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Da Redação
Publicado em 8 de maio de 2013 às 17h35.
São Paulo – O Brasil comemorou nos últimos 20 anos uma queda drástica nos índices de trabalho infantil, virando uma espécie de benchmark internacional em como combater a união de duas palavras que não deveriam jamais estar juntas: trabalho e criança. Mas a maneira que o país encontrou para combater essa exploração parece ter chegado a um limite. Desde 2005, os índices de avanço são modestos.
A avaliação é da ONG Repórter Brasil, que lançou hoje o relatório “Brasil livre de trabalho” (confira ao final da matéria, completo) para ajudar o país na tarefa, prometida em acordos internacionais, de erradicar o problema até 2020.
Ainda restam 3,6 milhões de crianças e jovens entre 5 e 17 anos em alguma espécie de trabalho infantil, segundo o IBGE. Isto corresponde a 8,6% do grupo nesta idade. Em 1990, eram 19,6%.
Segundo o relatório, a maior parte da dificuldade está nas chamadas piores formas de trabalho infantil, de difícil erradicação, prevenção e, em muitos casos, de grande aceitação cultural.
1) Trabalho doméstico
Ser um trabalhador doméstico só deveria ser opção para quem já completou 18 anos. Mas 258 mil brasileiros com idades entre 10 e 17 anos trabalham em casas de outras pessoas, segundo o IBGE. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 94% são meninas.
O problema neste caso é que fiscais do Ministério do Trabalho não podem adentrar em residências sem mandado judicial, sob o princípio da inviolabilidade do lar. Das mais de sete mil ações desencadeadas no ano passado, apena nove miraram este tipo de exploração.
A principal razão para essa atividade sobreviver, segundo o relatório, é que se acredita que o trabalho doméstico é uma espécie de caridade e, acima de tudo, importante para a formação de caráter da criança.
“Se trabalho doméstico fosse bom para o desenvolvimento da criança, filho de rico trabalharia”, observou à ONG Repórter Brasil, com inegável argúcia, uma mulher que teve de trabalhar durante a infância.
2) Trabalho infantil nas cidades
Entre a piores formas de trabalho infantil, estão aquelas que hoje se escondem nos grandes centros. Isso vai desde as crianças que carregam frutas em feiras livre, as que ficam em lixões, vendem produtos em semáforos e, ainda, as cooptadas pelo narcotráfico.
“Se anteriormente a pobreza era um dos determinantes do trabalho infantil, hoje essa relação está menos concentrada”, analisou no relatório Renato Mendes, da OIT no Brasil.
Na atual sociedade de consumo, poder comprar objetos de desejo é fator determinante para que essas crianças estejam trabalhando.
O Ministério do Trabalho e Emprego diz que grande parte dessas atividades é difícil de fiscalizar. Crianças em semáforos, por exemplo, não batem ponto sempre no mesmo lugar. E no narcotráfico, qualquer ação demanda interação com forças de segurança.
O juiz do Trabalho Roberto Dantas Oliva ressalta no documento que o trabalho infantil passa despercebido devido à ideia de que é melhor o adolescente trabalhar do que mendigar ou roubar.
3) Trabalho na agricultura familiar
O setor agrícola e extrativista concentram mais da metade dos meninos e meninas de 5 a 13 anos que trabalham no Brasil. São 450 mil menino e meninas, segundo o IBGE. Quase 75% dessas crianças estão na agricultura familiar, ou seja, não recebem pelas atividades.
“Quando olho para minha filha, que hoje tem cinco anos, e imagino que eu comecei a trabalhar na idade dela, eu me apavoro”, afirmou a diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Maria Elenice Anastácio, no relatório.
Segundo especialistas, os avanços trazidos por programas de transferência de renda não foram acompanhadas por melhorias reais na educação na área rual, principalmente de populações ribeirinhas e indígenas, o que ajuda a explicar o atual cenário.
Uma das propostas neste setor seria exigir que empresas que compram de produtores rurais sejam responsáveis por manter uma cadeia produtiva livre de trabalho infantil.
4) O trabalho na exploração sexual
Segundo relatório da Secretaria de Direitos Humanos (SDH), entre 2005 e 2010, o Disque 100 recebeu quase 28 mil denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes, vindas de quase três mil cidades.
Mas a própria secretaria acredita que o número de denúncias representa apenas um quarto da realidade. E especialistas reconhecem que não há uma base confiável de dados relacionados a esta última - e dificílima de combater - forma de trabalho infantil.
Ao contrário das demais maneiras expostas até aqui, a exploração sexual é crime, com pena prevista entre 4 e 10 anos de prisão. Mas diante da morosidade do judiciário, procuradores têm optado por acionar os criminosos do ponto de vista cível - ou seja, atacando no bolso – do que esperar a responsabilização criminal.
A parte cultural também resiste como dificuldade de combater este tipo de atividade.
Por exemplo, segundo o relatório, um caso de exploração desmantelado em Sapé (PB), que envolvia crianças entre 12 e 15 anos, acabou mal também para as jovens envolvidas. Elas foram hostilizadas na cidade por terem difamado – leia-se: apenas colaborado com o Ministério Público – em investigações que terminaram com multa de 500 mil reais emitida a vereadores, secretários e empresários da cidade.