (...) Nós não queremos que pessoas morram. Queremos evitar. E vamos parar? Vamos deixar o crime organizado tomar conta de novo, ocupar as ruas e assaltar de fuzis os shoppings?"
Na semana passada, em entrevista para comentar as ações da polícia após a morte da menina Ágatha, no Complexo do Alemão, por um tiro em que a suspeita de autoria recai sobre policiais, Witzel destacou que os homicídios caíram 21% em 2019. "Se não estivéssemos trabalhando da forma como as polícias estão trabalhando, teríamos hoje quase 800 pessoas mortas (a mais). A nossa missão é resgatar o Estado do Rio das mãos do crime organizado."
A 7.ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, responsável por atividades de controle externo da atividade policial, disse na semana passada que o "extermínio e abate são estimulados pelo discurso oficial que trata os moradores de comunidades, em sua maioria pobres e negros, como criminosos e inimigos a serem eliminados".
Em documento que embasa a abertura de inquérito civil que investigará as altas taxas de letalidade, o Ministério Público Estadual do Rio analisou os dados e concluiu que "não é possível identificar causalidade entre a letalidade policial e o homicídio doloso no Estado, considerando que os dados disponíveis sequer indicam correlação entre eles".
E pondera sobre os riscos da política: "A atividade policial baseada no enfrentamento armado a criminosos aumenta o risco de vitimização de pessoas que não têm relação com o conflito, além de frequentemente afetar a prestação de serviços públicos nas áreas expostas aos confrontos". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
*Matéria atualizada às 18h35