A rotina de auxiliares de limpeza na linha de frente do combate à covid-19 (Rogério Rocha de Souza/Agência Brasil)
Agência Brasil
Publicado em 5 de agosto de 2020 às 10h07.
Última atualização em 5 de agosto de 2020 às 16h21.
Maria Berenice da Silva tem 39 anos e em 12 deles trabalha como auxiliar de limpeza hospitalar no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), em Vila Isabel, na zona norte do Rio. Em toda a sua vida profissional sempre procurou fazer o serviço pensando que a pessoa atendida podia ser de sua família. Ficar na linha de frente no combate à pandemia de covid-19 significou ver de perto o sofrimento das pessoas, e aí o cuidado com a limpeza aumentou.
“Já lidei com CTI pediátrico de emergência, CTI coronariano, CTI adulto, mas nunca passei por essa situação de um vírus invisível fazer tudo que fez em pouco tempo. Por mais que a gente tome cuidado de fazer o procedimento normal, agora dobrou com relação à atenção”, disse Maria Berenice em entrevista à Agência Brasil. “Sempre que estou fazendo uma desinfecção, penso que poderia ser um familiar meu”.
A auxiliar de limpeza contou que no começo da pandemia, a situação foi muito tensa. Atualmente, até ficou um pouco mais calma com a redução dos casos, mas, ainda assim, tudo inspira cuidado. “Agora deu uma acalmada, a situação amenizou, mas no começo da pandemia foi tudo muito difícil. Um serviço muito cauteloso e com muito cuidado que fazemos. É paciente que entra, paciente que sai. Os profissionais da saúde também estão com a gente”.
O drama dos pacientes e das famílias que passou a assistir ao acompanhar quadros no hospital chegou bem perto. Em maio, depois de três dias sem paladar, sem olfato, com febre e falta de ar, fez o teste e deu positivo. Maria Berenice ficou 18 dias afastada do trabalho. “Tudo muito novo, você se põe no lugar da pessoa que estava ali hospitalizada e teve que passar pelo processo de intubação. Graças a Deus não passei por isso, mas tive todos os sintomas”, afirmou.
“Teve um fim de semana em que passei tão mal que achei que naquele dia não voltaria mais. Dor no corpo, dor no pulmão, queria respirar, fiquei com o rosto de frente para o ventilador, com falta de ar. Foi um desespero”.
A profissional não ficou internada em hospital, mas precisou fazer isolamento em casa, período que passou na companhia dos filhos Gabriel, de 22 anos, e David Juan, de 20 anos. Se pôde ficar ao lado deles, isso trouxe também muita preocupação de que fossem infectados. “Sempre pedia que não ficassem muito próximos a mim, porque o medo era contaminar meus filhos. Evitei qualquer tipo de aproximação com colegas, porque perdi várias pessoas conhecidas também e foi tudo muito complicado. Até você entender que tudo aquilo que estava acontecendo chegou até você também e se colocar novamente no lugar das outras pessoas, é muito difícil”, revelou.
Outro momento difícil foi ver o olhar de medo do filho Gabriel de perder a mãe. “Eu chorava horrores quando meu filho saía de perto de mim. Eu vi o medo dele de me perder naquele momento. As pessoas conhecidas que a gente perdeu eram pai, mãe e colegas dele. Quando aconteceu na minha casa, eles ficaram muito assustados. Os meus filhos ficaram praticamente isolados comigo. Evitaram ir para a rua. Eles são jovens, mas o medo que tinham era o de perder a mãe. Quando testei positivo, o desespero foi maior”, contou.
Quem teve a doença, sente muita tristeza ao ver tantas pessoas que não dão a devida importância ao novo coronavírus se aglomerar nas ruas, não usar máscara, nem álcool em gel e não pensar no próximo. “É um sentimento de tristeza e, ao mesmo tempo, de perceber que não valorizam o nosso trabalho. Muitos não estão ligando, porque acham que isso não acontece dentro da sua casa. Esse sentimento a gente tem porque enquanto está ali se dedicando, tem gente lá fora não dando a mínima. Até que acontece dentro de casa, para entender que esse vírus não é brincadeira. Foi preciso perder a pessoa do seu lado para saber o quanto é séria a situação”, observou.
Maria Berenice, que há mais de uma década está acostumada a higienizar unidades de terapia intensiva de diversas especialidades, espera o surgimento de uma vacina contra a covid-19, com a certeza de que, a partir da pandemia, a vida não será mais a mesma para ninguém. As medidas de proteção vão ter de continuar, ainda que a contaminação tenha diminuído. “Esse nosso costume de usar máscara e álcool em gel vai ficar para sempre. A vacina pode ser positiva, mas antes da vacina não acredito muito não”.
