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A polarização chegou ao saneamento: o que está em jogo para o Novo Marco Legal?

OPINIÃO | Ao que tudo indica, o movimento liderado pelo Governo Federal, que começa a ganhar eco no Parlamento, é o de desincentivar a privatização

Bairro União das Vilas, Uruguaina: A marca da desigualdade no saneamento básico é muito clara (Germano Lüders/Exame)

Bairro União das Vilas, Uruguaina: A marca da desigualdade no saneamento básico é muito clara (Germano Lüders/Exame)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 16 de março de 2023 às 12h46.

Última atualização em 16 de março de 2023 às 12h50.

Esquecido por décadas, o saneamento entrou em definitivo no debate polarizado do país. O Ministro da Casa Civil Rui Costa indicou recentemente possíveis mudanças no novo marco legal do saneamento (Lei 14.026 de 2020). Alterações no novo marco parecem também contar agora com apoio do presidente da Câmara Artur Lira.

Gestado no então Ministério da Economia de Bolsonaro, o Novo Marco do Saneamento promoveu mudanças profundas na estrutura do setor, que foi modernizado originalmente em 2007, sob a segunda gestão de Lula, por meio da Lei 11.445 de 2007.

O primeiro marco de 2007 teve como mérito introduzir no setor um arcabouço legal alinhado com outros marcos de infraestrutura editados nas décadas anteriores, como telecom e energia. De maneira geral, obrigou os municípios – titulares dos serviços – a elaborarem planos de saneamento, estabelecerem metas para operação de serviços e instituir um sistema de regulação independente.

Mas talvez o ponto mais relevante tenha sido permitir que as empresas estatais – que à época atendiam 70% da população – pudessem regularizar a sua prestação de serviços com os municípios por meio dos chamados contratos de programa. Consequentemente, permitiu-se que essas empresas – por serem públicas – poderiam assumir a prestação dos serviços de saneamento por mais de trinta anos sem participar de qualquer concorrência pública.

Apesar disso, um conjunto de empresas nacionais privadas (lideradas pela então Odebrecht Ambiental) iniciaram esforços para aumentar sua participação no mercado. Após uma tentativa inicial de rivalizar com as estatais, o setor privado – limitado por essas barreiras legais a entrada – se contentou a atuar de maneira complementar às estatais. As empresas públicas permaneceram operando as grandes conurbações urbanas e parte relevante dos Municípios e o privado passou a ser contratado por essas próprias empresas para realizar parcela dos serviços. Houve assim um crescimento exponencial de parcerias público-privadas, subconcessões e modelos afins.

Na prática, as estatais mantiveram a operação da distribuição de água e contrataram os privados para realizar os investimentos de esgotamento sanitário. Esse modelo se desenvolveu, por exemplo, na região metropolitana do Recife, na Zona Oeste do Rio de Janeiro e no Estado do Mato Grosso do Sul. Na Sabesp, em São Paulo, e na Copasa, em Minas Gerais, o privado foi chamado a construir e operar parcialmente estações de produção de água, permanecendo os demais serviços com as empresas públicas. Na Bahia, a Embasa contratou a construção e operação de emissário submarino.

Marco do saneamento: por que mudar?

O novo marco legal, sob Bolsonaro, teve como principal objetivo impedir que empresas estatais pudessem se manter operando os serviços ou assumir novos mercados sem licitação e sem metas claras de universalização. Além disso, criou uma série de facilidades para que as empresas estatais fossem privatizadas. Limitou, também, arranjos de parceria, como aqueles firmados sob o primeiro marco legal.

Esse último ponto, em especial, é talvez o mais simples a ser alterado, pois pode ser feito por Decreto. Ao que tudo indica essa é a alteração que o Ministro Rui Costa pretende implementar em primeiro lugar.

Outra mudança relevante foi atribuir à Agência Nacional de Águas a função de estabelecer normas gerais de regulação, impondo restrições a municípios que decidam não seguir essas normas.

Ao que tudo indica, o movimento liderado pelo Governo Federal, que começa a ganhar eco no Parlamento, é o de desincentivar a privatização. Haveria a volta de modelos de parceria público-privada, onde o mercado das estatais é mantido. O privado, porém, seria chamado a colaborar na solução de determinados gargalos, em especial o esgotamento sanitário.

O desafio dessa mudança é acima de tudo manter o incentivo a Governos e Municípios de continuar a realizar parcerias com a iniciativa privada, para atingir a inegociável universalização dos serviços em 2033.

O novo marco incentivou a realização de diversos projetos com a iniciativa privada. Exemplo disso é o Estado do Rio de Janeiro que terá seus serviços universalizados em dez anos e a baia de Guanabara despoluída.

Revisão gera insegurança

O anúncio de revisão do que está funcionando gera insegurança e instabilidade e tende a diminuir a pressão positiva por mais investimentos no setor.

A volta ao modelo de 2007, certamente, acomoda um maior número de interesses e reduz a pressão das corporações públicas sobre o Governo Federal – historicamente vinculado a elas. Pode, porém, por em risco a atração do privado para o setor, o que compromete a universalização, deixando a população a mercê de prestadores estatais historicamente ineficientes.

Ajustes pontuais e aperfeiçoamentos podem contribuir. O que não se admite é que mais de 100 milhões de brasileiros permaneçam sem acesso a esgotamento sanitário e que interesses corporativos se sobreponham aos interesses da população.

*Isadora Cohen é sócia na ICO Consultoria. Foi secretária executiva de transportes metropolitanos do Estado de São Paulo. Foi secretaria do programa de desestatização e responsável pela Unidade de parcerias público-privadas do Estado de São Paulo. Foi presidente do Infra Women Brazil. É Pesquisadora da FIPE (fundação instituto de pesquisas econômicas da Universidade de São Paulo). Integra o corpo docente do MBA PPP da FESP e London School of Economics

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