"Parece que o governo sente uma necessidade em fazer manchete de jornal", diz Lisboa (Reprodução/YouTube/Reprodução)
André Jankavski
Publicado em 10 de abril de 2019 às 06h00.
Última atualização em 10 de abril de 2019 às 06h00.
São Paulo – O professor e presidente do Insper, Marcos Lisboa, não enxerga motivos para se animar com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Muito pelo contrário.
Para ele, os principais nomes do Executivo, o que inclui o presidente, colocaram mais foco na busca por manchetes na imprensa (mesmo a criticando em diversos momentos) do que, de fato, em trabalhar em projetos mais detalhados em prol do futuro do país.
Além disso, o economista, que já foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acusa o atual governo de oportunismo – a ala política, pelo menos. Segundo ele, os antigos parlamentares do PSL (e outros congressistas que agora fazem parte da base do governo) erraram por não ter auxiliado no avanço da proposta da reforma da Previdência proposta pelo ex-presidente Michel Temer.
“Esse oportunismo da política cobra o preço. Quem paga a conta é o país”, diz Lisboa. Confira, a seguir, a sua entrevista.
Qual é a sua avaliação dos primeiros 100 dias do governo Bolsonaro?
A tônica dos 100 primeiros dias foi a ausência de projeto. É um governo que, além da reforma da Previdência, não tem nada a mostrar. E a reforma foi herdada da agenda do governo Temer e pelas propostas coordenadas pelo economista Paulo Tafner.
Até agora, há muito barulho e pouca proposta concreta. Parece que o governo sente uma necessidade em fazer manchete de jornal, mas falta interesse em fazer um trabalho mais detalhado. Qual é a agenda do comércio exterior? E a questão tributária? Tem muita fumaça e pouco resultado até agora. É muita gente do governo falando de propostas e, quando tenta entrar nos detalhes, o que se tem são caminhos de vento.
Como o senhor avalia o atual momento do país?
Vivemos um momento difícil. Existe uma grave crise fiscal e a Previdência é a primeira agenda para enfrentar esse problema. Porém, a reforma está longe de ser a única necessidade. Infelizmente, estamos pagando o preço do oportunismo de muitos anos. A proposta que, agora, parece que pode passar no Congresso não é muito diferente da que o governo anterior tinha encaminhado.
Mas por que o senhor considera oportunismo?
O atual governo não apoiou a proposta do governo Temer naquele momento. Aonde estavam os atuais integrantes do governo quando o deputado Arthur Maia fez a proposta há alguns anos? Esse oportunismo da política cobra o preço. Quem paga a conta é o país.
Como o senhor analisa as estratégias do governo para os próximos 1.400 dias?
É um governo decepcionante nas propostas. Caso se inicie um diálogo e um trabalho mais técnico, quem sabe possa se construir uma agenda positiva, que é tão urgente para o país. Mas a situação fica ainda pior quando o atual governo trata todo o passado como se fosse um bolo só.
Ele ignora os imensos avanços do governo Fernando Henrique Cardoso, além do primeiro mandato do governo Lula. Deixa de lado as reformas importantes que aconteceram no governo Temer também. Quando se faz esse enxágue do passado, acaba prejudicando a construção do diálogo e das maiorias necessárias para a aprovação dos projetos.
Porém, é possível falar que o governo teve algumas conquistas?
Até agora, teve muita polêmica em rede social, mas nada de concreto ou relevante. O país está preocupado. O Brasil tem um imenso potencial, mas também têm um desemprego preocupante, desafios imensos na infraestrutura e uma estrutura tributária muito nociva ao país.
A reforma tributária é algo que precisa ser acelerado pelo governo?
Parte do motivo que o país é pobre atualmente também é por conta da nossa estrutura tributária e a relação da receita com o setor privado. Não conheço nenhum outro país no mundo que tenha uma estrutura tributária tão disfuncional como a brasileira. Acho que existe uma enorme boa vontade e urgência dentro do governo para ajudar a resolver os problemas do país, mas aí é necessário mais trabalho técnico.