Brasil

44% dos negros vivem em municípios sem salas de cinema, diz IBGE

Segundo o levantamento, a população preta e parda tem menos acesso potencial a equipamentos culturais e meios de comunicação

 (Klaus Vedfelt/Getty Images)

(Klaus Vedfelt/Getty Images)

AB

Agência Brasil

Publicado em 5 de dezembro de 2019 às 15h25.

Última atualização em 5 de dezembro de 2019 às 16h02.

A diferença de acesso da população preta e parda a equipamentos culturais está diretamente relacionada com o retrato das regiões do país. No Sul e Sudeste, onde a maioria da população é branca, há maior concentração de bens culturais. No Norte e Nordeste do país, onde a maioria da população é preta e parda, o número de equipamentos culturais é reduzido, segundo dados da quarta edição do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC), divulgado hoje (5) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE).

Exemplo dessa desigualdade está no acesso às salas de cinema. De acordo com a pesquisa, a população preta ou parda tem menor acesso potencial a esses equipamentos culturais. Enquanto 44% dos pretos ou pardos moravam em municípios sem cinema, esse número em relação aos brancos era de 34,8%.

Pesquisador do instituto, Leonardo Athias, destacou que a desigualdade regional reflete a desigualdade racial. Segundo ele, o cinema é um dos equipamentos culturais mais concentrados. Apenas 10% dos municípios brasileiros têm salas para exibição de filmes. Para o pesquisador, a concentração das salas em determinados municípios, principalmente capitais, acirra o desequilíbrio no acesso à cultura.

Em 2017/2018, o gasto médio mensal familiar com atividades culturais alcançou R$ 282,86. Esse valor representa 7,5% das despesas totais, ficando abaixo de gastos com habitação (R$ 1.215,00); transporte (R$ 658,23 e assistência à saúde (R$ 302,06).

As famílias com rendimento de até R$ 1.908,00 comprometiam apenas R$ 82,15 de suas despesas com atividades culturais, o que significa 5,9%, abaixo da média nacional de 7,5%. Já as despesas de classes com rendimento acima de R$ 5.724,00 representaram 26,2%.

Os dados fazem parte da quarta edição do Sistema de Informações e Indicadores Culturais (SIIC) 2007/2008, e foram divulgados hoje (5), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Internet

Athias ainda destacou o aumento do acesso à internet e do uso de mensagens instantâneas, enquanto e-mails vem sendo menos utilizados pela população. "Tem o acesso a vídeos, filmes e séries pela internet, o que leva a crer que tem tido aumento da fruição a partir disso", disse.

Para o pesquisador, não há como comparar o gasto com cultura com os gastos essenciais. "No mundo todo tem uma estrutura de gastos que se ocupa mais por alimentação. Entre uma Pesquisa de Orçamento Familiar e outra a gente viu o aumento da importância do transporte. Isso pode estar levando a uma diminuição, a um teto de gastos nas famílias. As tecnologias mudam e os gastos também, mas parece que em um pouco menos de 8% dos gastos familiares [com cultura], próximo aos gastos com saúde que são 8%, me parece relevante para a cultura", completou.

Em relação às ocupações, o SIIC apontou aumento de ocupação informal no setor cultural em relação a outros setores. Em 2014, os empregados com carteira assinada neste segmento representavam 45% dos trabalhadores, enquanto em 2018 esse contingente caiu para 34,6%. A parcela de pessoas que trabalham por conta própria passou de 32,5% para 44%. "Teve uma evolução desvantajosa. Algumas áreas foram mais afetadas. A gente teve diminuição no comércio de equipamentos eletrônicos e de áudio e vídeo. A edição também perdeu trabalhos formais. Ocupações que tiveram nível de formalidade maior tiveram impacto, alguns tipos de artesãos e de marceneiros que perderam o status de formalidade. Bateu no mercado como um todo e bateu na cultura", afirmou.

Salário das mulheres

Em relação ao salário por gênero, o pesquisador destacou que no setor cultural, com concentração de profissionais mais qualificados do que a média do mercado, a diferença de ganhos é maior. De 2014 para 2018, a participação feminina passou de 47,6% para 50,5%, mas o rendimento médio foi de R$ 1.805 contra R$ 2.586, dos homens.

Um trabalhador básico vai ganhar um salário-mínimo, seja homem ou mulher, já nas ocupações com mais qualificações há mais caminhos para ter desigualdades, que são fenômenos de segregação que é ter mulheres em ocupações, que pagam menos que aos homens, além do próprio fenômeno da discriminação, que é pagar menos para profissionais com a mesma qualificação e na mesma ocupação por diferentes razões ou por que é mulher ou porque é preta ou parda", afirmou Athias.

Índice de preços

Esta é a primeira vez que o SIIC divulga o Índice de Preços da Cultura (IPCult). Leonardo Athias lembrou que o IBGE tem tradição de trabalhar índices de serviços específicos. "Os índices de preços mostram tanto a oferta e a demanda no tempo, como nesse recorte de 2012 a 2018, como também no potencial maior ou menor no acesso em função dessa evolução de preços", disse.

A telefonia teve uma queda de preços nos últimos anos, assim como os televisores. "Isso é um bom sinal, porque parece que dá mais acesso. A gente busca, às vezes, os mocinhos e os vilões da inflação inclusive para ter uma ideia de como se pode dar mais acesso. O Índice da Cultura pode ser também um balizador para os agentes econômicos, como se usa o IPCA para os contratos. Até que ponto, este índice não pode ser até mais interessante para diferentes usos que se pode fazer com o índice de preços?", afirmou o pesquisador.

Pessoas ocupadas

Em 2018, havia 5,2 milhões de pessoas ocupadas no setor cultural do Brasil. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continua (PNAD Contínua), considerados na SIIC, representam 5,7% do total de ocupados no país. Em 2017, o setor movimentou R$ 226 milhões.

O resultado indica ainda que mais da metade era de mulheres (50,5%). Pessoas de cor ou raça branca também eram maioria (52,6%), além dos com menos de 40 anos de idade (54,9%).

Acesso

A população preta ou parda, segundo o IBGE, se mostrou mais vulnerável em relação ao acesso potencial a equipamentos culturais e meios de comunicação. Conforme a pesquisa, 44% viviam em municípios sem salas de cinema no ano passado, enquanto os brancos eram 34,8%.

Também quanto ao acesso a museus há desequilíbrio. Os brancos eram 25,4%, mas a população preta e parda, 37,5%. Nos teatros ou salas de espetáculo eram 35,2% pretos ou pardos ante 25,8% para brancos; quanto a ouvintes de rádios AM ou FM local a diferença é de 20,5% para 16,5% e nos provedores de internet 15,3% ante 14,3%.

Pela primeira vez a pesquisa traz o Índice de Preços da Cultura (IPCult), que variou 1,7% de janeiro a dezembro de 2018, ficando abaixo do IPCA [a inflação oficial do país] que subiu 3,8% no mesmo período.

O IPCult é um indicador aproximado para medir o custo de vida relacionado a produtos culturais, baseado em itens coletados no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

Acompanhe tudo sobre:CinemaCulturaIBGENegros

Mais de Brasil

Ações isoladas ganham gravidade em contexto de plano de golpe, afirma professor da USP

Governos preparam contratos de PPPs para enfrentar eventos climáticos extremos

Há espaço na política para uma mulher de voz mansa e que leva as coisas a sério, diz Tabata Amaral

Quais são os impactos políticos e jurídicos que o PL pode sofrer após indiciamento de Valdemar