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A briga pela periferia

Nas próximas semanas, um tradicional teatro eleitoral vai ser mais importante do que nunca. A cena se repete a cada eleição municipal: políticos descem de carros com ar-condicionado e invadem as regiões periféricas das grandes cidades. Distribuem beijos em bebês, fingem ouvir as reclamações dos cidadãos, tomam um café e pedem muitos votos. Neste ano, os […]

ROCINHA, NO RIO: conquistar os votos da periferia vai ser mais importante do que nunca nas eleições municipais / Bruno Kelly/ Reuters

ROCINHA, NO RIO: conquistar os votos da periferia vai ser mais importante do que nunca nas eleições municipais / Bruno Kelly/ Reuters

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Da Redação

Publicado em 30 de julho de 2016 às 10h10.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h31.

Nas próximas semanas, um tradicional teatro eleitoral vai ser mais importante do que nunca. A cena se repete a cada eleição municipal: políticos descem de carros com ar-condicionado e invadem as regiões periféricas das grandes cidades. Distribuem beijos em bebês, fingem ouvir as reclamações dos cidadãos, tomam um café e pedem muitos votos. Neste ano, os votos dos eleitores da classe C, D e E serão ainda mais decisivos. Entre as classes A e B, a polarização da disputa está mais cristalizada. Por isso, é na faixa mais pobre do eleitorado, atordoada como nenhuma outra pela crise econômica e pelas promessas vazias, que os candidatos tentarão, município a município, definir seu futuro.

Há dois critérios para dimensionar a proporcionalidade de renda da população. Segundo a SAE, da Presidência, 89% da população brasileira está nas classes C, D e E, cujo limite de renda familiar é de 6.585 reais. De acordo com o Critério Brasil, adotado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (AbeP), 68% da população está nas faixas C, D e E. De qualquer forma, a conclusão é a mesma: é onde está a imensa maioria da população. E um parcela expressiva está nas periferias.

Um estudo do banco Bradesco estima que a classe C encolheu de 56,6% para 54,6% da população desde 2014. Com isso, cerca de 3,7 milhões de pessoas voltaram às classes D e E. Outro levantamento, da consultoria Tendências, projetou que a crise deve empurrar cerca de 10 milhões de pessoas da classe C para a D e E até 2018. A inflação acumulou 8,93% nos últimos doze meses. Para os que recebem até 2,5 salários mínimos, a FGV calcula que tenha chegado a 9,57% no mesmo período. Gastos com transporte, habitação e alimentação consomem uma porcentagem maior da renda entre os mais pobres. O resultado é um endividamento crescente: cerca de 80% das famílias inadimplentes no Brasil atualmente estão na base da pirâmide. Para piorar: o desemprego atingiu 11,3% na última sexta-feira, segundo o IBGE, um recorde nas medições do instituto.

Perfil de voto

O perfil preponderante dos eleitores da periferia é o pragmatismo. A eleição municipal tem um caráter de “eleição de síndico”, na qual as pessoas buscam políticos que conheçam as regiões e seus problemas. Se conseguem ver e sentir na pele os efeitos das políticas públicas de um candidato, costumam votar novamente nele ou em seu sucessor. “É um segmento puramente pragmático. Quem tende a penar em questões mais abstratas é o eleitor de classe alta. Os mais pobres dependem do posto de saúde, distribuição de remédios e transporte”, diz o cientista político Carlos Melo, do Insper.

Por esse pragmatismo, a periferia ficou, em boa medida, afastada da discussão do impeachment e do vai e vem dos corredores do Congresso. Para esses brasileiros, o que fica mesmo é uma sensação geral de decepção com a política. Não à toa, uma pesquisa do Ibope divulgada nesta sexta-feira mostra que 64% dos eleitores com até dois salários mínimos têm nenhum ou pouco interesse na disputa de 2016. Entre aqueles que ganham de 2 a 5 salários mínimos, o número é 45%. Na faixa de renda maior, 34%. De forma espontânea, 33% desse grupo votaria nulo – ante 24% das outras faixas.

