Deputado Eduardo Cunha (C) reage após ser eleito presidente da Câmara dos Deputados (Ueslei Marcelino/Reuters)
Marcelo Ribeiro
Publicado em 19 de outubro de 2016 às 20h00.
Última atualização em 30 de dezembro de 2016 às 16h56.
Brasília – Sem dúvidas, 2016 será um ano que o ex-deputado federal Eduardo Cunha (PMDB) vai querer apagar de sua biografia. Após ter se tornado um dos mais articulados parlamentares da história do Brasil, o peemedebista entra na reta final do ano sem cargo e atrás das grades.
Nesta quarta-feira (19), Cunha – que é réu em duas ações penais da Lava Jato – foi preso preventivamente por ordem do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba.
Na decisão sobre a prisão do ex-deputado, o juiz Sergio Moro afirma que a cassação do mandato não foi “suficiente para evitar novas obstruções” às investigações da Operação Lava Jato – sendo, portanto, a detenção necessária para impedir essas tentativas e uma possível fuga do peemedebista.
Nos últimos tempos, em uma série de ocasiões, Cunha fez questão de salientar que levaria outros consigo caso caísse. Agora, o principal temor que ronda Brasília é um eventual acordo de colaboração premiada entre o ex-presidente da Câmara e a Lava Jato.
1º ato: Cunha se aproxima do governo Lula
Economista com experiência no setor público estadual no Rio, o deputado foi vice-líder do PMDB e de blocos do governo até o fim do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante a gestão de Lula, Cunha foi eleito presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em 2008. À frente da principal comissão da Casa, ele barrou projetos que liberavam o aborto, o que representou um claro aceno de alinhamento com a bancada evangélica.
Dois anos depois, no último ano do governo Lula, Cunha chamou a atenção por ter feito oposição à redistribuição dos royalties do petróleo entre os estados.
2º ato: Cunha assume a liderança do PMDB
Durante a corrida presidencial de 2010, Cunha apoiou a eleição da presidente Dilma Rousseff (PT), que tinha como vice-presidente Michel Temer (PMDB), um de seus principais aliados.
Em 2013, Cunha centralizou os holofotes ao ser eleito líder do PMDB na Câmara. À época, o partido era o segundo maior da Casa, com 81 deputados, ficando atrás apenas do PT. Mesmo com Temer na vice-presidência, o deputado demonstrava não ter tanta identificação com o comando do Planalto.
3º ato: Cunha protagoniza primeiros atritos com Dilma
A votação de uma medida provisória com novas regras para exploração dos portos marcou a primeira oposição contundente de Cunha em relação ao Planalto. O governo Dilma não gostou das mudanças do texto propostas por ele.
Diante da rejeição às suas propostas, Cunha se juntou aos opositores da petista para obstruir a votação.
4º ato: Cunha se opõe à aliança do PMDB com Dilma
Em 2014, quando Dilma e Temer concorreram à reeleição, Cunha demonstrou descontentamento com a decisão do partido de manter a aliança. A insatisfação era tanta que o peemedebista não escondia de ninguém que nada tinha contra uma eventual vitória do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
No mesmo ano, se apresentou como candidato à presidência da Câmara e garantiu que teria postura independente em relação ao governo. Concorreu com Arlindo Chinaglia (PT-SP), Júlio Delgado (PSB-MG) e Chico Alencar (PSOL-RJ).
Mesmo com a sinalização de Cunha de que trabalharia em conjunto com Dilma para recuperar a economia do país, a petista manteve o apoio à candidatura de Chinaglia. Isso foi suficiente para aumentar a antipatia do peemedebista com a presidente.
5º ato: Cunha vira presidente da Câmara e derrota Dilma
Após vencer com margem, Cunha provocou o governo e agradeceu deputados que reagiram à tentativa de Dilma de impedir sua vitória
A disputa pelo comando da Câmara não foi nem um pouco acirrada. Ele ganhou em primeiro turno, com 267 votos, bem mais do que os 136 votos de Chinaglia. Júlio Delgado somou 100 votos, enquanto Chico Alencar teve 8 votos.
Depois de vencer com margem, Cunha fez uma provocação ao governo ao dizer que deputados souberam reagir à tentativa de Dilma de impedir sua consagração.
6º ato: Cunha entra na mira da Lava Jato
Em março de 2015, Cunha apareceu entre os primeiros políticos investigados pela Operação Lava Jato, diante de suspeitas de ter cobrado propina em contrato de aluguel de um navio para a Petrobras.
Um dos funcionários do doleiro Alberto Youssef, operador de propinas, disse ter levado dinheiro a uma casa que pertenceria ao ex-presidente da Câmara.
Cunha foi um dos primeiros parlamentares que se tornou alvo de investigações da Lava Jato, sob acusação formal junto ao STF por suposta prática de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
7º ato: Cunha rompe com o governo Dilma
Poucos meses depois, em julho de 2015, Cunha passou a dar sinais de que dificultaria a segunda gestão de Dilma. Ele passou a não facilitar a aprovação de projetos de interesse do governo dando amplo espaço à oposição em votações no plenário.
