Walter Longo: presidente do Grupo Abril em discurso de abertura do evento a Revolução do Novo (Antonio Milena/Exame)
Camila Pati
Publicado em 5 de junho de 2017 às 10h50.
Última atualização em 21 de junho de 2017 às 15h29.
São Paulo - O presidente do Grupo Abril, Walter Longo, abriu nesta segunda-feira a terceira edição do Fórum "A Revolução do Novo", promovido por EXAME e VEJA, com apoio da Coca-Cola.
"Vamos falar aqui sobre um tema que temos discutido, que é exatamente o Trilema Digital. Quem assistiu à série Black Mirror vê nela críticas mordazes à era digital e ao seu impacto na sociedade. Meu objetivo aqui não é criticar, mas é dizer que precisamos estar alertas sobre alguns desafios que estão à nossa frente", disse Walter Longo.
Segundo o executivo, o universo digital traz infinitas possibilidades, mas alguns desafios muito relevantes. Ele cita três grande tendências que estão preocupando cientistas sociais e tirando o sono de empresários e executivos.
"A primeira característica, que deve chamar nossa atenção, é a exteligência", diz. Ou seja, hoje o conhecimento não precisa mais ser armazenado no cérebro, uma vez que basta um toque no smartphone para ter acesso a um mundo de informações. "O problema é que, se tudo o que eu tiver de guardar, eu fizer em outro lugar que não o meu cérebro, os neurônios não se conectam e não fazem sinapses. Não há geração de insights", afirma Longo.
Como explica o executivo, é a partir da referência que se gera repertório que, por outro lado, gera as ideias. "Ora, se eu não tenho nada na minha cabeça, sem dúvida a qualidade do meu pensamento será reduzida". Na visão do presidente do Grupo Abril, "sem o combustível do conhecimento embarcado não vamos tão longe".
Para ele, a facilidade de obter conhecimento deve ser celebrada: nunca foi tão fácil obter conhecimento e, além disso, não é mais necessário armazená-lo no cérebro. Mas isso resulta na diminuição da curiosidade, segundo o executivo." Curiosidade está para o conhecimento como a libido está para o sexo, como diz o economista Eduardo Gianetti", disse Longo.
De acordo com ele, estamos vendo uma polarização da sociedade entre os curiosos e os descuriosos. "A internet está tornando os espertos mais espertos e os estúpidos muito mais estúpidos", afirma o executivo. Segundo o executivo, a curiosidade pode virar algo exclusivo das elites cognitivas. "As elites não serão mais por dinheiro ou por lugar social, e sim pela capacidade de pensar", diz. Walter Longo define a internet como o spoiler da curiosidade.
O segundo tema preocupante desse trilema digital é o tribalismo. Antes da era digital, a televisão era dividida entre os membros da família. " Eu estava sempre frente a frente com escolhas que não eram minhas. Assistia a jogos de futebol de times que eu não conhecia e passei a descobrir o prazer do espetáculo esportivo", diz.
Alguém de esquerda, conta Walter, se deparava com opiniões de direita no jornal, e muitas vezes acabava revisando as convicções. " O contraditório nos obrigava a revisitar teses para estar constantemente confirmando ou alterando nossas crenças, hábitos e preferências", diz. Foi assim com a geração X. Mas hoje isso está acabando.
As pessoas só leem o que quer, ouvem o que gostam, só assistem ao que gostam, diz o executivo. "A polarização política que a gente enxerga hoje no Brasil tem seu palco nas redes sociais, que só reforçam essa tendência maniqueísta", disse Longo, apontando que o uso crescente de algoritmos torna esse fenômeno mais agudo. "Se entro no Spotify e peço para ouvir pagode, para o resto da vida sempre vão sugerir pagode", disse. Na visão dele, estamos assistindo ao fim do contraditório e à perda da opinião. "E isso traz como consequência pessoas cada vez mais sectárias", diz. Violência e indiferença são riscos desse cenário.
A terceira característica que Longo apresenta dentro do Trilema Digital é o compartilhamento. De acordo com ele, é preciso avaliar qual é o impacto econômico dessa tendência de consumir menos e compartilhar mais.
"Menos carros particulares e mais carros compartilhados, menos hotéis e mais casas compartilhadas, menos escritórios e mais espaços de coworking. Essa é uma tendência sem volta, mas que traz o risco de criar a desaceleração da espiral econômica. Vamos ter aí na frente um desafio", diz Longo. Devemos ir em busca disso, na opinião dele, pois é o caminho do consumo consciente. "Novas gerações parecem querer consumir nada, mas aproveitar tudo", diz Longo.
Tudo isso é bom, mas há que pensar no impacto disso para a economia, propõe o executivo, "já que ninguém em sã consciência é a favor do consumo irresponsável". De acordo com Longo, devemos e precisamos ser otimistas em relação ao futuro, e por isso ele chama todas as questões de trilema, já que não as vê como problema. A questão que se coloca é enfrentar, analisar e resolver. " Não adianta achar que está tudo em ordem", diz.
O mundo sempre se sobressaltou quando surgiram problemas que pareceriam insolúveis, lembra o executivo."Quando o problema surge somos impactados e não vemos saída. A solução só aparece depois. Se aparecesse antes não existiria o problema", disse.