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Varejo agro: O desafio das plataformas de relacionamento

O foco está na agricultura digital; não do ponto de vista do produtor, mas das empresas fornecedoras e parceiras do produtor rural, diz Luís Otávio Fonseca, da Deloitte

Gerente agrícola (Thinkstock/Divulgação)

Gerente agrícola (Thinkstock/Divulgação)

Luis Otávio Fonseca
Luis Otávio Fonseca

Sócio-líder para a Indústria de Consumer e líder para o setor de Agronegócio da Deloitte

Publicado em 31 de março de 2023 às 15h25.

Última atualização em 31 de março de 2023 às 15h40.

Em minha última coluna aqui na EXAME, abri propositalmente diversos assuntos para o leitor. Pretendo nesta e nas próximas colunas avançar nos detalhes de cada tópico. Para hoje, o foco está na agricultura digital; não do ponto de vista do produtor, mas das empresas fornecedoras e parceiras do produtor rural.

O produtor vê os benefícios da agricultura digital, mas as empresas do agro ainda precisam se transformar, sobretudo nos desafios de aproximar o modelo de relacionamento com o produtor rural para algo mais próximo do que temos nas grandes varejistas digitais, como Amazon, Magalu e Mercado Livre.

Empresas de base industrial tornando-se varejistas

É impressionante o trabalho que as empresas fornecedoras de insumos e equipamentos têm feito na democratização e transformação para a agricultura digital junto aos produtores. Soluções digitais hoje fazem parte do catálogo de serviços e compõem nativamente soluções de sementes, defensivos agrícolas e maquinário para o produtor.

Entretanto, ainda é recente o processo de transformação interna dessas empresas que fundamentalmente se desenvolveram em um contexto tipicamente industrial, seja de manufatura de processos para os agroquímicos, seja de manufatura discreta para os fabricantes de equipamentos. Muitas ainda não avançaram em itens fundamentais para capitalizar o investimento feito em agricultura digital junto aos produtores.

Alguns pilares fundamentais na captura de valor destes investimentos, no desenvolvimento de novas frentes de trabalho e diferenciação são:

Gestão de dados

Frequentemente me deparo com a seguinte pergunta: o que fazer com tantos dados?

A integração dos dados corporativos adicionada aos dados das plataformas digitas que atendem ao produtor tem sido grande ponto de discussão. Contudo, a solução do que fazer com tanta informação não está na gestão do dado, mas na existência de um método adequado de melhoria contínua dos processos corporativos que, por sua vez, leva à capacidade de identificar quais dados são necessários para uma determinada função ou decisão.

Um exemplo: há tempos trabalhei com um fabricante de hambúrgueres frescos que tinha toda sua cadeia de processamento e logística rastreada e monitorada. A pergunta desta empresa era: “Como diferenciar um hambúrguer”? Afinal, receitas são facilmente copiadas. A solução estava nos dados da cadeia. A partir desses dados, foram criados serviços de monitoramento de lotes, validades, estoques e transportes que disponibilizados aos clientes – tipicamente redes de restaurantes e franquias – permitia a redução de estoques, diminuição de perdas e otimização da logística de distribuição, entre outras coisas. Um claro diferencial competitivo para uma barreira competitiva de entrada superior.

Omnicanalidade

No desafio de se tornarem também varejistas está o assunto da omnicanalidade.

Ou seja, a conexão dos canais físicos e digitais, em tempo real e diferido a fim de entender o perfil do produtor agrícola em nível individual e atendê-lo de maneira antecipada e proativa.

Este desafio passa por diversas frentes. A primeira é cultural: o agronegócio sempre teve no relacionamento de proximidade e confiança a base para geração de negócios. E aqui é possível antecipar a mudança no papel do distribuidor e representantes de vendas que, através da tecnologia poderão ser muito mais consultivos e assertivos no relacionamento pessoal. Além disso, poderão ser também, uma nova classe de consultores comerciais com foco na gestão da adoção, do tráfego e da conversão de negócios de clientes muito menores, que interagem diretamente com as plataformas digitais das empresas de insumos.

A segunda frente diz respeito à organização: dado o histórico ligado à manufatura e à distribuição por meio de canais indiretos, o agro está apenas começando a desenvolver suas competências na gestão de canais digitais. Perfis como gestores de marketing digital, de tráfego ou mesmo de customer success — aqueles responsáveis por fazer evoluir a experiência do relacionamento do produtor com a empresa — começaram a aparecer nos anúncios do LinkedIn de um ano para cá. Já é possível encontrar profissionais oriundos de bancos e varejistas digitais em empresas tradicionais do agronegócio.

Por fim, nesse quesito resta ainda a frente dos incentivos. Quando se trata de omnicanalidade, é imperativo que todas as frentes da empresa com relacionamento com o cliente estejam incentivadas a capturar mais dados, gerar adoção, tráfego e conversão nas plataformas digitais. Assim, é preciso que as empresas pensem os incentivos de maneira estratégica para que a organização atue nesse sentido. Não é raro encontrar empresas com problemas de adoção em suas plataformas que ainda tiram pedido por e-mail. Estratégico seria incentivar vendedores e clientes a transacionarem exclusivamente na plataforma.

Melhoria contínua e inovação como Opex ao invés de Capex

Evoluir uma plataforma digital requer engajamento contínuo com o usuário.

Uma das maneiras de fazer isso é por meio de atualizações constantes de novas funcionalidades. Neste caso, o modelo tradicional de estabelecer um plano de negócio e executá-lo de maneira sequencial tem se mostrado ineficaz.
Tratar a evolução como Opex, buscando ativar, testar e confirmar funcionalidades de maneira contínua, mas sabendo que muitas destas não terão o sucesso almejado é parte de um modelo operacional de sucesso.

Finalmente, há a questão da uniformidade da tecnologia. O mercado brasileiro e latino-americano tem visto a competição de grandes players pela aquisição de canais de distribuição e consolidação de market share. Como resultado — e agravante — para o exposto acima, há a diversidade de sistemas empresariais que estas organizações têm que conviver e o desafio de unificá-los.

A perspectiva ainda é de bastante movimentação no varejo agro e de muitos investimentos para consolidação de grandes atores do mercado. É evidente que em dez anos teremos alguns poucos grandes operadores a exemplo do que aconteceu com redes de varejo nos segmentos de saúde e vestuário.

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