Brasil

O fim da era Dilma Rousseff em 11 atos

Altos e baixos marcaram a trajetória da presidente afastada; falta de governabilidade é pedra no sapato de petista


	Afilhada política de Lula, Dilma se viu abandonada nos últimos meses pelo PT e pelo próprio partido
 (REUTERS/Ueslei Marcelino)

Afilhada política de Lula, Dilma se viu abandonada nos últimos meses pelo PT e pelo próprio partido (REUTERS/Ueslei Marcelino)

Marcelo Ribeiro

Marcelo Ribeiro

Publicado em 31 de agosto de 2016 às 13h40.

Brasília – Engana-se quem pensa que as derrotas políticas da presidente afastada Dilma Rousseff (PT) começaram apenas após o acolhimento do pedido de impeachment no Congresso. A petista colecionou uma série de reveses ao longo de sua vida política.

Seu primeiro papel de destaque na política nacional foi durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando atuou como ministra de Minas e Energia, entre 2003 e 2005. Após José Dirceu sair do comando da Casa Civil, Dilma assumiu seu lugar, em 2005.

Pouco a pouco, se tornou a ministra mais forte do governo Lula e era consultada antes de decisões importantes serem definidas. Em 2009, a petista superou um câncer no sistema linfático. Após vencer a doença, sua candidatura à Presidência foi oficializada.

Nesta quarta-feira, o Senado selou o fim dessa saga política tornando Dilma a segunda presidente a sofrer impeachment desde a redemocratização.

Erenice: de confidente a problema

Durante a campanha de 2009, a petista viveu sua primeira dificuldade. Sua ex-chefe de gabinete Erenice Guerra foi denunciada por corrupção. O filho de Erenice, Israel Guerra, teria liderado um suposto esquema de cobrar comissões para intermediar projetos privados junto a órgãos do governo.

Dilma superou a crise – que quase a derrubou na corrida presidencial – e foi eleita a primeira mulher presidente do país com 56,05% dos votos.

Lava Jato no retrovisor

Quando chegou ao poder, Dilma defendeu que faria uma “faxina contra a corrupção”. Naquele momento, a petista surfava em altos índices de aprovação.

A afilhada política do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mal podia imaginar que uma investigação corria paralelamente. A Polícia Federal investigava um escândalo de lavagem de dinheiro ligado ao governo federal. Essa foi a origem da descoberta das propinas pagas com o dinheiro da Petrobras.

Em 2014, meses antes do início da corrida de Dilma pela reeleição, foi deflagrada a Operação Lava Jato, que revelou o maior esquema de corrupção no país envolvendo empresários e políticos do PT, PMDB e outros partidos da base do governo.

Desgoverno

Em delação premiada, empreiteiros confessaram que pagaram propina para financiar as campanhas de Dilma de 2010 e 2014. As acusações sempre foram refutadas pela petista e pelo partido.

Com o escândalo, Dilma passou a enfrentar um novo problema. A falta de governabilidade fez com que a base aliada de seu governo ficasse estremecida. Sem apoio, a petista passou a ter dificuldades para manter o país resistente aos impactos da crise econômica mundial.

Mão aberta

Mesmo sem poder gastar, Dilma o fez com a justificativa de que era preciso injetar dinheiro na economia para evitar que o país fosse vítima de uma recessão.

Em uma tática que muitos classificaram como populista, ela ampliou programas sociais, deu descontos em impostos para empresas, concedeu subsídios por meio do BNDES e estimulou o crédito para as famílias. O governo, porém, não tinha dinheiro para bancar os gastos.

Verdade encoberta

Para garantir a reeleição, Dilma fez uma campanha na qual negava a necessidade de um ajuste fiscal. Outro ponto destacado por ela era que seus adversários acabariam com os programas sociais às custas de um corte de gastos desnecessário.

À época, cientistas políticos avaliavam que o discurso foi fundamental para que ela conquistasse o segundo mandato.

