LULA: a aposta do PT está nas inúmeras interpretações possíveis, nas brechas e nos recursos para afastar Lula da inelegibilidade / Orlando Brito/VEJA
Raphael Martins
Publicado em 6 de janeiro de 2018 às 08h28.
Última atualização em 11 de janeiro de 2018 às 15h58.
Uma certeza de 2018 é que o ano não começa apenas depois do Carnaval. Pelo menos na política. Nesta sexta-feira, o deputado Jair Bolsonaro decidiu que concorrerá à presidência pelo PSL, abrindo uma guerra no seio do partido. Mas a grande dúvida do verão paira sobre outro possível candidato.
Antes mesmo do retorno de parlamentares ao Congresso Nacional, em fevereiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será julgado em segunda instância pelas acusações de corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo caso do tríplex no Guarujá no próximo dia 24.
Trata-se de um evento decisivo para a corrida presidencial em outubro, pois pode definir que Lula, líder nas pesquisas de intenção de voto, fique inelegível.
Na primeira instância, o ex-presidente foi condenado pelo juiz Sergio Moro a nove anos e seis meses de prisão, pagamento de 669.700 reais em multa e impossibilidade de ocupar cargos públicos por sete anos. Tudo isso, contudo, depende da confirmação dos tribunais superiores.
Foram 40 dias até que o processo chegasse ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que revisa as decisões de Moro na Operação Lava-Jato. Depois, serão no total cinco meses entre a chegada do processo e julgamento, um recorde dentro do tribunal. A média durante a Lava-Jato é de um ano.
O caso de Lula, como todos os outros, fica a cargo da 8ª Turma do tribunal, da qual fazem parte os juízes João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus. Gebran Neto é o relator do caso e concluiu seu voto no dia 1º de dezembro e o entregou aos demais magistrados, ainda em sigilo de Justiça. O revisor é Paulsen, que marcou o julgamento para dia 24, quando Laus e ele lerão seus votos. A bolsa de apostas sobre a possibilidade de Lula ser preso já ao final do julgamento estão a mil, assim como as interpretações sobre o placar do julgamento. Perder por 2 a 1, por exemplo, pode ser visto pelo PT como uma vitória simbólica, assim como um acachapante 3 a 0 dificulta ainda mais o futuro do partido.
“Se ele for condenado por unanimidade e a condenação por mantida por unanimidade, pela posição atual do Supremo Tribunal Federal, terminou o julgamento nas instâncias ordinárias (Tribunais de Justiça e Regionais Federais). Então é possível o início da execução provisória da pena”, explica o professor de Direito Penal da USP, Gustavo Badaró. “Depende de pedido do relator do caso”.
O trâmite acelerado no TRF-4 se explica pela importância do caso. Lula lidera absolutamente todas as sondagens eleitorais para o pleito deste ano, mas é alvo de um processo que pode impugnar sua candidatura a qualquer momento se enquadrado na Lei da Ficha Limpa.
A depender dos oponentes, Lula marca de 34% a 37% das intenções de voto, com o deputado federal Jair Bolsonaro em segundo, que tem 17% a 19%. A rejeição de Lula vem caindo. Há dois anos, em cenários de segundo turno, ele seria derrotado pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e pela ex-senadora Marina Silva (Rede).
Alckmin, em novembro de 2015, venceria por 45% a 34%. Marina, por 52% a 31%. Agora, Lula sairia vitorioso, na ordem, por 52% a 30% e 48% a 35%.
Se o bom senso diz que o caso precisa ser resolvido, o PT está decidido a emplacar a narrativa de que Lula é um mártir. E usa como um dos principais argumentos a celeridade com que o processo será analisado pelo Tribunal Regional de Porto Alegre.
O PT diz oficialmente que não há qualquer plano de substituição de Lula como candidato, mesmo com a condenação em segunda instância. “Estamos estudando com advogados as possibilidades de viabilizar juridicamente a candidatura”, afirma o ex-líder do PT na Câmara e aliado próximo de Lula, deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “Não trabalhamos com segunda opção, estamos confiantes que dará certo”.
A aposta do PT está nas inúmeras interpretações possíveis, nas brechas e nos recursos para afastar Lula da inelegibilidade. Uma condenação no TRF-4 por unanimidade abre a chance de recurso por embargos de declaração, que são resolvidos em 48 horas e julgados na sessão seguinte do tribunal, um caminho rápido e que seria a pior opção para o ex-presidente.