Para os prefeitos que tentam se reeleger ou que postulam o cargo, um levantamento importante da Firjan, a federação das indústrias do Rio, foi divulgado na última quinta-feira. Segundo a Federação, apenas 23 municípios brasileiros, ou 0,5% do total, tiveram excelência na administração de seus recursos. Em contrapartida, 87% estão com as contas em situação difícil ou crítica. É a pior situação fiscal dos últimos dez anos. Boa parte dos recursos está presa em gastos com pessoal. Com a queda da arrecadação, isso limitou a capacidade de investimentos em asfaltamento de ruas, iluminação pública, limpeza e postos de saúde, serviços essenciais para o dia a dia dos moradores.

O PT, e São Paulo 

Nos últimos treze anos, o PT conseguiu penetração considerável em boa parte das periferias do país. Programas como o Bolsa Família e o Luz para Todos, o aumento sistemático do salário mínimo e o pleno emprego experimentado no país durante os últimos anos ajudaram o partido a conquistar esses votos. “Esse é o público mais importante e mais difícil de ser atingido. É mais indeciso e o que mais necessita do poder público. Mas nesse ano, partido político nenhum deve se dar bem”, afirma Murilo Hidalgo, presidente do instituto Paraná Pesquisas.

As eleições de 2014 já mostraram um desgaste da legenda. Um exemplo ocorreu no chamado cinturão vermelho, em São Paulo, um conjunto de bairros nos extremos da capital que tem 4,1 milhões dos 8,7 milhões de eleitores da capital. Foi essa parte da população que garantiu a vitória do petista Fernando Haddad, em 2012, nas agora seu voto é uma incógnita. Em 2014, Aécio venceu Dilma em diversos bairros tradicionais da periferia paulistana, como Itaquera, São Miguel Paulista e Capão Redondo. Numericamente, Dilma venceu em 10 zonas eleitorais da capital. Em 2010, haviam sido 23.

Na capital, até o momento, o voto das periferias é de Celso Russomanno. Na pesquisa do Ibope mais recente, ele chega a ter 42% dos votos dos mais pobres em uma das simulações de primeiro turno. No segundo turno, chega a 76% quando a simulação é contra Fernando Haddad. Marta Suplicy aparece na segunda colocação, com 28% no cenário sem Russomanno. A administração da ex-petista e hoje peemedebista também é lembrada como a melhor por 33% dos eleitores mais pobres.

Haddad tem muita dificuldade de ser aprovado pelas franjas menos abastadas da capital. Apenas 12% que ganham até dois salários mínimos consideram sua gestão boa ou ótima – 49% a classificam como ruim ou péssima. Com a ajuda do marqueteiro João Santana em 2012, sua campanha eleitoral foi eficaz: saiu de 3% da intenção de voto e chegou a 29% no primeiro turno. Nas peças, o publicitário usou a situação pela qual o país passava e apresentou Haddad para a população como o “homem novo”, capaz de mudar São Paulo. Contou com a ajuda decisiva da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Lula, ambos com alta popularidade na época, e convenceu a periferia.

Neste ano, um dado da pesquisa Ibope em São Paulo, em junho, revelou o quanto os escândalos de corrupção podem ter influência na disputa eleitoral. Entre todas as classes, a saúde foi o principal problema. Para os mais ricos, a segurança pública ficou na segunda colocação. Entre os mais pobres, a corrupção apareceu na segunda posição. O PT, por ser a representação mais clara de poder para grande parte da população das classes C, D e E, sofre mais com a percepção de corrupção.

A narrativa a ser contada

Campanhas são, em sua essência, grandes estórias que precisam ter uma linha narrativa forte que dê sentido ao candidato apresentado. A opinião é do americano Mark McKinnon, que coordenou centenas de campanhas políticas nos Estados Unidos para democratas e republicanos. No documentário Entreatos, que mostrou os bastidores da campanha de 2002 de Lula, o marqueteiro Duda Mendonça afirma que fazer marketing é “traduzir”. Por isso, neste ano os políticos precisarão “traduzir” a capacidade de atender as demandas sociais dos mais pobres e apontar para um futuro de mudança.

