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Sem tarifa, etanol dos EUA pode avançar no Nordeste e pressionar preços no Brasil, diz estudo

Presidente dos EUA usa biocombustível como exemplo de disparidade comercial em documento emitido pela Casa Branca

Donald Trump, presidente dos EUA, durante evento na Casa Branca (AFP)

Donald Trump, presidente dos EUA, durante evento na Casa Branca (AFP)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 14 de fevereiro de 2025 às 13h46.

Última atualização em 14 de fevereiro de 2025 às 14h00.

Se o Brasil eliminar as tarifas sobre as importações de etanol dos Estados Unidos, o biocombustível americano pode ganhar espaço no Nordeste, região com déficit de oferta, pressionando os preços internos e impactando o mercado do Centro-Sul, principal polo produtor de etanol do país, aponta um relatório da Datagro Consultoria.

"Caso o Brasil ceda à pressão de Trump, o mercado, sobretudo o nordestino, seria inundado pelo etanol norte-americano, o que pressionaria para baixo os preços do etanol ao produtor em todo o país, uma vez que também afetariam as transferências de etanol da região Centro-Sul para o Norte-Nordeste, cujo volume médio gira em torno de 1 bilhão de litros ao ano", afirma a consultoria.

Na quinta-feira, 14, o presidente dos EUA, Donald Trump, assinou um memorando determinando a criação de tarifas recíprocas a países que aplicam taxas sobre produtos norte-americanos. Um dos principais exemplos citados foi a tarifa de 18% sobre o etanol brasileiro. Embora a medida não tenha efeito imediato, ela abre espaço para negociações e pressiona o Brasil a rever sua política tarifária.

“O Brasil precisa ponderar sobre uma possível redução ou eliminação da tarifa sobre o etanol dos EUA. Com a derrubada dessa taxa, o volume de importação do biocombustível americano pode crescer até 5 vezes”, diz o economista Bruno Wanderley, da Datagro Consultoria.

Segundo a Datagro, desde 2021, as importações brasileiras de etanol dos EUA caíram para 247 milhões de litros ao ano, enquanto as exportações do Brasil para os EUA ficaram em 309 milhões de litros anuais. No Brasil, o etanol de cana responde por 78% da oferta total de etanol no país, enquanto o de milho, por 22%.

No entanto, com a expansão da produção americana e preços mais competitivos, os EUA aumentaram suas exportações globais em 34,8% em 2024, enquanto o Brasil reduziu suas vendas externas em 25%, impactado pelos altos custos do etanol de cana e pelo aumento do mix de açúcar (proporção da cana-de-açúcar destinada à produção de açúcar em relação à de etanol em uma usina).

No ano passado, os embarques do etanol americano cresceram pelo 15º ano consecutivo, atingindo um valor recorde de US$ 7,5 bilhões. Nos EUA, o etanol de milho segue como o principal biocombustível exportado.

Promessa de campanha

Durante a campanha, Trump prometeu à Federação Americana de Escritórios de Agricultura (AFBF, na sigla em inglês) — principal organização que representa agricultores, pecuaristas e comunidades rurais nos EUA — que lutaria contra barreiras comerciais consideradas injustas.

Ao sinalizar um possível aumento das tarifas sobre o etanol brasileiro, Trump reforça sua agenda protecionista, atendendo, principalmente, às demandas de sua base eleitoral do Corn Belt, cinturão agrícola dos EUA.

Nos estados do Meio-Oeste dos EUA, como Iowa — maior produtor de milho norte-americano —, Dakota do Sul e Dakota do Norte, grandes produtores de trigo, e Kansas, que se destaca na produção de trigo e gado, Trump saiu vitorioso nas eleições de 2020. A exceção, entretanto, foi Illinois, segundo maior produtor de milho, onde Kamala Harris venceu.

No setor de etanol, Trump quer não apenas aumentar a produção doméstica, mas também expandir as exportações do biocombustível para o mundo. O presidente prometeu reduzir os preços da energia em níveis recordes, o que pode diminuir os custos de produção no setor agrícola.

A medida faz parte de um movimento mais amplo de Trump, que já adotou ações protecionistas contra o Canadá, o México e a China, além da taxação global sobre o alumínio, explica José Luiz Pimenta Júnior, diretor de Comércio Internacional e Relações Governamentais na BMJ Associados.

Segundo ele, a diferença neste caso é que será realizado um estudo antes da implementação da tarifa, o que dá tempo para que os países afetados avaliem os impactos e negociem possíveis ajustes com os EUA.

“Os países devem se preparar para iniciar negociações com os Estados Unidos e tentar mitigar os efeitos dessas eventuais tarifas”, afirma o executivo.

Nesta sexta-feira, 14, entidades que representam o setor industrial dos EUA, como a Renewable Fuels Association (RFA), a American Iron and Steel Institute (AISI) e a empresa Growth Energy endossaram a iniciativa de Trump, alegando que subsídios e manipulação cambial estrangeira prejudicam a competitividade americana.

Tarifas ainda sem prazo

Na segunda-feira, 10, Trump não assinou uma ordem executiva, que permitiria aplicar as tarifas de forma imediata, mas um memorando presidencial, que orienta os departamentos (equivalente a ministérios) do governo dos EUA a estudarem casos em que a relação comercial esteja desequilibrada e quais formas de aplicar tarifas para balancear a situação na visão dos EUA.

Tampouco foi determinada uma data para que as tarifas possam ser implantadas. Howard Lutnick, secretário de Comércio nomeado por Trump, disse que os estudos devem ser concluídos até 1º de abril. Além disso, um relatório sobre o tema deverá ser entregue em até 180 dias. As novas taxas poderão ser aplicadas antes disso — ou depois, o que torna o cenário ainda mais incerto.

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