Abrindo o jogo

A segunda gestão já começou com gosto amargo. Quando assumiu, Dilma teve que reconhecer o que tanto negou durante a campanha. Ao afirmar que o país precisava de um ajuste, a presidente não admitiu que mentira. Em seus discursos, ela afirmava que em 2014 não era possível dimensionar a crise com clareza.

Em 2015, o rombo chegou a R$ 111 bilhões e, ao contrário do que tinha prometido durante a corrida eleitoral, começou a tentar fazer exatamente o que a oposição dizia ser necessário e que ela tanto criticou. Era o ingrediente que faltava para a crise política se agravar e sua popularidade despencar.

Cunha, a pedra no sapato

Após uma série de recusas, o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha aceitou, em 20 de dezembro de 2015, o pedido de impeachment contra Dilma feito pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal.

Desafeto de Dilma desde que chegou ao comando da Câmara, Cunha afirmou que a aceitação do pedido tinha "natureza técnica" e que não havia como postergar mais a decisão sobre a questão. "Não ficaria com isso na gaveta sem decidir", disse.

À época, ele destacou que "nunca na história de um mandato" houve tantos pedidos para que um presidente fosse afastado.

A decisão de Cunha ocorreu após o PT sinalizar que votaria pela admissibilidade do processo de cassação do presidente da Casa.

Em 17 de abril, após 53 horas de sessão, o processo de impedimento da petista foi aprovado por 367 deputados. 137 parlamentares votaram contra o impeachment de Dilma e 7 se abstiveram de votar. A ausência de argumentos sólidos e os discursos evasivos marcaram a sessão, que foi televisionada em rede nacional.

Na mira da Justiça

Em maio, a Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito contra Dilma e Lula por obstrução à Justiça, ao tentar supostamente atrapalhar a Lava Jato.

Foi incluída na investigação uma conversa entre a presidente e seu padrinho político. Na gravação, Dilma dizia que estava mandando o termo de posse de Lula como ministro da Casa Civil para que ele usasse em caso de necessidade. A conversa veio a público em março, um mês antes da aprovação do processo de impeachment no plenário da Câmara.

De acordo com a Procuradoria, essa era a estratégia de Dilma para tentar dar foro privilegiado a Lula. Dessa maneira, conseguiria tirar as investigações contra o ex-presidente das mãos do juiz Sérgio Moro.

Abandonada por você

Após ser afastada do comando do Planalto, Dilma ficou ainda mais fragilizada. Diante da proximidade do seu julgamento final no Senado, ela foi perdendo importantes aliados do PT e de sua antiga base aliada.

Ainda que os correligionários de Dilma neguem, são poucos os que ainda lutam para que ela consiga voltar ao comando do Planalto.

Carta sem peso

A leitura de sua carta aos senadores e ao povo brasileiro foi vista como uma de suas últimas armas para tentar reverter o quadro do impeachment.

A ausência de figuras importantes do PT no pronunciamento, porém, representou mais um capítulo da vida difícil que ela enfrentou desde seu afastamento temporário.

O ato final

O derradeiro capítulo do processo de impedimento da petista foi o seu depoimento no julgamento final. Dilma apresentou sua defesa e respondeu as perguntas de 48 senadores em uma sessão que durou mais de 14 horas.

Em seu discurso, a petista voltou a acusar o Congresso de “comandar um golpe, orquestrado inicialmente por Cunha”.

Mesmo tendo um desempenho positivo, Dilma falou para sua militância e para o povo brasileiro. Em nenhum momento, pareceu tentar reverter o voto de um parlamentar sequer. Talvez por não acreditar que isso fosse possível, talvez porque acreditava que Lula seria capaz de comandar a virada sozinho.

De acordo com Dilma, a aprovação do impeachment representaria sua morte política. O advogado de defesa, José Eduardo Cardozo, garante que irá recorrer no STF se o resultado for “injusto”. 

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