Caminhoneiros em greve: falta de sono e epidemia de obesidade (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 3 de junho de 2018 às 14h42.
São Paulo - A alta no preço do combustível não é a única dificuldade que os caminhoneiros enfrentam diariamente. A rotina de longas viagens, a alimentação desregrada, a falta de atividade física e as poucas horas de sono levaram a uma epidemia de obesidade e de outros problemas de saúde na categoria que parou o País nas duas últimas semanas.
Dados inéditos de pesquisas feitas no ano passado por duas das maiores concessionárias de rodovias do País com milhares de caminhoneiros mostram que 79% deles estão com excesso de peso ou obesos (na população em geral, esse índice é de 72%), 35% têm colesterol e/ou glicemia em níveis elevados e um terço dorme seis horas ou menos por noite.
Uma das pesquisas, feita pela CCR com 12 mil condutores, mostra ainda que quase 80% deles dormem no próprio caminhão e metade tem problemas visuais. Já o outro levantamento, feito pela empresa Arteris com 3,5 mil caminhoneiros, aponta que um em cada cinco usa o estimulante anfetamina _ em geral, para se manterem acordados. E 33% ficam fora de casa durante 20 dias do mês.
Todas as condições, além de prejudicarem a saúde do profissional, aumentam o risco de acidentes nas estradas.
O caminhoneiro autônomo Francisco Antônio Uchôa, de 43 anos, já sente os efeitos da rotina mesmo com pouco tempo de profissão. "Estou neste trabalho há dois anos e meio, mas o corpo já está começando a reclamar. Estou ganhando peso." Quando o tempo que sobra entre uma entrega e outra é muito curto, ele acaba pulando refeições "ou comendo qualquer coisa" na estrada.
"Quando se trabalha como autônomo, em que cada viagem faz diferença no orçamento da família, a gente acaba deixando a saúde de lado. Quem trabalha longe da família fica mais relapso. Quando eu trabalhava só em São Paulo, era sempre a minha mulher quem me lembrava de passar no médico para ver se estava tudo bem", conta.
A privação do sono é outra reclamação constante dos profissionais. Caminhoneiro há 26 anos, Marcelo Gonçalves de Jesus, de 45 anos, diz que, às vezes, só consegue dormir uma hora e meia por noite.
As longas horas ao volante cobraram caro. Há pouco mais de um ano, ele precisou fazer uma cirurgia na coluna e teve de ficar 30 dias afastado do trabalho. "O médico achou que ficaria parado por mais tempo, mas acho que foi um milagre. Tento me cuidar no pouco tempo livre."
Filho de caminhoneiro, ele diz que só a paixão pela profissão consegue compensar os dias fora de casa, longe dos três filhos. "Às vezes fico uma semana longe de casa, mas tenho sorte. Tenho colegas que ficam meses. É um trabalho pesado, mas não reclamo."
Ações
Diante do quadro preocupante de saúde dos caminhoneiros, as duas concessionárias criaram postos de atendimento médico exclusivos a esse público nas estradas. No caso da CCR, o projeto batizado de "Estrada para Saúde" atendeu em 2017 cerca de 7,9 mil caminhoneiros nos postos fixos (Bandeirantes e Castello Branco) e móveis da ação.
"Temos atendimento de enfermagem, médico, exames, serviço odontológico e fazemos a parte preventiva. Por mais que eles tenham a rotina rígida, damos orientações de alimentação, indicamos alongamentos que eles possam fazer nas paradas e encaminhamos para postos de saúde quando há algum problema mais complicado", explica José Antonio Coelho Junior, coordenador médico do Grupo CCR.
Já na Arteris, que administra estradas como a Fernão Dias e a Régis Bittencourt, os caminhoneiros recebem, por meio do programa "Saúde na Boleia", orientação médica sobre doenças crônicas, fazem avaliação física e exames preventivos, cardiológicos e de sangue. O projeto inclui também a vacinação contra a febre amarela e hepatite B, além de orientação postural e de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis.
Higiene oral
A saúde bucal dos caminhoneiros também é motivo de alerta. Segundo o levantamento da CCR, aumentou o número de procedimentos periodontais (relacionados a problemas na gengiva) realizados entre os condutores atendidos nos postos fixos da empresa nas rodovias.
De acordo com a coordenador médico da CCR, José Antonio Coelho Junior, a má alimentação e hábitos de higiene inadequados causados pelas longas horas na estrada fazem com que os motoristas desenvolvam infecções gengivais que podem entrar na corrente sanguínea e provocar aneurismas, coágulos e até enfartes. "A gente vem dando uma atenção maior a esse problema porque a pessoa também pode perder funcionalidade se tiver dentes extraídos", diz.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.