Temer: "Dessa vez vai ser praticamente impossível alguma operação de engenharia política para garantir a estabilidade do governo", disse cientista político (Ueslei Marcelino/Reuters)
Reuters
Publicado em 17 de maio de 2017 às 23h16.
Última atualização em 17 de maio de 2017 às 23h47.
São Paulo - As acusações de que o presidente Michel Temer deu aval para que o empresário Joesley Batista, um dos donos do frigorífico JBS, comprasse o silêncio do ex-deputado federal Eduardo Cunha podem representar um abalo irreparável ao governo e afetarão as reformas que o Palácio do Planalto quer ver aprovadas no Congresso, disseram analistas ouvidos pela Reuters.
"É difícil afirmar que a pinguela caiu, mas que a pinguela balançou muito nesta noite, balançou. Ela sofreu um grave abalo que não se sabe se ela vai se manter ainda íntegra", disse o cientista político do Insper Carlos Melo, em uma referência à declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se referiu ao governo Temer como uma "pinguela", uma ponte precária.
"Esse quadro me lembra muito o quadro do Delcídio Amaral", acrescentou Melo, recordando o caso do ex-senador que foi preso e posteriormente teve o mandato parlamentar cassado após ser gravado em uma conversa em que oferecia dinheiro, influência junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e uma rota de fuga em troca do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró na Lava Jato.
De acordo com O Globo, Joesley Batista gravou uma conversa com Temer na qual contou ao presidente que pagava uma mesada a Cunha e ao doleiro Lucio Funaro, um dos operadores da Lava Jato, em troca do silêncio de ambos, que estão presos.
Temer teria respondido: "Tem que manter isso, viu?" A gravação seria parte de tratativas para um acordo de delação premiada de Joesley e de pessoas ligadas à JBS.
Três fontes com conhecimento do assunto disseram à Reuters que o conteúdo da matéria de O Globo é correto.
Em nota, Temer negou que tenha solicitado pagamento para obter o silêncio de Cunha.
"Dessa vez vai ser praticamente impossível alguma operação de engenharia política para garantir a estabilidade do governo", disse o cientista político e professor da Unicamp Roberto Romano. "A instabilidade política veio de vez. O ambiente vai ficar muito imprevisível."
O terremoto causado pelas acusações contra Temer, disseram analistas e economistas, terá impacto direto na tramitação das reformas trabalhista e da Previdência, que o presidente tenta aprovar no Congresso Nacional.
Após a divulgação da reportagem de O Globo, o Congresso se esvaziou e a oposição anunciou que pedirá o impeachment do presidente.
"A denúncia atrapalha o andamento das reformas no Congresso. Hoje, o mercado tinha um cenário benigno para o Brasil e pode haver um efeito manada (de saída do país). O país fica no escuro", disse a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif.
Em relatório, a consultoria política Arko Advice apontou que o episódio gera "dramático enfraquecimento político do governo" capitaneado por Temer e disse não descartar o abandono da agenda de reformas.
A expectativa de economistas ouvidos pela Reuters é de que os mercados financeiros reajam com força na manhã de quinta-feira às acusações contra o presidente.
Do ponto de vista político, a incerteza sobre o futuro de Temer coloca ainda mais dúvidas no horizonte. Caso o presidente deixe o posto em meio às acusações, seu sucessor terá de ser escolhido em eleição indireta realizada pelo Congresso Nacional.
"A Constituição é clara, não há possibilidade de eleições diretas, mas será que o Congresso tem legitimidade para eleger um novo presidente?", indagou o analista político Danilo Gennari, da Distrito Relações Governamentais, sediada em Brasília.