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Trigo: Clima ruim e preço em baixa transformam promessa de safra recorde em incerteza e prejuízo

Desvalorização internacional e perda nas lavouras por causa do excesso de chuva anulam lucro no campo e devem frear recente ascensão do cultivo no Brasil

Lavoura de trigo irrigado no cerrado em MG (Embrapa/Agência Brasil)

Lavoura de trigo irrigado no cerrado em MG (Embrapa/Agência Brasil)

Leandro Becker
Leandro Becker

Repórter freela de Agro

Publicado em 11 de outubro de 2023 às 16h48.

Apesar do aumento de 12,1% na área plantada e da perspectiva de safra recorde, o trigo brasileiro atravessa a colheita em meio à incerteza e à decepção. Problemas climáticos já reduziram a produtividade em 11,6% – resultado que pode piorar mais diante da previsão de chuva intensa no Sul nas próximas semanas. O revés no campo se soma à redução expressiva no preço, que anula os lucros e, para alguns produtores, vira prejuízo.

A situação contrasta com a significativa ascensão da cultura no país nos últimos cinco anos, quando a área cultivada de trigo cresceu 69,6%, passando de 2,04 milhões de hectares em 2019 para 3,46 milhões em 2023. Já a produção do cereal mais do que dobrou: saltou de 5,16 milhões de toneladas para 10,55 milhões de toneladas no ano passado, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

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A valorização no mercado internacional atraiu os produtores a investir, especialmente no Rio Grande do Sul, onde há maior quantidade de áreas disponíveis durante o inverno, quando o trigo é cultivado. No entanto, o menor desempenho nas lavouras é decorrente, principalmente, da quebra de safra no Sul, que deve colher 530,7 mil toneladas (-5,5%) a menos e ter uma queda de 12,9% na produtividade. A maior perda é no Rio Grande do Sul, que é o líder no cultivo nacional, onde a Conab calcula uma produção 16,9% menor, totalizando 4,76 milhões de toneladas.

Dados divulgados na terça-feira, 10, pela Conab apontam que, com cerca de 40% das lavouras colhidas, a previsão é de uma queda na produtividade de 3.420 kg/ha para 3.023 kg/ha e uma produção total de 10,46 milhões de toneladas – diminuição de 0,9% em relação ao ciclo anterior.

Queda dos preços

Lucílio Alves, pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP), ressalta que as perdas no RS e em Santa Catarina, que podem chegar a 1 milhão de toneladas, devem ser compensadas pela alta de 13,9% na oferta do Paraná e pelo avanço da produção no Sudeste e no Centro-Oeste. Mas ele pontua que, apesar de o volume total do país ser semelhante ao da safra passada, a rentabilidade preocupa.

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“Os preços atuais caíram 40% ao que estavam há um ano, enquanto o custo para produzir incidiu em geral no primeiro trimestre, em outro patamar. Acionar o seguro pode até amenizar a questão do valor investido em custeio, mas as margens de lucro apertadas ou negativas, em muitos casos, tendem a preocupar tanto a comercialização da safra atual quanto a tomada de decisão para a temporada de 2024”, afirma.

Relatório divulgado na semana passada pelo Cepea mostra que a média de preço do trigo em setembro, no Rio Grande do Sul, foi de R$ 1.150,70 pela tonelada, uma diminuição de 10,3% frente a agosto de 2023 e de 34,1% em relação a setembro de 2022.

“Nos últimos dois anos, o trigo deu lucro, e isso chamou atenção dos produtores. Mas o cenário internacional mudou em 2023, e a tendência é de que seja muito difícil cobrir os custos por causa da redução expressiva no preço. Isso traz uma perspectiva de que aqueles produtores que apostaram em um trigo rentável provavelmente recuem no próximo ano”, diz Jonathan Pinheiro, gestor de risco de trigo na Stone X.

Por outro lado, ele vê uma perspectiva de manutenção da área cultivada em regiões que receberam incentivo para plantar e não são tão tradicionais, como Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. “Elas foram incentivadas por indústrias que precisavam importar trigo mais caro para atender a demanda regional e já estão chegando a quase 1 milhão de toneladas produzidas. Talvez isso siga no ano que vem, pois os moinhos poderão conseguir o que precisam a preços mais interessantes no mercado interno”, afirma.

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Mais chuva no radar

Pinheiro, da StoneX, pontua que a safra de trigo vive um momento-chave agora em outubro com o início da colheita no Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, enquanto o Paraná tem cerca de 30% para ser colhido. Ele observa, porém, que a perspectiva de muita chuva nas próximas duas semanas pode provocar quebras significativas.

“As lavouras que faltam ser colhidas no Paraná estão em boas condições, mas, se o alto volume de chuva se confirmar, devemos ter um percentual grande de quebra. No RS, que já foi impactado recentemente por alagamentos, a previsão é de que chuvas volumosas atinjam a metade norte, onde ficam as principais regiões produtoras. Então, o cenário se desenha para uma perda geral significativa”, diz.