 

A última década marcou uma reviravolta na pirâmide de distribuição de renda do país. A classe C emergiu como o fenômeno da bonança brasileira. O retorno a uma situação pior causa desesperança. Para piorar a situação para os políticos, apenas 5% dos moradores de favela e periferia creditou sua ascensão ao governo, segundo uma pesquisa do Data Popular de 2015. Mais da metade (53%) acreditam que o próprio esforço os levou a uma situação melhor. Por sua vez, o governo é culpado pela regressão na condição de vida. “Não dá para repetir as estratégias da campanha presidencial, quando bastava falar mal do outro para conseguir voto. Vão ter que propor coisas novas para a cidade. Hoje, a discussão é de futuro, não de passado”, diz Renato Meirelles, ex-presidente do Data Popular e fundador do instituto de pesquisa Locomotiva.

 

Desde as manifestações de 2013, o país apontava uma insatisfação geral com os políticos. A população ficou mais consciente e passou a cobrar contrapartidas para os impostos pagos. As preocupações se voltaram para os transportes públicos em grandes metrópoles, sistemas de saúde precários e redes educacionais que não correspondiam às expectativas. Um dos mais recentes sintomas foi a ocupação de escolas por estudantes secundaristas.

Se são as pessoas mais afetadas pelo desemprego e pela alta inflação, os mais pobres também são os mais acostumados a lidar com crises econômicas. “Essa população já sabe e tem mecanismos de lidar com outras crises. Faz parte da rotina. Há mais conscientização política, estão mais críticos na escolha dos candidatos e cobrarão mais. É uma população que não vai deixar mais se levar por promessas vazias”, diz Márcia Cavallari Nunes, presidente do Ibope Inteligência.

Novas eleições

Em 2016, os políticos terão um desafio a mais. A disputa será totalmente nova com o fim do financiamento privado e o encurtamento do tempo de campanha – de 90 para 45 dias. Além disso, acontecem os Jogos Olímpicos e a votação do impeachment de Dilma no Senado, que devem dominar o noticiário até o fim de agosto. Ou seja, os postulantes terão pouco mais de um mês para convencer os eleitores e mostrar seus rostos e propostas.

É justamente em locais mais pobres, onde o poder público é mais frágil, que toda sorte de manipulações eleitorais se forjam. Marcio Carlomagno, cientista político da UFPR, ao analisar dados de 5.533 candidatos a prefeito e 170.648 a vereador em 2.017 municípios de Paraná, Minas Gerais, Rio e São Paulo, viu que um dos maiores gastos em municípios pequenos era com transporte. Seu impacto é real: para cada real por eleitor que um candidato a vereador gasta em gasolina, aumentam suas chances de eleição em 2% para municípios pequenos e pequeno-médios, e em 6% para municípios médios. Não há provas cabais, mas uma das modalidades preferidas para a compra de votos é justamente trocar o voto por gasolina.

A nova formatação eleitoral pretende evitar essas práticas nada republicanas das campanhas nacionais. Em periferias, estratégias como carros de som, panfletos e cavaletes costumam ser eficazes em conjunto com as propagandas eleitorais em televisão. Agora, os programas serão mais curtos e focados nos spots – inserções rápidas de 60 segundos com diversos candidatos ao longo da programação regular.

Os candidatos estão apostando na coligação com muitos partidos para tentar usar vereadores como cabos eleitorais. Lideranças locais costumam ser importantes para atrair eleitores de periferia. Em São Paulo, o PSDB, que lançou o pouco conhecido João Dória, tem coligação com 12 partidos e tem centenas de pré-candidatos a vereador que tentarão capturar os votos. Haddad coligou-se a outras quatro legendas. Mais conhecido do público, Russomanno terá 83 pré-candidatos a vereador para auxiliá-lo na eleição. Marta ainda não oficializou sua pré-candidatura.

Para todos os efeitos, os moradores de periferia são o grande público a ser alcançado. A desconfiança é geral. Quem conseguir emplacar a melhor narrativa para o futuro, leva.

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