EXAME Agro

Plano Safra 25/26: governo erra nos juros e na execução, diz ex-diretor de agro do BB

Segundo José Carlos Vaz, apesar do esforço para priorizar a agricultura familiar, plano de financiamento da safra ainda é insuficiente

PIB do agro: No caso do milho, a segunda safra do cereal, que deve atingir 109,6 milhões de toneladas, teve impacto significativo no resultado do agro no 2º trimestre (Freepik)

PIB do agro: No caso do milho, a segunda safra do cereal, que deve atingir 109,6 milhões de toneladas, teve impacto significativo no resultado do agro no 2º trimestre (Freepik)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 2 de julho de 2025 às 06h05.

O Plano Safra, principal política agrícola do Brasil, embora importante, é mal-executado no país. A avaliação é de José Carlos Vaz, ex-diretor de agro do Banco do Brasil e ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.

Apesar de o Plano Safra 25/26, com um volume de R$ 605 bilhões, ser maior do que o disponibilizado no ano passado, ele ainda é aquém ao necessário para atender às reais demandas do agronegócio, considerando especialmente o contexto de um governo sem maioria no Congresso e com uma situação fiscal delicada.

"A falta de foco no desenvolvimento de vocação territorial enfraquece a proposta, tornando-a apenas um esforço mediano, sem grandes propostas de desenvolvimento agrário", afirma Vaz.

Em entrevista à EXAME, Vaz destaca que, apesar do aumento dos recursos, o aumento das taxas de juros em algumas linhas compromete — ainda mais — a eficácia do plano.

Ele também apontou que o crédito no Brasil é caro, e isso está mais relacionado à economia nacional do que à própria agricultura.

Segundo Vaz, as altas taxas de juros afetam diretamente a competitividade do setor, tornando o acesso ao crédito ainda mais difícil para os produtores, especialmente os de menor porte.

Para o especialista, a política agrícola deveria ser baseada em dados concretos e não em ideologias. O Plano Safra, em sua visão, deveria seguir um modelo plurianual, com mais previsibilidade e menos intervenção, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável do setor agropecuário brasileiro.

Leia e entrevista na íntegra.

O governo lançou o Plano Safra 2025/26 e, mesmo com valor maior, os juros também subiram. Como você avalia?

Esse plano de safra é bom, mas tem um volume aquém do que seria oferecido num governo com maioria no Congresso. Se o país estivesse com a situação fiscal melhor, seria mais significativo. Mas representa um esforço grande do governo porque é o público prioritário, que é o da agricultura familiar.

Mesmo com o aumento de juros em algumas linhas?

Do ponto de vista do crédito, é um plano mediano, sem grandes propostas de desenvolvimento agrário. Isso pode ser explicado pelo momento político atual. Parece que o governo já se prepara para uma possível saída pós-eleições, e foca no público tradicional do partido, tentando preservar com os recursos escassos.

Muito discurso sobre o Norte, Nordeste, mulher e jovem… Isso fica no discurso, porque o que o produtor precisa é garantir rentabilidade. O governo também prometeu garantir mais recursos para o Centro-Oeste, Norte e Nordeste, mas isso não chega ao Sul e Sudeste.

Falta uma visão de política agrícola mais robusta para o médio e grande produtor.

O que seria uma política agrícola mais robusta na sua visão?

O Plano Safra deveria ser focado na vocação territorial, com análise técnica da produção agrícola. A Embrapa já tem vocações identificadas, então é necessário dar apoio ao produtor com assistência técnica, garantia de preços e financiamento diferenciado. Além disso, os produtores precisam de contabilidade e gerenciamento adequados para seguir essas vocações.

A política agrícola não precisa ser intervencionista, mas sim focada em uma gestão mais eficiente. A parte do financiamento de máquinas, anunciado nesta terça-feira, não é uma política agrícola. Na verdade, é uma forma de ativar a indústria nacional, usando o subsídio do crédito rural.

Esse subsídio acaba sendo absorvido pela indústria e não chega ao produtor como deveria. O financiamento de máquinas pode ser uma boa medida, mas como está sendo feita é equivocada.

Do montante anunciado para o setor empresarial, R$ 185 bilhões virão das Cédula de Produto Rural (CPRs)...

Numa situação fiscal e política complicada, o governo reservou recursos para o seu público preferencial, os pequenos produtores e suas cooperativas. Para os grandes produtores e suas cooperativas indicou a "porta" dos recursos de mercado.

Aqui as grandes fontes serão a CPR Física e os recursos com variação cambial (estes "complicados" em um cenário volátil para a geopolítica). Tem gente que acha que produtor de soja tem hedge cambial "natural", onde a dívida varia com o dólar, mas a receita do produtor também sobe com o dólar.

A história do crédito rural não dá fundamento a esse juízo.

Tem uma ala do agro que afirma que o governo não dialoga com o setor. Essa crítica faz sentido?

O presidente Lula e alguns ministros estão abertos ao diálogo, mas há muitas restrições ideológicas dentro do governo, que dificultam o avanço das questões mais complexas.

A agricultura familiar tem mais apoio dentro do governo, mas é preciso superar essa divisão ideológica entre a esquerda e a direita para criar políticas mais eficazes para o agronegócio.

A sociedade brasileira ainda vê a agricultura de forma distorcida, com uma visão idealizada do campo, sem entender que é uma indústria moderna com alta tecnologia.

Presidente Lula e o Ministro Carlos Fávaro durante lançamento do Plano Safra 2025/26 (AFP Photo)

Você acha que essa visão está ligada ao quê?

A visão distorcida vem de um certo idealismo da sociedade urbana, que não enxerga a agricultura como uma indústria com grande capacidade tecnológica e produtiva. Isso é algo que precisa ser discutido de forma mais realista.

O agro tem um papel vital na economia, mas é mal interpretado, e isso alimenta discursos contra o setor. Precisamos profissionalizar a gestão da política agrícola para modernizar a produção e garantir o desenvolvimento sustentável.

O que os governos devem fazer para modernizar o agro brasileiro e garantir sua competitividade?

A chave está na profissionalização do setor, com mais organização empresarial, adoção de tecnologias de gestão e políticas agrícolas de longo prazo. O governo precisa ser menos intervencionista e mais eficiente na implementação de metas e políticas específicas.

O crédito é caro no Brasil, mas isso está mais relacionado à economia do que à agricultura. Precisamos de uma política agrícola mais focada, com mais eficiência na alocação dos recursos.

E o que seria uma política agrícola mais focada?

A política agrícola deve ser baseada em dados e não em ideologias. A governança é fundamental para garantir que as políticas agrícolas sejam eficazes. O plano de safra brasileiro é uma distorção do que deveria ser. É uma política que deveria ser baseado em um modelo plurianual como o dos Estados Unidos.

Precisamos de mais previsibilidade e planos de longo prazo. O Brasil precisa mostrar ao mundo que o agro é parte da solução, não do problema, e o plano de safra precisa refletir isso.

Acompanhe tudo sobre:Plano SafraAgriculturaGoverno LulaLuiz Inácio Lula da SilvaCarlos Fávaro

Mais de EXAME Agro

Agricultores da França pressionam para barrar acordo UE-Mercosul

Lula anuncia crédito de R$ 12 bilhões para produtores endividados por questões climáticas

Pacote de socorro do governo a agricultores endividados será de R$ 12 bilhões, diz senador

União Europeia retomará compra de frango depois de reconhecer Brasil como livre de gripe aviária