Em todas as ocasiões, relembrava as tentativas do Planalto de derrotá-lo na disputa pelo comando da Câmara.
Ao anunciar o rompimento político com Dilma, Cunha acusou o Palácio do Planalto de ter se articulado com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, para incriminá-lo na Lava Jato.
Na época, Júlio Camargo, ex-consultor da Toyo Setal, relatou à Justiça Federal do Paraná que o peemedebista lhe pediu propina de US$ 5 milhões no contrato de navio para a Petrobras.
8º ato: A revelação das contas no exterior
Em setembro do ano passado, o Ministério Público da Suíça enviou ao Brasil dados sobre uma conta bancária mantida secretamente por Cunha. Em outubro, foram reveladas cópias do passaporte, a assinatura e dados pessoais que comprovam a ligação do deputado com essa e outras contas em nome de sua mulher e filha.
No mês seguinte, Janot pede a Suprema Corte a abertura de novo inquérito contra Cunha. A solicitação foi acatada pelo ministro do STF Teori Zavascki. Numa das contas, foram depositados 1,3 milhão de francos suíços, supostamente oriundos de propina na compra, pela Petrobras, de um campo de petróleo em Benin, na África.
9º ato: PSOL e Rede pedem cassação
Diante de tantas suspeitas, Cunha viu PSOL e Rede pedirem a cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro. Os partidos alegam que Cunha teria mentido na CPI da Petrobras ao afirmar que não tinha contas no exterior.
Instaurado em novembro, o processo só passou a tramitar no início de 2016. A demora aconteceu por causa de uma série de manobras de Cunha e de seus aliados.
10º ato: Cunha aceita pedido de impeachment de Dilma
Em dezembro do ano passado, Cunha aceitou o pedido de impeachment contra Dilma assinado pela advogada Janaína Paschoal e pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior.
Aliados da ex-presidente afirmaram que ele aceitou o pedido após o PT sinalizar que não votaria para que ele conseguisse evitar a continuidade do processo de cassação.
Na época, a PGR pediu o afastamento de Cunha do comando da Câmara, sob acusação de tentar atrapalhar as investigações da Lava Jato.
11º ato: Cunha vira réu na Lava Jato pela 1ª vez
Em fevereiro de 2016, a PGR pediu ao STF a autorização para um terceiro inquérito sobre Cunha na Lava Jato, a partir da suspeita de que teria levado propina de R$ 52 milhões por obras no Porto Maravilha, no Rio.
No mês seguinte, Cunha se tornou o primeiro parlamentar réu na Lava Jato, quando a Corte aceitou com unanimidade a denúncia relativa à propina de US$ 5 milhões do estaleiro Samsung Heavy Industries.
Em abril, a aprovação do impeachment na Câmara foi uma das últimas vitórias de Cunha à frente da Casa.
Poucos dias depois, porém, a maré de notícias ruins voltou. Teori Zavascki autorizou a abertura de mais dois inquéritos sobre Cunha: um deles relacionado à suposta pressão sobre empresários do Grupo Schahin para pagamento de propina; outro, sobre cobrança de propina em troca de alterações em propostas legislativas em favor do banco BTG.
12º ato: Cunha é afastado do cargo
A suspensão do mandato e o afastamento da presidência da Casa vieram em maio, com decisão do STF por unanimidade. Para os ministros da Corte, Cunha usou o cargo para prejudicar a Lava Jato e o andamento do processo de cassação no Conselho de Ética.
Ainda em maio, o STF abriu o sexto inquérito contra o peemedebista por supostamente ser um dos líderes de esquema de corrupção em Furnas, subsidiária da Eletrobras.
No mês seguinte, Janot pediu a prisão de Cunha, alegando que nem mesmo afastado o peemedebista parou de atuar para tentar atrapalhar as investigações contra ele.
No final de junho, o Conselho de Ética aprovou parecer que recomendava a cassação do mandato de Cunha. Em julho, ele renuncia à presidência da Casa.
13º ato: Cunha é cassado
Faltavam cerca de 10 minutos para o fim do dia 12 de setembro de 2016, 314 dias após a abertura do processo de cassação de Eduardo Cunha (PMDB), quando o painel da Câmara dos Deputados mostrou o resultado da votação: por 450 votos, o ex-presidente da Casa e um dos principais protagonistas da crise política teve seu mandato cassado.
14º ato: Cunha é preso na Lava Jato
Sete dias depois de virar réu pela segunda vez na Lava Jato, Cunha foi preso próximo de sua residência em Brasília (DF) nesta quarta-feira (19). A Justiça determinou também o bloqueio de bens do ex-presidente da Câmara no montante de R$ 220 milhões.
15º ato: Vai ter delação?
Nos bastidores, o peemedebista já demonstrou interesse em negociar uma possível delação premiada – possibilidade que tem preocupado um contingente considerável de políticos em Brasília (DF).
No entanto, é fato que uma eventual colaboração entre Eduardo Cunha e Lava Jato não sairá tão fácil, visto que a resistência do Ministério Público Federal diante dessa ideia é grande. A acompanhar.