Para Fabiano Paulino de Souza Nunes, de 44 anos, colega de Maria Berenice há dois anos e seis meses, foi radical a mudança no trabalho antes e após o surgimento da pandemia. Embora não tenha se infectado, apesar de terem aparecido alguns sintomas, como febre, dor de cabeça e tosse, o sentimento de estar diante de uma doença desconhecida causa temor, principalmente porque mora com a mulher Carla e os três filhos, João Vitor de 17 anos, Kauan, de 13, e Rebeca, de 6 anos. “Quando veio o resultado foi um alívio. Ninguém quer pegar isso na verdade. Ninguém sabe o que pode acontecer, como a doença se comporta no nosso corpo”, afirmou.
Fabiano lembrou que a sua categoria é essencial, como os médicos e enfermeiros, no combate ao novo coronavírus. O trabalho, que já era conjunto, se transformou em união desses profissionais. “Sentimento agora de total união, temos que estar mais próximos. Tanto médicos, quanto enfermeiros, a gente da limpeza é que entra primeiro quando ocorre algum óbito. A gente está diretamente junto”.
De acordo com o auxiliar de limpeza, é muito difícil acompanhar a evolução de um paciente que não resiste ao vírus e morre. “Quando a gente vê um paciente morrendo, pensa logo nos nossos familiares, nossos amigos e no próximo. É muito difícil. É choque para nós. A verdade é que a gente faz de tudo para salvar essas vidas. Tem que fazer a higienização total do ambiente”.
A empresa de limpeza hospitalar Mais Verde, em que Maria Berenice e Fabiano são contratados, informou que o trabalho diário é acompanhado por supervisores que organizam as tarefas, tiram dúvidas e conversam com os auxiliares sobre os procedimentos que devem ser seguidos e sobre suas demandas pessoais. Os profissionais também têm equipamentos de proteção e a assistência diária de um técnico de segurança do trabalho e de um enfermeiro especializado em desinfecção hospitalar, que também acompanha o quadro de saúde dos funcionários.
“Os funcionários seguem as diretrizes de ação da Coordenadoria de Controle de Infecção Hospitalar do próprio hospital, que determinam como a limpeza deve ser feita, os produtos a serem usados, entre outros aspectos”, completou a empresa.
Com o início da pandemia, os profissionais fizeram treinamento específico para o trabalho na linha de frente. “Tivemos que reforçar o uso de EPI, os cuidados com os uniformes, o protocolo a seguir quando chegam e quando saem do hospital. Antes da pandemia, por exemplo, o uso do capote não era obrigatório para todos os funcionários em todos os setores do hospital, e agora passou a ser”, explicou.
No caso de empregados infectados, a orientação, após a avaliação da médica que faz o atendimento inicial, dependendo da gravidade, é ficar em casa. O afastamento dos profissionais levou a empresa a fazer remanejamento de equipes reservas e providenciar novas contratações. “Tivemos casos de pessoas que desistiram do trabalho ao saber que atuariam em hospitais, pelo receio de se contaminar, completou a empresa que tem cerca de 370 funcionários no Hupe e em outras unidades de saúde do Rio.
O conselheiro Técnico da Associação Brasileira do Mercado de Limpeza Profissional (Abralimp), Alessandro Fernandes Araújo, disse que a entidade recomendou ao setor as normas que deveriam ser seguidas pela categoria, uma delas com relação aos equipamentos de proteção que devem ser usados. “O mais importante neste momento não é só a paramentação, mas também a desparamentação, que é tirar o uniforme. Isso pode ter um risco maior de contaminação das pessoas. Por isso, intensificar treinamento é uma parte importante”, disse, destacando que a pandemia causou surpresa e todos os processos de segurança dos profissionais foram intensificados conforme os padrões da Organização Mundial da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Araújo acrescentou que todos os profissionais foram orientados a informar quando notassem alguma possibilidade de contaminação. “Hoje, estamos cada vez mais especialistas em higienização, em desinfecção. Isso vai ficar pós-pandemia”, completou.
A Abralimp informou que é a única entidade que representa toda a cadeia produtiva do setor de limpeza profissional, formada por fabricantes e distribuidores de máquinas, equipamentos, químicos, descartáveis e EPI, além dos prestadores de serviços especializados de limpeza profissional.
A associação tem mais de 230 associados e representatividade nacional. O mercado de limpeza profissional movimenta atualmente mais de R$ 18 bilhões ao ano e gera mais de 760 mil empregos.