O Plano Safra, principal política agrícola do Brasil, embora importante, é mal-executado no país. A avaliação é de José Carlos Vaz, ex-diretor de agro do Banco do Brasil e ex-secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura.
Apesar de o Plano Safra 25/26, com um volume de R$ 605 bilhões, ser maior do que o disponibilizado no ano passado, ele ainda é aquém ao necessário para atender às reais demandas do agronegócio, considerando especialmente o contexto de um governo sem maioria no Congresso e com uma situação fiscal delicada.
"A falta de foco no desenvolvimento de vocação territorial enfraquece a proposta, tornando-a apenas um esforço mediano, sem grandes propostas de desenvolvimento agrário", afirma Vaz.
Em entrevista à EXAME, Vaz destaca que, apesar do aumento dos recursos, o aumento das taxas de juros em algumas linhas compromete — ainda mais — a eficácia do plano.
Ele também apontou que o crédito no Brasil é caro, e isso está mais relacionado à economia nacional do que à própria agricultura.
Segundo Vaz, as altas taxas de juros afetam diretamente a competitividade do setor, tornando o acesso ao crédito ainda mais difícil para os produtores, especialmente os de menor porte.
Para o especialista, a política agrícola deveria ser baseada em dados concretos e não em ideologias. O Plano Safra, em sua visão, deveria seguir um modelo plurianual, com mais previsibilidade e menos intervenção, a fim de garantir o desenvolvimento sustentável do setor agropecuário brasileiro.
Leia e entrevista na íntegra.
O governo lançou o Plano Safra 2025/26 e, mesmo com valor maior, os juros também subiram. Como você avalia?
Esse plano de safra é bom, mas tem um volume aquém do que seria oferecido num governo com maioria no Congresso. Se o país estivesse com a situação fiscal melhor, seria mais significativo. Mas representa um esforço grande do governo porque é o público prioritário, que é o da agricultura familiar.
Mesmo com o aumento de juros em algumas linhas?
Do ponto de vista do crédito, é um plano mediano, sem grandes propostas de desenvolvimento agrário. Isso pode ser explicado pelo momento político atual. Parece que o governo já se prepara para uma possível saída pós-eleições, e foca no público tradicional do partido, tentando preservar com os recursos escassos.
Muito discurso sobre o Norte, Nordeste, mulher e jovem… Isso fica no discurso, porque o que o produtor precisa é garantir rentabilidade. O governo também prometeu garantir mais recursos para o Centro-Oeste, Norte e Nordeste, mas isso não chega ao Sul e Sudeste.
Falta uma visão de política agrícola mais robusta para o médio e grande produtor.
O que seria uma política agrícola mais robusta na sua visão?
O Plano Safra deveria ser focado na vocação territorial, com análise técnica da produção agrícola. A Embrapa já tem vocações identificadas, então é necessário dar apoio ao produtor com assistência técnica, garantia de preços e financiamento diferenciado. Além disso, os produtores precisam de contabilidade e gerenciamento adequados para seguir essas vocações.
A política agrícola não precisa ser intervencionista, mas sim focada em uma gestão mais eficiente. A parte do financiamento de máquinas, anunciado nesta terça-feira, não é uma política agrícola. Na verdade, é uma forma de ativar a indústria nacional, usando o subsídio do crédito rural.
Esse subsídio acaba sendo absorvido pela indústria e não chega ao produtor como deveria. O financiamento de máquinas pode ser uma boa medida, mas como está sendo feita é equivocada.
Do montante anunciado para o setor empresarial, R$ 185 bilhões virão das Cédula de Produto Rural (CPRs)...
Numa situação fiscal e política complicada, o governo reservou recursos para o seu público preferencial, os pequenos produtores e suas cooperativas. Para os grandes produtores e suas cooperativas indicou a "porta" dos recursos de mercado.
Aqui as grandes fontes serão a CPR Física e os recursos com variação cambial (estes "complicados" em um cenário volátil para a geopolítica). Tem gente que acha que produtor de soja tem hedge cambial "natural", onde a dívida varia com o dólar, mas a receita do produtor também sobe com o dólar.
A história do crédito rural não dá fundamento a esse juízo.
Tem uma ala do agro que afirma que o governo não dialoga com o setor. Essa crítica faz sentido?
O presidente Lula e alguns ministros estão abertos ao diálogo, mas há muitas restrições ideológicas dentro do governo, que dificultam o avanço das questões mais complexas.
A agricultura familiar tem mais apoio dentro do governo, mas é preciso superar essa divisão ideológica entre a esquerda e a direita para criar políticas mais eficazes para o agronegócio.
A sociedade brasileira ainda vê a agricultura de forma distorcida, com uma visão idealizada do campo, sem entender que é uma indústria moderna com alta tecnologia.
Presidente Lula e o Ministro Carlos Fávaro durante lançamento do Plano Safra 2025/26 (AFP Photo)
Você acha que essa visão está ligada ao quê?
A visão distorcida vem de um certo idealismo da sociedade urbana, que não enxerga a agricultura como uma indústria com grande capacidade tecnológica e produtiva. Isso é algo que precisa ser discutido de forma mais realista.
O agro tem um papel vital na economia, mas é mal interpretado, e isso alimenta discursos contra o setor. Precisamos profissionalizar a gestão da política agrícola para modernizar a produção e garantir o desenvolvimento sustentável.
O que os governos devem fazer para modernizar o agro brasileiro e garantir sua competitividade?
A chave está na profissionalização do setor, com mais organização empresarial, adoção de tecnologias de gestão e políticas agrícolas de longo prazo. O governo precisa ser menos intervencionista e mais eficiente na implementação de metas e políticas específicas.
O crédito é caro no Brasil, mas isso está mais relacionado à economia do que à agricultura. Precisamos de uma política agrícola mais focada, com mais eficiência na alocação dos recursos.
E o que seria uma política agrícola mais focada?
A política agrícola deve ser baseada em dados e não em ideologias. A governança é fundamental para garantir que as políticas agrícolas sejam eficazes. O plano de safra brasileiro é uma distorção do que deveria ser. É uma política que deveria ser baseado em um modelo plurianual como o dos Estados Unidos.
Precisamos de mais previsibilidade e planos de longo prazo. O Brasil precisa mostrar ao mundo que o agro é parte da solução, não do problema, e o plano de safra precisa refletir isso.