Abusos: pesquisa mostrou que situações de violência sexual foram sofridas por 28% das entrevistadas (thinkstock)
Da Redação
Publicado em 3 de dezembro de 2015 às 20h04.
São Paulo - Quando os estupros na USP, os rankings sexuais, a violência nos trotes e o chamado revenge porn entre universitários foram denunciados no ano passado, não só um ciclo de silêncio foi quebrado, mas a cultura do estupro e a violência contra a mulher, práticas enraizadas na sociedade brasileira, foram expostas também no âmbito acadêmico.
Cerca de 67% das universitárias de todo o brasil afirmaram já ter sofrido algum tipo de violência de gênero no ambiente da universidade.
Este, e outros dados que revelam uma situação alarmante, foram apresentados pela pesquisa inédita “Violência contra a mulher no ambiente universitário”, do Instituto Avon em parceria com o Data Popular, divulgada no Fórum Fale Sem Medo nesta quinta-feira (3).
O levantamento ouviu 1.823 universitários das cinco regiões do País. Das entrevistadas, 67% já sofreram algum tipo de violência (sexual, psicológica, moral ou física) no ambiente universitário.
Entre os homens, 38% dos estudantes admitiram já ter praticado pessoalmente de algum tipo de violência contra mulheres em espaços acadêmicos.
"Existe um tabu muito grande e uma falta de consciência sobre o que é violência. A Lei Maria da Penha veio para classificar o que é violência contra a mulher, mas existem práticas que são extremamente violentas e não são categorizadas. Por isso, não são consideradas violência. A pesquisa vem para desmistificar e expor uma situação alarmante", afirma Alessandra Ginante, presidente do Conselho do Instituto Avon.
Para Renato Meirelles, presidente do Data Popular, que realizou a pesquisa a pedido do Instituto, os dados não só categorizam e expõe atitudes machistas e opressoras dentro das universidades, mas "quebram estigmas".
“A violência contra a mulher não existe só nas periferias, entre as pessoas de baixa renda, como grande parte das pessoas ainda imagina. A pesquisa veio para quebrar este estigma. Quando você pesquisa a universidade, que é o centro da formação da sociedade brasileira, e a gente vê que atitudes extremamente machistas estão muito presentes nesses ambientes, você precisa ir mais fundo e entender que a raiz do problema é muito mais complicada do que imaginamos”, disse Meirelles.
A pesquisa mostra que o medo é direcionador de muitas das atitudes no ambiente universitário - já que, traz a percepção de que não só colegas estão entre os agressores, mas também professores podem ser protagonistas de violências que vão desde a desqualificação intelectual ao assédio moral e sexual, chegando até ao estupro.
"Não são só os alunos. Um professor me trazia presentinhos toda aula e começou a mandar mensagem pelo celular. No dia da prova, ele sentou do meu lado e meu deu a prova mais fácil, fez de tudo pra eu entender que aquilo era um favor. Tipo... Que ele ia cobrar"
(Depoimento de uma das entrevistadas na pesquisa).
"Esse é um tipo de violência muito 'invisibilizada'. E as pessoas tendem a acreditar que ela é uma lenda urbana, ou como dizem, “mimimi” de universitária. Os índices vêm para identificar que não é assim, que essa violência está aí, que ela é real; que ela é física, sexual, mas ela é também psicológica e limita o potencial dessas meninas", afirma Silvia Chakian, promotora de Justiça e Coordenadora do Grupo Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (GEVID).
Segundo Chakian, a pesquisa, além de dar nomes às violências cometidas e trazer dados impressionantes, é importante porque norteia ações do Ministério Público.
"A gente espera a pesquisa do Instituto todo ano por que ela norteia as nossas ações estratégicas ao longo do próximo ano. E isso é muito significativo", disse.
A pesquisa também mostrou que situações de violência sexual como ter o corpo tocado sem consentimento, sofrer tentativa de abuso por estar sob efeito de álcool ou droga, ser forçada a beijar outro aluno ou ser coagida a ter relação sexual sem consentimento foram sofridas por 28% das entrevistadas.
Em festas acadêmicas, por exemplo, 11% delas afirmaram que já sofreram tentativa de abuso por estarem sob efeito de álcool.
Entre os alunos, 27% disseram não considerar violência contra a mulher tentar abusar dela se estiver alcoolizada.
Já os casos de assédio sexual como cantadas ofensivas e comentários de natureza sexual de alunos ou professores foram relatados por 56% das alunas.
As agressões morais ou psicológicas, exemplificadas com o fato de ser humilhada ou ofendida por professores ou alunos, ter fotos ou vídeos repassados sem autorização ou ser colocada em "rankings" sexuais, foram sofridas por 52% das entrevistadas.
As ofensas foram relatadas por 28% das alunas, figurar em "rankins" por 24% e ter fotos ou vídeos vazados por 14% delas.
"Num trote, veteranos me abordaram, me pediram para beijar um deles. Com a minha negativa, disseram que se eu não beijasse, deveria tirar meu sutiã e dar a eles. Neguei também, e começaram a me bater. Bater mesmo, com socos, e jogaram tinta no meu corpo inteiro, rasgaram meus cadernos e saíram. Ao mesmo tempo, outros veteranos abordaram uma colega, e queriam obrigá-la a tomar um copo de pinga. Como ela se negou, jogaram a bebida nos olhos dela. Isso tudo em frente à faculdade" (Relato de uma das personagens entrevistadas para a pesquisa).
Ser coagida a tomar bebida alcoólica, ser drogada sem consentimento ou participar de atividades degradantes, como "desfiles" ou "leilões de mulheres" foram vividos por 18% das alunas.
Entre as entrevistadas, 12% foram forçadas a ingerir álcool e 11% obrigadas a participar de ações degradantes, situações frequentes em trotes. Dos homens, 35% não consideraram a coerção uma forma de violência.
Os casos frequentes fizeram com que 42% das alunas sentissem medo da violência nos ambientes universitários e 36% delas já deixaram de fazer alguma atividade acadêmica por isso.
49% das alunas já foram desqualificadas intelectualmente no ambiente universitário por serem mulheres, com piadas ou sátiras de gênero.
E, embora dois terços das alunas sofreram violência, 63% não reagiram. A maioria delas, por medo de ser exposta (cerca de 61%).
Das que denunciaram, um terço sofreu represálias, como ser hostilizada, ficar isolada ou ser exposta na universidade
A pesquisa também mostra que a percepção do que é violência contra a mulher é de fato muito restrito entre os universitários.
Espontaneamente, apenas 10% das alunas admitem ter sofrido violência. Mas quando apresentadas aos comportamentos listados por especialistas como violência contra a mulher, esse número sobe expressivamente para 67%. Entre os rapazes, vai de 2% para 38%.
Porém, entre os entrevistados, 64% dos homens e 78% das mulheres concordam que o tema violência contra a mulher deveria ser incluído nas aulas.
Eles acreditam também que a faculdade deveria criar meios de punir os responsáveis por cometer violência contra mulheres na instituição: 88% dos alunos e 95% das alunas compartilham desta opinião.