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São Martinho: processamento de 120 mil toneladas de bagaço de cana por dia, cerca de 90 toneladas por caminhão, 24 horas por dia, a cada 1,8 minuto (Germano Lüders/Exame)
Repórter de Agro
Publicado em 4 de maio de 2023 às 15h58.
Última atualização em 4 de maio de 2023 às 21h19.
O avanço tecnológico no campo vem sendo construído partindo do conceito de ecossistema. Ou, simplificando, vale a máxima de que ‘uma andorinha só não faz verão’ quando o assunto é transferência de tecnologia no agronegócio. No cerne das discussões está a ampliação da conectividade no meio rural, cuja curva de ascensão já acontece, ainda que mais lenta do que se o setor espera. Por isso, a parceria entre produtores, operadoras de internet, investidores e indústria tem aquecido a ampliação da cobertura do 4G no campo.
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Enquanto o setor não tem novidades sobre o uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Lei do Fust/nº 9.998), previsto para ser retomado em 2023, a iniciativa privada lidera exemplos de expansão dentro de fazendas e agroindústrias. Com recursos anuais de cerca de R$ 1 bilhão, a finalidade do Fust atualmente é expandir a conectividade em áreas com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com foco nas zonas rurais.
Com a conectividade acontecendo em sua plena capacidade, as empresas rurais podem se tornar geradoras de dados em tempo integral. Por exemplo, mais dispositivos em tratores, talhões, controle de carga e descarga. O "Big Brother" do campo: assistindo as operações, coletando informações e fazendo quem assiste tomar uma decisão sobre a temporada — neste caso, da safra.
É essa a sensação que se tem ao entrar no Centro de Inovação da São Martinho, em Pradópolis (SP). O prédio fica na principal unidade da usina, considerada a maior planta processadora de cana-de-açúcar em operação do mundo, cuja moagem corresponde a 10 milhões de toneladas por safra.
Por dia, no grupo, são processadas 120 mil toneladas de bagaço de cana. Isso significa cerca de 90 toneladas por caminhão, entrando e saindo 24 horas por dia, a cada 108 segundos.
Para toda esta agilidade acontecer, a São Martinho investiu mais de R$ 150 milhões para levar conectividade a 350 mil hectares de canavial, volume que alimenta quatro usinas.
“Essa é a agricultura de precisão, não só o timming, mas o local. Nós temos todas as plantas de cana das quatro unidades do Grupo São Martinho georreferenciadas. Então, se um trator estiver andando fora da linha georreferenciada, a gente vai conseguir medir, porque isso é detrator de produtividade. A máquina onde está o operador gera um alerta na hora para a máquina e para a central”, afirma Agenor Cunha Pavan, vice-presidente e superintendente agroindustrial da companhia.
A implantação da rede 4G nas usinas começou em parceria com empresas como a fabricante de tratores CNH Industrial, a operadora TIM e o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD). Em 2022, foi a vez de iniciar os testes com o 5G com o suporte da Ericsson, Vivo e TIM.
Além disso, uma plataforma de big data com a KPMG e a Microsoft foi pensada exclusivamente para o gerenciamento dos dados de uma operação de cana-de-açúcar.
“Levou três anos e meio, de 2015 a 2018. Começamos o teste em 2019, veio a pandemia e mesmo assim conseguimos fazer o roll-out. Eu vejo aqui uma mudança disruptiva de gestão agrícola e ela está sendo digerida. Temos ferramentas, gente e uma busca de melhoria que, em cinco anos, vamos viver outro mundo”, diz Agenor ao ressaltar a contratação de profissionais especialistas em transformação digital e desenvolvedores de tecnologia.
Tema relevante na mesa de grandes corporações, a internet no campo está em 14,4 milhões de hectares pelo Brasil, segundo levantamento do ConectarAgro. A associação é integrada por AGCO, Climate FieldView, CNH Industrial, Jacto, Nokia, Solinftec, TIM, Trimble, Yara e, recentemente anunciadas durante a Agrishow, a Vivo e a Amazon. O número corresponde a um cálculo sobre a área na qual operam as respectivas empresas.
No país, ao todo, a internet deve cobrir cerca de 20 milhões de hectares, considerando outras operadoras, segundo Gregory Riordan, diretor de tecnologias digitais da CNH Industrial e vice-presidente do ConectarAgro.
“Ainda é pouco em relação aos 85 mil hectares de área produtiva que temos mapeado, mas é um avanço. A presença de duas das maiores operadoras do País no ConectarAgro impulsiona este movimento”, afirma.
Ainda que a internet no campo precise ganhar proporção, este não é o único limitador de eficiência nos processos e na produtividade, de acordo com Pedro Barros, diretor de agronegócios do ItaúBBA.
Ele diz que a quantidade de tecnologia embarcada em máquinas, implementos e dispositivos é superior à capacidade de utilização atualmente. É como ter um smartphone de última geração e só utilizá-lo para fazer chamadas telefônicas.
“Quando a gente vê o setor de grãos, a aplicação de fertilizantes com base em taxa variável não é dominante, mesmo quando há capacidade do equipamento para fazer isso. O processo de decisão está descasado da capacidade da tecnologia e do que os equipamentos fornecem. A conectividade pode auxiliar nisso, mas também é preciso capacitação”, afirma Pedro.
O centro de inovação da São Martinho se torna um hub de difusão da conectividade neste sentido, por mostrar que a eficiência nas operações pode ser muito maior com internet de ponta. Agora, à frente de seu tempo, o grupo também passa a testar os usos do 5G também na unidade de Pradópolis.
A equipe de engenheiros explica que ainda não se sabe ao certo quais são as possibilidades do 5G, até onde a frequência se faz necessária, mas já há testes interessantes. Um deles inclui sensores em capacetes dos funcionários visando a segurança do trabalho. Na prática, o capacete fica conectado à internet e à central, e pode indicar a localização e até os batimentos cardíacos do funcionário.
Luiz Tonisi, presidente da Qualcomm América Latina, empresa parceira da São Martinho, comenta que o uso de inteligência artificial no campo passa por viabilizar o 5G. Se o 4G viabilizou o uso de aplicativos pela população, o 5G dará poder de tráfego, visão computacional e mais uso de IA.
“A quantidade de coisa conectada por quilômetro quadrado... Vão ser milhões de coisas conectadas, com uma latência muito baixa e isso vai possibilitar milhões de casos de uso. Estamos desenvolvendo os casos de uso da IA, como reconhecimento de plantas, doenças, como se fosse o olho humano, e você está processando isso num cérebro que está no back end, simplificando a visão computacional”, afirma Tonisi.
A corrida pela conectividade no campo está apenas no começo.