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Soja em estado de amadurecimento em campo no município de Santa Fé, na Argentina (Juan Mabromata/AFP)
Repórter de Agro
Publicado em 16 de dezembro de 2023 às 06h06.
Nada que envolva câmbio na Argentina é simples. E isso inclui exportar produtos agrícolas. O governo local sofreu nos últimos anos com a falta de dólares para as reservas de seu Banco Central. Em setembro de 2022, veio o primeiro Programa de Incremento Exportador (PIE), que instituiu o chamado "dólar soja" no país. Em linhas gerais, é um tipo de câmbio criado em 2022 para beneficiar exportadores, que rende mais pesos por dólar do que a cotação oficial padrão.
Pouco mais de um ano e cinco versões de PIE depois, foi a vez do governo de Javier Milei trazer o seu toque ao vespeiro. Agora, cada exportador pode liquidar 80% do total a que tem a receber pelo câmbio oficial padrão — atualmente em 800 pesos por dólar — e 20% no dólar CCL, usado em operações financeiras. Com isso, o "dólar soja" ficaria em torno de 860 pesos por dólar.
Antes, a proporção era de 50% para cada tipo de câmbio. No entanto, a taxa já mudou outras vezes: até 17 de novembro era de 70% no câmbio comum e 30% no financeiro. Ao mesmo tempo, como Milei desvalorizou o câmbio padrão, de 400 para 800 pesos na terça, 12, o impacto da medida foi reduzido.
Como se pode notar, a questão é confusa. E a opinião não se restringe a leigos ao assunto. "A realidade é que havia boas expectativas do setor com a mudança de governo, mas até agora está gerando mais confusão do que alegria", diz Paulina Lescano, engenheira agrônoma especialista no mercado de grãos argentino.
A dúvida, de maneira geral, é como o imbróglio monetário argentino pode arriscar a competitividade do setor agrícola do país, que já foi castigado nos últimos anos com quebras de safra por causa de secas.
De acordo com Lescano, as medidas que foram tomadas ainda não geraram mudanças significativas em dólares. Em pesos por tonelada, por sua vez, houve melhora de 13% a 15% em relação à segunda semana de dezembro. Mesmo assim, está distante de ser a melhoria que o agronegócio de lá esperava.
"A forte desvalorização do peso foi boa, porque diminuiu a diferença cambial que era prejudicial à agricultura. Mas também alterou a taxa de câmbio para importações, o que encarece as importações de insumos", ela afirma.
As analistas Natalia Marín e Emilce Terré, da Bolsa de Comércio de Rosário, explicam que “será mais fácil para os exportadores liquidarem 80% das operações resultantes do comércio exterior através de um mercado de câmbio único e livre, e os 20% restantes à vista com liquidação”. No entanto, ainda não está claro ao setor como será o funcionamento do "Dólar Agro" em meio à flutuação cambial.
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Paulina Lescano ainda diz que o governo pretende enviar um projeto de lei que coloca taxas de exportação de 15% sobre todos os produtos, e sobre a soja em 31% para o farelo e 33% para o óleo – são as chamadas retenciones, que desagradam a agricultura. "Isso deve ir ao Congresso para ver se é aprovado, mas não é bom para a agricultura", diz.
“Em outras palavras, os produtores não estão vendendo como se esperava que vendessem, porque estão vendo como todas essas mudanças afetam seus negócios”, afirma a especialista.
Este é o movimento contrário ao que busca Fernando Vilella, responsável pela Agricultura no governo de Javier Milei. O plano da equipe do recém-eleito presidente visa dobrar as exportações do setor em cinco anos, inclusive produtos de valor agregado. Por isso, Vilella tem mostrado empenho para fortalecer a agroindústria – correndo o risco de desapontar quem está no campo.
Segundo ele, os produtores argentinos chegaram a perder até 50% de receita na última safra de grãos, por causa dos impostos sobre exportação. No entanto, a alta na importação dos insumos preocupa em meio a um ambiente de geopolítica instável.
De acordo com a imprensa argentina, Vilella diz que irá retirar as retenciones somente entre médio e longo prazo, mas sem dar um prazo determinado.
Após uma reunião nessa quinta-feira, 14, com membros do Ministério da Economia e a secretaria de Bioeconomia, pasta ocupada por Vilella, a Federação Agrária Argentina soltou uma nota. "Após as dúvidas e incertezas geradas pelos anúncios econômicos, fomos convocados hoje para dialogar", disse Carlos Anchetoni, presidente da entidade. "Explicamos aos funcionários as complicações e os poucos benefícios que traria a reintrodução de retenções de 15% sobre todas as produções exportáveis, o que inclui economias regionais e produções como trigo, carne, leite, milho, girassol e sorgo, entre outras."
Anchetoni pontua que os membros do governo "compreenderam" e ficou acertado analisar com dados concretos cada produção em particular, com base na situação específica de cada uma, para que eles avaliem não aplicar as retenciones nesses casos.
O agro da Argentina já está atento aos movimentos do governo Milei. Afinal, ninguém precisa de mais confusão.