Boa Vista (RR) - Acampamento de refugiados venezuelanos montado pelo Exército Brasileiro e a Agência das Nações Unidas para Refugiados (Antonio Cruz/Agência Brasil) (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Estadão Conteúdo
Publicado em 22 de abril de 2018 às 10h58.
Última atualização em 22 de abril de 2018 às 10h58.
Na entrada da Praça Simon Bolívar, uma placa traz, em espanhol, a mensagem aos visitantes: "Bienvenidos a Boa Vista". Para os mais de mil venezuelanos alojados no local, porém, a sensação não é de acolhimento.
Com os cinco abrigos da cidade superlotados, os imigrantes foram montando, nos últimos meses, barracas improvisadas nas praças, mas não contaram com a ajuda do poder público.
Com o crescimento da ocupação nas últimas semanas, a Prefeitura de Boa Vista decidiu, no início de abril, instalar tapumes ao redor da praça para separar os venezuelanos dos que passam nas avenidas vizinhas.
Não viu necessidade, no entanto, de instalar banheiros químicos ou oferecer água aos refugiados.
Ao mesmo tempo, os comércios vizinhos à praça passaram a impedir o uso do vaso sanitário aos imigrantes ou cobrar até R$ 3 para cada utilização. Também fecharam o registro das torneiras para que os venezuelanos não peguem água para tomar banho ou lavar roupas.
"Se a gente não tem dinheiro nem para comer, imagina pagar R$ 3 cada vez que precisarmos ir ao banheiro", diz a cabeleireira Luiziana Milagros Medina, de 31 anos, que vive com o marido e o filho de 4 anos no local.
Diante da situação, os venezuelanos procuram matagais próximos para urinar ou defecar e andam mais de dois quilômetros até o Rio Branco para tomar banho ou lavar roupas.
"A gente vem (ao rio) porque não tem outra opção, mas aqui é sujo. Estamos tomando banho ao lado até de animais mortos", conta o mecânico Luiz Henrique Marques, de 29 anos, apontando para o esqueleto de um cachorro na margem do rio, a poucos metros de onde um grupo de venezuelanos tomava banho e enchia garrafas para levar para a praça onde vivem.
O medo dos imigrantes agora é que a situação de moradia se agrave ainda mais com a chegada das chuvas. No inverno de Roraima, os temporais são severos. Na segunda-feira, 16, uma chuva forte deixou a praça e as barracas alagadas.
"Na Venezuela estávamos morrendo de fome. Mas também não dá para morar desse jeito aqui. Com a chuva e a sujeira em que vivemos, eu, meu marido e meus filhos estamos com gripe, diarreia, vômitos. Estamos até pensando em voltar para nosso país", diz Eudinelis Guzman, de 32 anos.
De acordo com a prefeitura de Boa Vista, a presença de imigrantes nas praças é "uma situação provisória até que eles sejam deslocados para abrigos". Destacou que vistoria diariamente os locais e, por serem espaços abertos e públicos, não é possível fazer "qualquer intervenção no momento".
Nos cinco abrigos da cidade, todos sob coordenação do Exército, a oferta de barracas, refeições e banheiros torna a situação dos imigrantes um pouco melhor, mas isso não significa comodidade. Os locais também têm problemas. A pior situação é a do abrigo do bairro Pintolândia, que acolhe apenas venezuelanos indígenas.
O local tem capacidade para 370 pessoas, mas recebe atualmente 715 indígenas. No local, onde centenas de redes e barracas disputam espaço, crianças brincam em um terreno de terra com sujeira e restos de alimentos. Muitos chegam da Venezuela doentes.
Na última semana, oito crianças moradoras do abrigo estavam internadas em Boa Vista com quadros de desnutrição ou problemas respiratórios. "Aqui pelo menos a gente vive um pouco melhor do que na Venezuela. Lá não tem comida, remédios, fraldas", diz a indígena Glady Moreno, de 29 anos. O Exército informou que abrirá outros quatro abrigos na cidade.