Churrasco: picanha subiu 7,68% neste ano, segundo o IBGE (Freepik/Divulgação)
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 28 de novembro de 2025 às 11h09.
Última atualização em 28 de novembro de 2025 às 11h12.
Os preços da carne bovina devem subir cerca de 10% em 2026, impulsionados pela dinâmica do ciclo pecuário. Segundo analistas ouvidos pela EXAME, o próximo ano será marcado por uma oferta reduzida de bovinos para abate, o que resultará no aumento dos preços da proteína.
Para Francisco Pessoa Faria, pesquisador associado da FGV-IBRE, a inflação na carne bovina deve impactar até mesmo as margens dos produtores rurais.
No mês passado, o preço das carnes subiu 0,21% no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial do país.
No acumulado de 12 meses, a alta foi de 12,24%, impulsionada principalmente pelos aumentos no peito (17,04%) e na capa de filé (16,69%). A picanha, corte tradicionalmente preferido nos churrascos, teve alta de 7,68%.
"Em 2026, o processo de inversão do ciclo pecuário estará consolidado. Em 2024, houve um grande descarte de fêmeas, e esse movimento continua em 2025. Com isso, estimamos que haverá menor disponibilidade de categorias mais jovens para o mercado, o que deve fazer com que seus preços subam", afirma Fernando Iglesias, analista da consultoria Safras & Mercado.
O ciclo funciona assim: quando há excessivo abate, como ocorreu recentemente, a oferta de bezerros diminui. Com menos animais disponíveis para engorda, o preço do bezerro sobe e, em alguns casos, ultrapassa o valor do boi gordo. Isso eleva o chamado "ágio da reposição", que é o valor adicional pago pela arroba de um animal de reposição em comparação ao preço do boi gordo.
Com o aumento do preço dos bezerros, o pecuarista opta por reter as fêmeas no campo, em vez de abatê-las, na expectativa de que os bezerros nascidos no ano seguinte terão um valor elevado. O movimento é uma característica do ciclo pecuário, que busca restabelecer o equilíbrio do mercado.
Em 2026, as primeiras projeções indicam uma queda de 7,5% no número de abates de bovinos no Brasil, totalizando 38 milhões de cabeças, segundo a consultoria agrícola Datagro. Apesar dessa redução, o número ainda será um dos maiores dos últimos cinco anos.
“Como o Brasil vem de quatro a cinco anos consecutivos de abate elevado de fêmeas, a tendência é que, em 2026, haja uma menor oferta de animais para frigoríficos. Com mais fêmeas retidas, o número de abates deve cair”, afirma a Datagro.
Neste ano, o Brasil deve alcançar um recorde no abate de bovinos, com 41 milhões de cabeças. Além disso, as exportações de carne devem atingir 4 milhões de toneladas em equivalente carcaça (TEC) até novembro, o que representa um crescimento de 12% em relação ao ano anterior, segundo a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec).
A entidade também prevê que o Brasil deve bater, em novembro, um novo recorde anual de exportações. Em 2024, os embarques somaram 2,89 milhões de toneladas.
Entre janeiro e outubro de 2025, o país já exportou 2,79 milhões de toneladas, alta de 16,6% na comparação com o mesmo período de 2024. Em valor, as vendas externas acumuladas atingiram US$ 14,31 bilhões, avanço de 36% frente aos dez primeiros meses de 2024.
“Estamos com uma exportação muito aquecida e também o mercado interno é muito aquecido, então isso deixou que o Brasil abatessse perto desses quase 41 milhões de cabeças nesse ano”, diz a Datagro.
Nos Estados Unidos, o cenário para a carne bovina segue na direção oposta ao brasileiro.
A indústria americana enfrenta uma fase de contração do ciclo pecuário, com redução do rebanho e menor disponibilidade de animais nos confinamentos.
O efeito direto tem sido o encarecimento da proteína: a carne moída — principal insumo para hambúrgueres — acumula alta de 14% no ano, segundo o Bureau of Labor Statistics (BLS). Nos EUA, cerca de 80% da carne moída consumida é destinada à produção de hambúrgueres.
Na semana passada, a Tyson Foods anunciou o fechamento da unidade de Lexington, em Nebraska, e a redução das atividades da planta de Amarillo, no Texas, que passará a operar com apenas um turno.
A empresa afirmou que vai ampliar a produção em outras unidades para ajustar volumes e atender à demanda, mas a decisão escancara a escassez de gado para abate no país.
O rebanho bovino americano está no menor nível em 75 anos, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA). A produção deve cair 4% em 2025 e mais 2% em 2026.
Desde 2019, o número de cabeças de gado de corte recuou para 27,9 milhões, queda de 13%, enquanto o inventário total de bovinos está no patamar mais baixo desde 1952. A retração também se intensificou na década: o USDA registrou 92,6 milhões de cabeças em 2021, volume que caiu para 86,6 milhões.
A pressão sobre os preços resulta de uma combinação de fatores. Além da menor oferta de animais, a seca no oeste do país elevou custos com ração e reduziu pastagens, levando muitos pecuaristas a diminuir seus rebanhos ao vender parte do gado. Soma-se a isso a tarifa de 50% imposta por Donald Trump sobre produtos brasileiros, que encareceu as importações e elevou os preços por lá.
Mesmo com sinais recentes de recomposição do rebanho, a recuperação leva um tempo.“Esse é um processo lento, pois leva de dois a três anos para criar um bezerro até o abate”, afirma Fernando Iglesias, analista de pecuária da Safras & Mercado.
Ou seja, a oferta restrita ainda deve persistir por mais tempo, mantendo o mercado americano pressionado.
Outro fator que restringe ainda mais a disponibilidade de animais nos EUA é a suspensão, em maio, das importações de gado mexicano pelos EUA, para evitar a disseminação da doença New World Screwworm (NWS), conhecida como “bicheira do Novo Mundo”.
Trata-se de uma praga altamente devastadora, cujas larvas podem matar o animal e, em casos raros, atingir aves e seres humanos. O gado mexicano era tradicionalmente enviado aos EUA para engorda em confinamentos e posterior abate em frigoríficos americanos — fluxo que agora segue interrompido.
Na tentativa de conter os preços, Trump anunciou na semana passada o fim da sobretaxa sobre a carne brasileira. Além disso, elevou de 80 mil para 200 mil toneladas o volume importado de carne bovina da Argentina, um dos principais concorrentes do Brasil no mercado de proteína.