Para o gestor de risco de trigo na StoneX, as chuvas que ainda virão em outubro também serão cruciais para definir a qualidade do trigo colhido. Ele observa que os produtores escalonaram o cultivo, ou seja, há plantas em diferentes fases de desenvolvimento nas lavouras, mas isso não é suficiente para evitar os impactos.

“O pior cenário será colher um produto com baixa qualidade, pois aí se soma: a dificuldade de armazenagem, o fato de o trigo ser preterido pelo milho para uso como ração porque o preço do grão está mais barato e, por fim, uma perspectiva de que a indústria nacional terá que importar o cereal a preços maiores do que conseguiria no mercado doméstico”, afirma Pinheiro.

Alves, do Cepea, explica que o produtor sabia dos eventuais riscos de prejuízo por causa das condições climáticas – essa foi, inclusive, a razão que fez muitos terem deixado de investir na cultura no passado, apesar de haver área disponível para plantar.

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“Se na véspera de colher houver chuva muito intensa ou ventos fortes, pode ocorrer queda de qualidade ou até inviabilidade da colheita. E aí o produtor perde todo o investimento. Essas quebras de safra expressivas em um curto período de tempo mostram o risco da cultura e como é difícil manter a área em crescimento ao longo dos anos”, diz.

Gargalo em logística e armazenagem

A necessidade de competir por espaço com soja e milho em armazéns, estradas e portos é outro entrave para o trigo brasileiro, na avaliação de analistas entrevistados pela EXAME Agro. Isso ganha ainda mais peso pelo fato de as exportações do cereal saírem basicamente do porto de Rio Grande, no RS, Estado que tem alto excedente de produção.

“A capacidade portuária é limitada, o que resulta em uma janela de exportação muito apertada. No ano anterior, o prazo foi maior, até maio, devido à quebra de safra de soja no RS. Nesta temporada, porém, com perspectivas de grandes produções de soja e milho, a tendência é de janela só até março. Por isso, projetamos 2 milhões de toneladas de trigo exportadas, mas não se descarta um número menor”, diz Pinheiro, da StoneX.

Outro desafio é a questão da armazenagem. Como a prioridade no Rio Grande do Sul e no Paraná costuma ser para soja e milho, fica mais complicado conseguir espaço para o trigo, o que acaba pressionando as vendas e, consequentemente, dando menos opção para os produtores segurarem o cereal de olho em preços mais atrativos para negociar.

“A deficiência de armazenagem preocupa os moinhos. Tanto que estamos em contato com o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para tentar reverter isso por meio de incentivos. Há um interesse grande de alguns moinhos que estão precisando ampliar a armazenagem. O cálculo é de que a capacidade que a gente precisa construir para atender a demanda seja na casa de 500 mil toneladas”, afirma Rubens Barbosa, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).

Cenário internacional

No mercado global de trigo, analistas consultados pela Exame Agro pontuam que o cenário atual reforça a tendência de que o Brasil siga como um dos maiores importadores do cereal, com um volume correspondente a quase metade do seu consumo. Isso ganha força, também, tendo em vista a estabilização recente nas exportações.

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“A manutenção das importações também é uma estratégia dos moinhos que leva em conta fatores como crédito, qualidade do trigo internacional e relação com os compradores, tendo em vista momentos futuros de possível redução no Brasil. Mas é fato que a atual produção brasileira não é suficiente para atender toda a demanda do país”, diz Alves, do Cepea.

Barbosa, da Abitrigo, diz acreditar que o Brasil seguirá comprando 60% do trigo que consome, sobretudo da Argentina. “No momento, o aumento da produção não é suficiente para evitar a importação”, diz. 

Por outro lado, o executivo da indústria do trigo vê com otimismo a possibilidade de o país ampliar as exportações em função da boa qualidade do trigo nacional e da necessidade de países do norte da África e do Oriente Médio terem de redirecionar as importações devido a fatores externos, como a guerra entre Ucrânia e Rússia.

“Acredito que isso possa fortalecer a relação do Brasil com esses países, principalmente à medida que a nossa produção doméstica cresça. Não seremos um grande exportador no curto e médio prazo, mas há possibilidade de se consolidar como médio exportador com mercados cativos no Exterior”, afirma.

Questionado sobre as perspectivas para 2024, especialmente em relação a uma possível recuperação no preço do trigo, Barbosa pontua que a queda recente teve impacto expressivo, mas o valor ainda é remunerativo na comparação com o que se via, por exemplo, alguns anos atrás. “Por fatores geopolíticos e de clima, principalmente, o preço do trigo no mercado internacional tem oscilado muito e vai seguir oscilando”, diz.

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