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Teresa Márcia Morais, produtora de seringueira no município de Colômbia, na região de Barretos, interior de São Paulo. (Lucas Pardal/Exame)
Repórter de Agro
Publicado em 20 de setembro de 2023 às 06h06.
Última atualização em 20 de setembro de 2023 às 16h31.
Colômbia, SP – Uma floresta densa, verde escura, com os raios do sol vazando entre os galhos. O solo inteiro coberto por folhas secas, que estalam enquanto se caminha naquele silêncio. Quase como um portal formado pelos troncos curvos, a floresta sangra branco e escorre o líquido que se transforma em borracha. Esta é a heveicultura, cultivo de seringueiras para extração do látex – nome dado graças à Hevea brasiliensis, árvore genuinamente brasileira, mais especificamente da Amazônia.
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Sangrar é o termo correto para descrever a extração do látex da árvore. Coágulo é o nome da bola formada depois de o látex se acumular e secar – nesse momento, a aparência já é de borracha, mas o cheiro é desagradável. Nesta operação, no coração da floresta, os sangradores são os cirurgiões e a faca é o bisturi, cuja lâmina precisa estar afiada para acertar milimetricamente o corte do tronco.
“É uma mão de obra artesanal. O corte na casca do tronco tem que ser de 1,5 milímetro antes de chegar na madeira. Se for antes, não dá para sangrar. Se o corte for profundo, pode comprometer a produtividade e longevidade, e com isso a árvore não consegue mais produzir”, explica Teresa Márcia Morais, produtora no município de Colômbia, na região de Barretos, interior de São Paulo.
Ela se divide entre a gestão de 140 hectares nas fazendas Rio Velho e Santo Antônio, e o consultório de odontologia. Dentista de formação, Teresa Márcia equilibra as duas profissões e ainda tem um papel ativo nas entidades setoriais da borracha. Afinal, por trás do trabalho na floresta, existe uma luta da cadeia produtiva.
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Embora seja o berço da seringueira, o Brasil passa há anos por uma competição com a borracha importada do sudeste asiático. De acordo com a empresária rural, na última década, a atividade está ficando inviável, pois o país produz apenas 40% da necessidade nacional e o restante vem de fora a um preço desleal.
“Nesses 10 anos, o que tem nos prejudicado é o preço da borracha. O preço pago no coágulo era mais alto há 10 anos do que hoje, e os custos eram muito inferiores. Estamos num momento peculiar, à beira de um colapso”, afirma.
A demanda global por borracha natural é superior a 14 milhões de toneladas por ano, segundo a Associação Nacional dos Países Produtores de Borracha. Diante da expectativa de aumentar a produção para atender a essa demanda, representantes de produtores e da indústria da borracha têm se organizado para solicitar estímulo do poder público.
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Em maio, diversas lideranças do setor se reuniram com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro. Em agosto, o Comitê-Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior (Camex) confirmou o aumento da tarifa de importação imposta ao comércio de borracha natural no país. O imposto aplicado subiu de 3,2% para 10,8%, em vigor por um período de 24 meses.
De acordo com o Instituto de Economia Agrícola, vinculado à Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, no mês de agosto de 2023, o preço referência de importação da borracha natural fechou em 8,97 reais o quilo, apontando aumento de 5,78% em relação ao mês anterior. No entanto, as cotações dos contratos da matéria-prima comprada no mercado asiático, cuja referência é a bolsa de Cingapura, fecharam em agosto para execução em setembro de 2023 no valor equivalente a R$ 4,90/kg.
Na conta da competitividade, que ainda pesa para o Brasil, o frete marítimo internacional obteve queda de 15,25% e favoreceu ainda mais a importação. Mesmo com a elevação da Tarifa Externa Comum (TEC) para 10,8% pelo governo federal, a empresária Teresa Márcia pede por mecanismos para proteção do produtor nacional.
Para produzir 3.369 quilos de coágulo por hectare, média de produtividade de suas áreas, a produtora reforça que uma série de exigências de sustentabilidade e transparência precisam ser cumpridos, de acordo com a lei brasileira.
Em conformidade com a legislação, a produtora consegue produzir mais que dobro da média brasileira e até mais que o México, país com maior produtividade, cuja seringueira rende 2.890 kg/ha.
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"Agora, tem o mercado brasileiro inundado de pneu importado vindo dos países do sudeste asiático. Essa borracha que chega do exterior mais barata é produzida em áreas desmatadas, com mão de obra infantil e análoga à escravidão", ela afirma.
O Brasil já chegou a figurar como maior produtor de borracha natural do mundo, mas hoje está em 11ª posição no ranking, contribuindo com 1% do total mundial, de acordo com a Associação de Produtores de Látex do Brasil (Apotex). A região Noroeste de São Paulo é responsável por 70% da produção nacional do produto, mas há cultivos também em outros estados do Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte.
Para que a atividade continue sendo o sustento de extrativistas e trabalhadores em áreas plantadas, a entidade fala em retomar a taxa de importação a 40%, como já foi no passado. A cobrança pela borracha externa impacta diretamente nas famílias que dependem da matéria-prima. Um casal de sangradores relata que costumava faturar, juntos, 18 mil reais no período de alta produtividade das árvores. Hoje, a renda da família é de pouco mais de 5 mil reais.
Sem a retomada da borracha natural na indústria brasileira, o risco é de desistência da atividade e substituição por outros cultivos. É o caso de algumas propriedades na região do município de Colômbia, que já derrubaram florestas de seringueira, levando inclusive ao êxodo rural, segundo Teresa Márcia.
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“Para cada quatro hectares de árvores plantadas, precisamos de um trabalhador. Em relação à pecuária, empregamos 18 vezes mais. Sem a atividade não há renda, além do impacto ambiental dessa derrubada de árvores, com a emissão de carbono”, diz.
O setor pede que o governo federal retome a taxação de 40% à importação, como era no passado – além de reforçar a valorização da produção sustentável, fiel ao DNA brasileiro.