Se houver divergência e Lula tiver um voto pela absolvição, entram em cena os embargos infringentes, que arrastariam a requisito para impedimento por meses. É só com esse julgamento pronto na esfera penal que a Justiça Eleitoral pode ter a condição de julgar a candidatura de Lula como impossível pela Lei da Ficha Limpa.
Em último caso, o PT pode recorrer ao artigo 26-C da Lei Complementar de 64/1990, que, juridiquês à parte, diz que é possível protocolar um recurso para suspender a condenação em segunda instância caso um possível candidato tenha chance de não ser culpado.
“Já pensou se o sujeito é proibido de se candidatar e é inocentado? A própria lei trouxe essa espécie de recurso, em que o STJ ou Supremo, a depender de quem vai julgar o recurso, se entender que há alguma chance de o réu ser absolvido, pode liberar a pessoa para se candidatar. É uma forma de salvaguarda”, diz pesquisador em Direito Eleitoral da FGV e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Diogo Rais.
Os pedidos de registro podem ser protocolados até 15 de agosto, pelas regras eleitorais. Não há um prazo fatal para a decisão, mas a presidência geralmente tem poucos candidatos e não há muita procrastinação na decisão. Se a impugnação de Lula acontece a menos de 20 dias da data da eleição, ele perde a candidatura e não pode colocar um substituto.
Se for depois do primeiro turno, iriam para a disputa final, eventualmente, o terceiro colocado. “Perdem-se todos os votos dados a ele. Se Lula vencer o segundo turno e chegar a ser diplomado presidente, os processos são suspensos e ele só pode ser julgado depois do fim do mandato”, diz Rais.
É um risco que o PT está disposto a correr. Recentemente, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do STJ, acatou recurso do candidato mais votado de Primavera do Leste (MT), Getúlio Viana (PSB), e lhe garantiu a posse no cargo mesmo com registro de candidatura indeferido por condenação em segunda instância.
Maia Filho priorizou um recurso pendente de julgamento de improbidade administrativa. Em agosto de 2017, a liminar do ministro foi derrubada e Viana teve de deixar o cargo.
A ordem no PT, então, é esticar a corda ao limite, apostando no universo de recursos, buscando, quem sabe, a diplomação e a suspensão das ações criminais. Se Lula tiver que deixar o jogo, há candidatos em standbyque podem fazer às vezes em seu lugar. Em uma hipótese remota, o PT deixaria a corrida para apoiar algum candidato mais à esquerda.
“O que resta ao PT é fortalecer a imagem de Lula de todas as formas possíveis, para gerar um peso positivo caso tenha que sair da disputa”, diz Carlos Manhanelli, especialista em marketing político. “Funciona como um fiador de um banco: quanto mais forte, mais a chance de conseguir um empréstimo”.
Substituir Lula é um risco danado para as pretensões eleitorais do partido. Cerca de 48% dos eleitores afirmam que não votariam no ex-presidente de jeito nenhum. Quando se estimula os nomes do ex-ministro Jaques Wagner (PT) ou do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT), a rejeição salta para 63% e 61%, respectivamente.
“Manter o discurso de um Lula forte e candidato é fundamental para que o PT não perca mais relevância do que já perdeu nas últimas eleições para prefeito. O que está em jogo é a própria capacidade do partido de ter sua representatividade mantida na Câmara e no Senado”, afirma o cientista político Wagner Parente, diretor da consultoria Barral M Jorge. “Lula teria mais capacidade de aglutinar partidos de esquerda e centro-esquerda em uma chapa do que qualquer outro candidato.”
Sem o ex-presidente na campanha, portanto, o PT perde a capacidade de demover outros partidos de lançarem candidaturas avulsas, fragmentando os votos da esquerda e com menos espaço na campanha em Rádio e TV. Mesmo sem coligações, Lula é o único nome desse setor que teria condições de drenar votos que poderiam se dividir entre Ciro Gomes (PDT) e Manuela D’Ávila (PCdoB), por exemplo.
O julgamento começa no dia 24 de janeiro, quando Porto Alegre será invadida por jornalistas, apoiadores e críticos do ex-presidente. Em jogo, as eleições de 2018, o futuro do PT, e do Brasil.