Policial se posiciona em prédio em frente a favela durante a inauguração da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na Rocinha (Tânia Rêgo/ABr/Agência Brasil)
Talita Abrantes
Publicado em 22 de agosto de 2017 às 11h26.
São Paulo – Quase 10 anos depois da instalação da primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro, o projeto, que prometia dar um basta na violência das comunidades fluminenses, vive claros sinais de esgotamento.
Uma estudo divulgado nesta terça-feira (22) por pesquisadores da Universidade Cândido Mendes prova essa tendência: para 50% dos moradores de comunidades atendidas pelo projeto, a presença das unidades não fez nenhuma diferença na vida da comunidade. Para outros 35%, a rotina, na verdade, piorou.
Os dados foram coletados em 37 áreas controladas por UPPs entre agosto e outubro de 2016 – durante e após as Olimpíadas. A sondagem coincide com a demissão do então secretário de segurança pública do RJ José Maria Beltrame, o principal idealizador do projeto. (Entenda: O que deu errado no plano para pacificar o Rio?)
Inspirado no conceito de polícia de proximidade, em que agentes e população atuam juntos no processo de paz, o foco das UPPs era formar uma geração de agentes capaz de reverter o distanciamento entre polícia e moradores — item essencial para a retomada do Estado em áreas dominadas pelo tráfico.
Mas os dados apresentados hoje mostram que o Estado falhou em seu principal objetivo.
Segundo o estudo, 78% dos moradores concordaram com a seguinte frase “hoje a gente vive inseguro porque nunca sabe quando vai ter tiroteio na comunidade”. No total, 39% deles afirmaram que já presenciaram (ou alguém da família presenciou) um policial disparando uma arma de fogo.
Os próprios pesquisadores passaram por situações de tensão enquanto coletavam os dados. De acordo com o relatório, em alguns momentos, eles tiveram que se abrigar de tiroteios e “incursões violentas da polícia”, chegaram a “ter um fuzil de policial ou de bandido apontado para o rosto” e, no mais grave dos casos, precisaram sair da comunidade após ameaças de adolescentes armados. (Leia: A escalada da violência no Rio de Janeiro em 4 gráficos)
Apenas 2% dos moradores participam de projetos tocados por policiais – o que explica, segundo o estudo, o predomínio da sensação entre os locais de que a presença das UPPs não faz nenhuma diferença para a rotina das comunidades.
Por outro lado, 21% dos entrevistados relataram já ter passado pela experiência de sofrer abordagem e revista corporal. Desses, a proporção de negros e pardos que foram revistados é quase duas vezes maior do que a de brancos. E, entre os mais jovens, a sensação é de que os policiais não agiram com respeito ou legalidade durante a abordagem.
O clima de hostilidade parece recíproco. Em uma pesquisa do mesmo grupo realizada em 2014, seis de cada 10 policiais que trabalham nas unidades afirmam que percebem que os moradores nutrem sentimentos negativos com relação a eles.
No geral, os moradores das favelas fluminenses não veem diferença entre os policiais das UPPs e os da Polícia Militar. Ambas instituições receberam nota 4,7 e 4,8, respectivamente, em uma escala de 0 a 10.
Por outro lado, mostra a pesquisa, as avaliações positivas foram preponderantes nas comunidades da zona centro/sul da cidade (onde se concentram os bairros mais nobres do Rio).
Nesses locais, 36% dos moradores afirmam que a vida melhorou após as UPPs – uma proporção nove vezes maior do que o registrado na zona oeste.
O relato de uma moradora da zona sul, durante um grupo focal, dá uma pista de uma provável explicação para isso, segundo o estudo:
“A minha favela é tranquila. Você não vê mais bandido armado na rua. As comunidades da zona sul são diferentes das outras comunidades. Eu não sei se é porque os olhos ficam ‘tudo’ aqui, então eles não podem, desculpa, soltar uns gases que vai estar todo mundo em cima deles, entendeu?”.
Apesar das ressalvas, 60% dos moradores entrevistados são favoráveis à permanência das UPPs nas comunidades. Mas 43,7% defendem a continuidade do projeto desde que sejam feitas mudanças. Desse grupo, 82,1% defende que os policiais tenham um treinamento melhor.
O que mostra que moradores e agentes concordam em pelo menos um ponto. Na pesquisa de 2014, metade dos policiais entrevistados admitiu que a formação a que se submeteram não os preparou para a realidade das comunidades.