Apoio:
Dos 109,7 milhões de hectares de pastagens com algum nível de degradação no Brasil, 28 milhões podem ser convertidos em área agrícola. Mapeamento realizado pela Embrapa mostra que o aproveitamento dessas terras garantiria uma expansão agrícola de 35% em área plantada de grãos no país (Gisele Rosso/Embapa)
EXAME Solutions
Publicado em 8 de abril de 2024 às 14h57.
Uma área equivalente a cerca de 28 milhões de campos de futebol, hoje ocupada por pastagens degradadas espalhadas pelo país, está apta para a implementação de culturas agrícolas. Somente no cultivo de grãos, o uso dessas terras aumentaria a área total plantada no Brasil em cerca de 35% na comparação com a safra 2022/2023.
As conclusões são de um estudo conduzido pela Embrapa, publicado recentemente na revista internacional Land. Assinado pelos pesquisadores Édson Bolfe, Daniel Victoria, Edson Sano, Gustavo Bayma, Silvia Massruhá e Aryeverton de Oliveira, o trabalho reuniu, cruzou e analisou diferentes bases de dados geoespaciais para gerar informações sobre o potencial das pastagens degradadas brasileiras para a expansão agrícola.
Sendo o Brasil um dos maiores produtores globais de alimentos, a expansão ajudaria a atender à crescente demanda mundial, sem a retirada da vegetação nativa – em linha com o progresso sustentável visto nas últimas décadas: em 40 anos, a produção agrícola brasileira saltou 600%, enquanto a área plantada aumentou só 100%.
“Buscamos mapear as possibilidades de expansão agrícola a partir de análises geoespaciais indicando áreas que minimizem a pressão sobre os recursos naturais e sejam implantadas sob bases sustentáveis”, explica, no site da Embrapa, Édson Bolfe, pesquisador da Embrapa Agricultura Digital e um dos autores do artigo.
Segundo a Embrapa, é a pastagem que apresenta perda do vigor, de produtividade, da capacidade de recuperação natural para sustentar os níveis de produção e a qualidade exigida pelos animais.
O processo culmina com a ruptura dos recursos naturais, com alterações na estrutura do solo, demonstrado pela compactação e a consequente diminuição do poder de retenção de água, levando à erosão e ao assoreamento de nascentes, lagos e rios.
As pastagens cultivadas brasileiras cobrem em torno de 177 milhões de hectares, segundo dados apresentados no artigo. Desse total, 109,7 milhões de hectares (60%) têm algum nível de degradação: 40% apresentam médio vigor vegetativo (degradação intermediária) e 20%, baixo vigor (considerado degradação severa).
Focado nesses dois estágios de comprometimento, os autores mapearam a existência de 28 milhões de hectares de pastagens plantadas com alto potencial de serem convertidos para produção agrícola – aproximadamente 10,5 milhões de hectares em condição severa e 17,5 milhões de hectares em condição intermediária.
No estado de Minas Gerais, o uso de pastagens degradadas poderia ampliar 92% da área plantada em relação à última safra
Dentro desses parâmetros, os estados que registram as maiores áreas são Mato Grosso (5,1 milhões de ha), Goiás (4,7 milhões de ha), Mato Grosso do Sul (4,3 milhões de ha), Minas Gerais (4,0 milhões de ha) e Pará (2,1 milhões de ha).
Levando em conta a área plantada no calendário safra 2022/2023, os estados de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás são os que mostram maiores oportunidades: o potencial de expansão agrícola em áreas de pastagens degradadas é de 92%, 69% e 66%, respectivamente.
Nessa avaliação, foram excluídas áreas consideradas especiais (como terras indígenas, unidades de conservação, assentamentos e quilombolas) e aquelas indicadas pelo Ministério do Meio Ambiente como de alta prioridade para conservação da biodiversidade.
Além da resposta natural das terras para a agricultura, foi analisado o potencial também em termos de acesso à infraestrutura rural existente, como distância entre as principais rodovias e disponibilidade de armazéns. O levantamento mostrou que 54% das pastagens estão a menos de 20 km de armazéns e 89% a 20 km de rodovias.
“São informações adicionais que indicam as condições de infraestrutura necessárias para dar suporte à possível expansão agrícola e podem ajudar, por exemplo, a priorizar ações e a direcionar investimentos por parte de agentes públicos e privados”, disse Bolfe.
O estudo também contemplou as informações disponibilizadas pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que utiliza critérios de clima, solo e ciclos de cultivares para apontar qual a melhor cultura a ser plantada, onde e quando, de forma que o risco de problemas com eventos climáticos adversos seja menor.
Segundo o ZARC, são muitas as culturas anuais que podem ser usadas para substituir ou integrar as pastagens cultivadas com sinais de degradação. O número varia de estado para estado, de 17 a 40 opções. Alguns exemplos citados no estudo são amendoim, arroz, aveia, algodão, canola, cana-de-açúcar, cevada, milho, feijão, grão de bico e trigo.
“A escolha da cultura é específica do local em termos de perfil de propriedade, data de plantio, tipo de solo e variedade de culturas”, esclarece o artigo científico.
A degradação da terra, de acordo com os pesquisadores, resulta em uma série de prejuízos ambientais. Entre eles, o aumento da erosão do solo, a compactação do solo, o impacto na qualidade dos recursos hídricos e a emissão de gases de efeito estufa. Por isso, representa um risco para a segurança alimentar global.
Pastagens degradadas são também um dos maiores problemas da produção pecuária nacional, com a perda de qualidade do principal alimento dos rebanhos criados a pasto.
“Sua restauração pelos pecuaristas é difícil devido aos custos relativamente altos dos fertilizantes químicos em comparação com o preço médio da carne bovina, o que significa que pode levar vários anos para recuperar o investimento feito”, pontua o estudo.
Por outro lado, a correção do solo pelos produtores de grãos e biocombustíveis para ter mais produtividade traz uma boa relação custo-benefício, fazendo com que a rotação lavoura-pastagem seja uma alternativa eficiente e sustentável, com vantagens para os dois lados.
Enquanto que, na pecuária, há melhoria do vigor das pastagens e novas fontes de alimento para os animais, na agricultura, há mais produtividade das culturas, redução da pressão para novas áreas produtivas, maior sequestro de carbono, menor uso de fertilizantes químicos e controle da erosão do solo, entre outros benefícios.
A ampla pesquisa da Embrapa pode ser considerada uma continuação de um estudo anterior, que apontou áreas com potencial para a agricultura em pastagens degradadas no Cerrado.
“Nossa pesquisa expande a área de estudo para todo o país e adiciona mais camadas na análise de dados espaciais. Até onde sabemos, não há estudos no Brasil mapeando diferentes níveis de adequação de pastagens degradadas para a produção agrícola em nível nacional”, diz a publicação.
Ao trazer um retrato das atuais pastagens com diferentes graus de degradação, o trabalho ajuda a enxergar a dinâmica agrícola do Brasil e auxilia na tomada de decisão quanto às políticas públicas regionais e à extensão rural.
Bolfe destaca que, com os dados agora organizados, é possível evoluir ainda mais na análise do potencial de expansão agrícola, cruzando as informações com bancos de dados regionais, validações de campo, questões sociais e estudos de viabilidade econômica e financeira.