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Gestão mais madura das cooperativas agropecuárias requer novos modelos organizacional e legislativo

OPINIÃO | Entre as grandes cooperativas agropecuárias brasileiras, o debate está em como tornar as gestões mais eficientes

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 30 de março de 2025 às 05h00.

*Por Matheus Kfouri Marino e Adilson Martins

A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu 2025 como o Ano Internacional das Cooperativas. Tempo de valorização dos benefícios desse modelo de negócios e da mobilização por avanços, sempre sob o propósito de prosperidade econômica, justiça social e sustentabilidade.

Entre as grandes cooperativas agropecuárias brasileiras, o debate está em como tornar as gestões mais eficientes, por meio de novos modelos organizacional e legislativo, visando melhor resultado para os cooperados e a sociedade.

Em 2017, o IBGE evidenciou que as cooperativas agrícolas já eram responsáveis por metade do PIB desse setor, que representa cerca de 22% do PIB atual.

Em 2023, o Anuário do Cooperativismo Brasileiro, elaborado pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), ratificou a grandeza: há 1.179 cooperativas do setor no Brasil, com mais de 1 milhão de cooperados e 257 mil empregados. Juntas, elas alcançaram faturamento superior a R$ 423 bilhões no período.

A continuidade do crescimento do cooperativismo agropecuário vai além da quantidade de terra disponível e da vocação do País para o cultivo de alimentos e criação de animais.

Passa, cada vez mais, pela redefinição dos papéis e responsabilidade dos Conselhos de Administração e das Diretorias Executivas, com incremento de profissionalismo e tecnologia em toda a cadeia de negócio para acompanhar a evolução do mercado de commodities.

Nesse sentido, as cooperativas agropecuárias vêm adotando padrões de gestão mais próximos dos estabelecidos nas sociedades anônimas, visando as melhores práticas organizacionais, tendo como referencial o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

A maior clareza na separação das atribuições do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva não estatutária é só o começo de um processo de relevante assessoramento, capaz de entregar mais rapidez e eficiência às operações.

Novos avanços passam essencialmente pela revisão da lei n° 5.764, que tem mais de 50 anos e rege a Política Nacional de Cooperativismo.

Ocorre que as grandes cooperativas agropecuárias já estão batendo na casa dos R$ 30 bilhões de receita líquida no ano e existem novas dinâmicas de mercado. Logo, há necessidade de mudança nos modelos de gestão visando o progresso e a sustentabilidade nos negócios.

Segundo a legislação, as cooperativas devem ser administradas ou geridas por Diretoria Executiva, ou Conselho de Administração, órgãos a serem formados apenas por associados.

Esse regramento desincentiva a separação dos órgãos e propicia que o presidente do Conselho de Administração seja também o presidente da Diretoria Executiva, em uma atuação conjunta como operador e executivo.

Atualmente, nos casos em que o Conselho de Administração prevalece como órgão máximo, sobrepondo-se à Diretoria Executiva, este órgão pode ser formado por membros externos, não eleitos ou estatutários, mas com poderes limitados, respondendo em nome da cooperativa somente por procuração.

A evolução que se discute acerca da legislação está na possibilidade de a liderança das cooperativas ser da Diretoria Executiva eleita ou estatuária, com o Conselho de Administração sendo formado também por conselheiros externos, sem direito a voto e livres da responsabilização jurídica sobre atos/decisões da Diretoria Executiva.

O desenvolvimento de grandes organizações do setor privado, de empresas de capital aberto e até mesmo familiares, de diversos segmentos de negócios, tem se beneficiado da presença de especialistas externos como membros de seus conselhos de administração, enriquecendo as discussões sobre a longevidade do negócio.

As cooperativas também poderiam ir na mesma linha, uma vez que há cada vez menos barreiras entre setores e modelos de negócio quando se trata de aplicar as melhores práticas.

O Conselho de Administração deve seguir colaborando com os objetivos da empresa, atuando junto à elaboração do planejamento estratégico, analisando as informações financeiras e o cumprimento do orçamento, além de exercer papel fundamental na governança corporativa e proteção dos interesses dos cooperados, colaboradores e outros stakeholders, entre outros pontos.

No entanto, cabe à Diretoria, com executivos profissionais, gerir a rotina da Cooperativa, sendo também responsável juridicamente.

Há um grande desafio de isonomia de informações e responsabilidades, uma vez que a legislação atual das cooperativas não dá a este órgão, quando em caráter não estatutário, poderes plenos para a execução das atividades de rotina. Mais uma vez: desvios da operação têm implicações jurídicas ao Conselho.

Este formato de gestão procura corrigir vulnerabilidades, dar dinamismo às ações da Diretoria Executiva, ampliar o campo de visão em movimentos estratégicos mediante caráter mais técnico, diligente e independente, agregando maior pluralidade e experiência em campos essenciais - tais como as áreas de Finanças, Inovação, Transformação Digital, Jurídico, Compliance, Marketing e Comunicação e Pessoas & ESG, por exemplo - para a evolução econômica/financeira sustentável dos negócios.

Em resumo, o que se propõe é a Diretoria Executiva com papel decisório no cumprimento das estratégias estabelecidas. Enquanto o Conselho de Administração fica com a função de aconselhamento e acompanhamento do cumprimento das iniciativas mais relevantes da organização.

A transformação dos padrões de administração e composição organizacional deve ocorrer em meio a processos nos quais a Diretoria Executiva represente a cooperativa em todas as esferas, simultaneamente ao fortalecimento de instrumentos de mitigação de riscos.

Isso exige mudança cultural, valorização das áreas de Compliance e Auditoria, a criação de políticas, processos, sistemas de monitoramento e controles, além da utilização de softwares avançados de planejamento de recursos empresariais para a consolidação de dados, geração de análises e insights propositivos, especialmente os voltados à inovação.

As cooperativas agropecuárias não têm como função o resultado econômico, e sim auxiliar os associados em sua atividade por resultados perenes.

A adequação sugerida da legislação visa impulsionar esse universo ainda mais rumo ao profissionalismo, a começar pela sofisticação das atribuições dos órgãos da mais alta esfera de governança, para que possa fomentar a otimização do desempenho e da proteção de todos os stakeholders frente ao aumento da competitividade, desafios econômicos, sociais e ambientais em todo o mundo.

* Matheus Kfouri Marino é presidente do Conselho de Administração da Coopercitrus e Adilson Martins é sócio líder do setor de Agronegócio da Deloitte e do Centro de Excelência para o Cooperativismo

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