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Carne bovina brasileira se prepara para chegar ao Japão — e a guerra comercial de Trump pode ajudar

País asiático importa cerca de 60% da carne que consome, o que equivale a aproximadamente 650 mil toneladas, o que pode ser uma oportunidade para o Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao Japão para tratar sobre novas aberturas comerciais (Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa))

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega ao Japão para tratar sobre novas aberturas comerciais (Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa))

César H. S. Rezende
César H. S. Rezende

Repórter de agro e macroeconomia

Publicado em 24 de março de 2025 às 16h58.

A guerra comercial encampada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deve impulsionar as negociações para que o Japão comece a importar carne bovina brasileira, avalia Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) e ex-secretário de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

"O momento econômico e político dos EUA tem intensificado as negociações internacionais. Nesse cenário, o Brasil se apresenta como um fornecedor seguro, com alta capacidade produtiva e rigor sanitário reconhecido mundialmente", afirma o executivo.

Em missão ao Japão, com 40 empresários, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ministros de estado, nesta segunda-feira, 24, Perosa afirma que o interesse brasileiro pelo mercado japonês é estratégico. Além disso, há o adendo de que o Brasil é um dos principais fornecedores de carne de frango para o parceiro asiático.

O Japão importa cerca de 60% da carne que consome, totalizando aproximadamente 650 mil toneladas, com os EUA e a Austrália sendo os principais fornecedores. No entanto, ambos enfrentam desafios na produção: os EUA têm o menor rebanho dos últimos 80 anos, enquanto a Austrália enfrenta dificuldades para aumentar sua produção.

Por isso, Perosa acredita que o Brasil pode se tornar a opção natural para suprir essa demanda.

"O Brasil tem um rebanho predominantemente da raça zebuína, especialmente Nelore, e exporta principalmente partes do boi que não são tão consumidas internamente, como miúdos e carne dianteira. No Japão e em outros mercados asiáticos, esses cortes são altamente valorizados, diferentemente do Brasil, onde o consumo é focado nas carnes do traseiro", diz o presidente da Abiec.

Segundo projeções da consultoria Safras & Mercado, o Brasil deve exportar 4,032 milhões de toneladas em equivalente carcaça em 2025, um ligeiro aumento em relação a 2024 o volume representa um novo patamar para o setor.

Em 2024, os embarques de carne bovina brasileira atingiram um recorde histórico, com crescimento de 26% em comparação a 2023. O país, inclusive, figura entre os principais produtores globais da proteína.

De acordo com Perosa, o encontro do presidente Lula com o imperador japonês Naruhito pode sinalizar um avanço nas negociações, já que a autoridade japonesa recebe apenas uma autoridade estrangeira por ano com esse nível de prestígio.

"Faz 20 anos que as negociações sanitárias entre Brasil e Japão estão em andamento. Todas as questões técnicas e sanitárias já foram resolvidas. Com a inflação e a desvalorização do iene, o Japão tem razões econômicas para buscar novas fontes de carne bovina, e acreditamos que todos esses fatores nos favorecem", afirma Perosa.

Um dos principais pontos levantados em negociações sobre carne — seja bovina, suína ou de frango — envolve a sanidade animal. Esse tema é fundamental porque impacta diretamente a segurança alimentar e a qualidade do produto final. Mas, sobre o assunto, Perosa acredita que não será um empecilho, já que o Brasil exporta para mais de 150 países.

"Nossa carne tem amplo reconhecimento internacional pela qualidade e pelo método produtivo, com a maioria da produção baseada em pasto, ao contrário de outros países que dependem de confinamento. Essa reputação tem nos permitido acessar cada vez mais mercados", afirma o executivo.

Para o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, as negociações estão em um momento decisivo e que em breve deve ser anunciada a abertura japonesa para a carne bovina do Brasil.

"Esperamos que as autoridades japonesas anunciem a visita de técnicos especializados ao Brasil para conhecer nosso sistema produtivo. Além disso, estamos prestes a receber, pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), o certificado que reconhece todo o território brasileiro como livre de febre aftosa sem vacinação, uma exigência fundamental do Japão", disse Fávaro, que também está em missão no país asiático.

Novos mercados para a carne brasileira

A abertura de mercado para a carne brasileira não deve se restringir ao Japão. Como adiantou Perosa à EXAME, na edição de janeiro, outros países estão no radar do Brasil para este ano.

Além do Japão, três países estratégicos estão na mira: Turquia, Vietnã e Coreia do Sul. Juntos, eles representam 30% da demanda mundial de carne bovina.

“Grande parte do trabalho já foi realizada. As tratativas com Japão, Turquia e Vietnã estão na reta final, enquanto o processo com a Coreia do Sul está um pouco mais atrasado. Ainda assim, os avanços nas negociações com os três primeiros países nos deixam confiantes de que as exportações podem começar em breve”, afirma Perosa.

Segundo o executivo, no caso do Vietnã, a parte técnica já foi concluída, mas é necessária uma ação diplomática para que os governos oficializem a abertura. Na Turquia, falta um detalhe técnico sobre a testagem da carne a ser enviada, questão que deve ser resolvida nas próximas semanas.

"Estamos otimistas de que, no primeiro trimestre deste ano, poderemos celebrar uma importante abertura de mercado em pelo menos um desses países", diz Perosa.

Quanto à Coreia do Sul, ele afirma que o processo está mais atrasado devido a entraves burocráticos. Além disso, o atual cenário político no país tem dificultado o andamento das análises, o que provavelmente atrasará ainda mais o processo.

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