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Setor cafeeiro tem enfrentado dificuldades climáticas que impactam diretamente a produção do grão (Freepik/Freepik)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 29 de janeiro de 2025 às 11h50.
Última atualização em 29 de janeiro de 2025 às 14h36.
Uma combinação de demanda crescente e clima instável pode levar o preço do café a R$ 60 por quilo nos supermercados brasileiros nos próximos meses. A avaliação é de Héberson Vilas Boas Sastre, gerente da mesa de operações e trader da Minasul, cooperativa de café de Varginha (MG).
Segundo Sastre, desde 2021, o setor cafeeiro tem enfrentado dificuldades climáticas que impactam diretamente a produção do grão, resultando na disparada dos preços. "Esse cenário, mais uma vez, reflete o impacto do clima adverso, que tem prejudicado a produção de café, tanto do arábica quanto do conilon, em quase todos os países produtores. Esse é o panorama geral do setor atualmente", afirma.
O preço médio do café tradicional, um dos mais consumidos pelos brasileiros, fechou 2024 em R$ 48,90, registrando um aumento de 39% em relação a 2023, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Atualmente, o valor está na casa de R$ 50 por quilo — e a tendência é de novos reajustes, uma vez que a demanda segue em alta, enquanto a oferta deve recuar nos dois principais produtores mundiais: Brasil e Vietnã.
No lado da demanda, o aumento no consumo de café tem sido impulsionado, principalmente, pelos mais jovens, que passaram a enxergar a bebida além do hábito herdado dos avós ou pais, afirma Celírio Inácio da Silva, diretor-executivo da Abic.
"Esse consumidor tem percebido que o café também é um produto com atributos para saúde, bem-estar e desempenho físico. Com isso, cresce a curiosidade sobre a bebida, impulsionada por comunidades especializadas, que discutem suas características. O café tornou-se um símbolo de conhecimento, e as pessoas querem aprender mais sobre sua origem, variedades e formas de consumo", afirma Silva.
Nas interações sociais — seja pessoalmente, seja por meio das redes sociais — os consumidores compartilham suas experiências sensoriais com diferentes tipos de café e passam a compreender melhor seus efeitos, avalia o executivo da Abic.
"Muitos já utilizam a bebida como pré-treino, e a indústria, atenta a essa demanda, tem investido em inovações, oferecendo novas embalagens e produtos versáteis", diz Silva.
Além disso, há um crescente interesse por temas como rastreabilidade e sustentabilidade, com consumidores buscando informações sobre a origem do café e suas características sensoriais. O movimento, diz Silva, reflete uma conscientização maior sobre todo o processo produtivo, agregando valor à experiência de consumo.
O consumo de café no Brasil atingiu 21,7 milhões de sacas em 2023, o equivalente a 39,4% da safra nacional, que foi de 55,07 milhões de sacas, segundo a Abic. Com esse volume, o país é o segundo no ranking global, atrás dos Estados Unidos.
A diferença entre os dois países é de 5,2 milhões de sacas. No entanto, quando analisado o consumo per capita, o Brasil supera os EUA, com um índice superior a 4,9 kg por habitante ao ano.
Quando o assunto é oferta de café, as projeções não são otimistas. O Brasil, maior produtor global, responsável por 40% da produção, e o Vietnã, segundo maior fornecedor, vêm registrando safras menores em razão do clima instável. Seja por excesso de chuvas, seja por seca extrema, as condições climáticas têm impactado a florada do café, um momento crucial para a produtividade.
O resultado é que a produção brasileira deve registrar queda de 4,4% em 2025, totalizando 51,8 milhões de sacas de 60 quilos, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). No Vietnã, a produção deve atingir 29 milhões de sacas, reforçando o cenário de oferta reduzida no mercado global.
Além do impacto climático, questões geopolíticas também influenciam o mercado de café. No domingo 26, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a intenção de elevar as tarifas sobre produtos importados da Colômbia, o terceiro maior produtor global de café.
A medida fez com que as cotações da commodity disparassem tanto na bolsa de Nova York quanto na de Londres nos últimos dias. Em Nova York, o arábica encerrou a terça-feira, 29, cotado a US$ 472 por saca (R$ 2,5 mil) — em janeiro de 2024, esse valor era de R$ 1 mil. No entanto, os EUA recuaram da decisão sobre as tarifas.
"Questões geopolíticas passaram a ter importância na formação dos preços do café, como os conflitos no Mar Vermelho, as novas regulamentações da União Europeia e as incertezas sobre tarifas americanas para importação da commodity", afirma Guilherme Morya, analista do departamento de Pesquisa e Análise Setorial do Rabobank Brasil.
O café, ao lado da carne bovina, foi um dos principais responsáveis pelo aumento de 6,02% nos preços dos supermercados em São Paulo em 2024, segundo o Índice de Preços dos Supermercados (IPS), calculado pela Associação Paulista de Supermercados (APAS) em parceria com a Fipe.
O segmento de produtos industrializados encerrou 2024 com inflação acumulada de 5,82%, sendo o café o maior responsável pela alta, com um aumento de 43,31% no ano — o maior índice entre todos os itens calculados pelo IPS. Apenas em dezembro, o café em pó registrou uma alta de 8,74%.
Na visão de Orlando Editore, head de café na Datagro Consultoria, não há expectativa de queda nos preços do café no curto prazo, o que pode frustrar os planos do governo, que busca medidas para reduzir o preço dos alimentos neste ano.
"Estou tentando ser otimista, mas a redução nos preços só poderia ser observada a partir de setembro de 2025, e isso ainda depende de vários fatores", afirma Editore.
Ele ressalta que, além da oferta limitada, o clima segue como fator decisivo. "Se o clima ajudar, os preços podem recuar. Mas há outro ponto a ser considerado: em breve, entraremos no período de inverno no Brasil. Uma geada poderia elevar o preço do café a R$ 100 por quilo", explica.
Atualmente, não há previsão de geadas para este ano, mas o risco sempre existe. "Ninguém pode prever com certeza, ainda é muito cedo para avaliar", diz.
Diferentemente de outros produtos, o café não é um item em que o governo possa interferir diretamente no preço, já que a tendência segue de alta e não há mecanismos eficazes para reduzi-lo.
"Não se trata de importação. Se o Brasil importar café, o produto ficará ainda mais caro. Ou seja, não há saída para conter essa alta", afirma.