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Compra de soja americana pela China desaba, Brasil ganha espaço — mas efeito é temporário

Analistas ouvidos pela EXAME apontam que é improvável que essa demanda chinesa pela soja do Brasil se mantenha no longo prazo

Dollars banknotes and coins and soy beans, commoditi value concept. (Freepik/Divulgação)

Dollars banknotes and coins and soy beans, commoditi value concept. (Freepik/Divulgação)

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 9 de outubro de 2025 às 06h01.

Última atualização em 9 de outubro de 2025 às 09h47.

As exportações de soja dos Estados Unidos para a China desabaram. Entre janeiro e agosto de 2025, os embarques para o país asiático caíram 78% em relação ao mesmo período de 2024, somando 5,94 milhões de toneladas, mostra levantamento da American Farm Bureau Federation, uma das principais entidades agrícolas dos EUA.

Nesse período, por outro lado, as exportações brasileiras do grão para a China cresceram 12,3%, somando 73 milhões de toneladas — e devem continuar em alta. O Brasil tem capacidade para fornecer soja à China na safra 2025/26, caso o país asiático intensifique ainda mais as compras. No entanto, analistas ouvidos pela EXAME apontam que é improvável que essa demanda chinesa pela soja do Brasil se mantenha no longo prazo.

Segundo a consultoria agrícola Datagro, caso a China feche um acordo comercial com os EUA, no qual os americanos estabeleçam uma cláusula de cota para a compra de soja, isso pode limitar o apetite chinês pelo grão brasileiro. Além disso, o país asiático pode recorrer à Argentina ou utilizar seus estoques chineses elevados de soja.

“Este ano, os lotes brasileiros enviados à China já superam 76% dos nossos embarques. Ou seja, neste ciclo, aproveitamos bem as novas oportunidades chinesas. Além disso, a China comprou muitos lotes da Argentina, especialmente em setembro, durante o período de retenciones zero”, afirma a Datagro.

Visão semelhante é compartilhada por Carlos Cogo, sócio-diretor da Cogo Inteligência em Agronegócio. Segundo ele, se a China reduzir a tarifa sobre a soja dos EUA para zero, a situação para o Brasil pode se tornar mais complexa.

“Hoje, a China aplica uma tarifa de 34% sobre a soja americana e 0% sobre a soja brasileira. Se essa tarifa for eliminada, o mercado poderá se abrir para a soja americana, o que reduziria os prêmios no Brasil, podendo até torná-los negativos no primeiro semestre do próximo ano”, afirma.

Os prêmios na soja representam a diferença de preço entre a soja de um país específico (como o Brasil) e os preços futuros da soja nas bolsas de commodities, como a Bolsa de Chicago (CBOT). Segundo Cogo, ao longo deste ano, com a China deixando de comprar soja dos EUA e aumentando as compras do Brasil, os prêmios para a soja brasileira atingiram níveis extremamente altos, criando um sobrepreço de 15% a 20% em relação ao preço futuro.

De janeiro a setembro deste ano, foram exportadas 93,9 milhões de toneladas de soja, sendo 72,9 milhões destinadas à China. No mesmo período de 2024, os embarques somaram 89,5 milhões de toneladas, com 65,5 milhões indo para o país asiático.

A Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) projeta que o Brasil deve ultrapassar, em outubro, a marca de 102 milhões de toneladas de soja exportadas no acumulado do ano, aproximando-se do recorde de 110 milhões de toneladas projetado para 2025.

Segundo a entidade, o Brasil deve embarcar 7,1 milhões de toneladas de soja em outubro, o que representa um aumento de 60,6% em relação ao mesmo mês de 2024. Esse volume supera levemente o registrado em setembro, de 6,97 milhões de toneladas, indicando que o ritmo de escoamento da safra 2024/25 continuará forte, mesmo com a entressafra da oleaginosa.

A Datagro projeta que a produção brasileira de soja atingirá 182,9 milhões de toneladas, impulsionada pelo aumento da produtividade em todos os estados brasileiros. Na safra 2024/25, o Brasil produziu 171,5 milhões de toneladas, um recorde histórico.

De acordo com a consultoria, “as estimativas apontam para bons rendimentos, apoiados no uso constante de tecnologia e em condições climáticas relativamente estáveis.” Portanto, o Brasil tem tanto a quantidade quanto o potencial para exportar mais soja, beneficiado pelo aumento da área plantada e pelo crescimento da produtividade.

Além disso, espera-se que a área plantada com soja cresça 2% em relação à safra anterior, totalizando 49,1 milhões de hectares, impulsionada pela lucratividade positiva do grão em 2025/26.

Soja americana na China

Os últimos relatórios do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) indicam que a China não adquiriu soja da safra 2025/26 dos EUA. Normalmente, durante o período de entressafra no Brasil, entre agosto e outubro, o país asiático compra soja dos EUA para garantir seus estoques.

Até o momento, os importadores chineses reservaram cerca de 7,4 milhões de toneladas de soja, principalmente da América do Sul, para embarques em outubro, cobrindo 95% da demanda projetada para o mês, além de 1 milhão de toneladas para novembro, o que corresponde a cerca de 15% das importações esperadas.

No mesmo período do ano passado, compradores chineses haviam reservado entre 12 milhões e 13 milhões de toneladas de soja dos EUA para embarques entre setembro e novembro. Normalmente, a China realiza essas compras com antecedência para garantir preços mais competitivos.

"A China tem comprado mais soja de outros países também, como a Argentina, mas é o Brasil que possui maior capacidade de atender à demanda chinesa. A Argentina, embora seja a terceira maior produtora de soja do mundo, consome a maior parte do grão internamente, concentrando suas exportações em farelo e óleo", afirma Ana Luiza Lodi, especialista em Inteligência de Mercado na StoneX.

Historicamente, Brasil e Estados Unidos são os principais fornecedores do grão para a China. Em 2024, o país asiático importou 105 milhões de toneladas de soja. Desse total, 71% vieram do Brasil e 21% dos EUA, respectivamente, mostram dados do TradeMap da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Agro nos EUA

Nos meses de junho, julho e agosto, os EUA praticamente não enviaram soja para a China, e a nação asiática não comprou nenhuma soja da nova safra para o próximo ano comercial, segundo a American Farm Bureau Federation.

Produtores americanos reclamam de perdas bilionárias em razão da interrupção das exportações de soja para a China, consequência da guerra tarifária em curso, liderada por Trump.

"As importações de soja pela China não diminuíram; na verdade, atingiram níveis recordes. Contudo, a maior parte dessa demanda agora está sendo atendida por concorrentes", afirma a entidade.

O recuo nos embarques não se limita à soja, diz a Federação. Até o momento, a China não comprou milho, trigo ou sorgo dos EUA, e as exportações de carne suína e algodão permanecem em níveis reduzidos.

O USDA projeta que as exportações agrícolas dos EUA para a China somarão US$ 17 bilhões em 2025, uma queda de 30% em relação a 2024 e mais de 50% em comparação com 2022. Em 2026, as exportações para a China devem cair para apenas US$ 9 bilhões, o menor nível desde a guerra comercial de 2018.

Desde aquele ano, inclusive, quando o primeiro governo de Donald Trump iniciou a guerra comercial, o país asiático deixou de dar prioridade aos agricultores estadunidenses, mesmo com a demanda interna chinesa em níveis recordes, diz a Federação.

Nesse cenário, fontes ligadas à Casa Branca afirmam que Trump deve anunciar, em breve, um pacote de ajuda aos agricultores locais para compensar as perdas que têm sofrido por causa dos impasses dos EUA com a China.

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