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Grandes chefs, pequenos produtores: Alex Atala e a agricultura na mesa

Dono dos restaurantes D.O.M e Dalva e Dito, em São Paulo, Atala vem se dedicando a projetos para valorizar os pequenos produtores rurais

 (Divulgação/Divulgação)

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Carla Aranha

Publicado em 2 de junho de 2021 às 06h30.

Última atualização em 8 de junho de 2021 às 09h15.

Dono dos restaurantes D.O.M e Dalva e Dito, em São Paulo, Atala vem se dedicando a projetos para valorizar os pequenos produtores rurais (Divulgação/Divulgação)

Alex Atala, um dos chefs renomados do país, já atravessou rios e matas em busca de uma pimenta especial, produzida por índios que vivem na fronteira do Brasil com a Colômbia, na Amazônia. O alimento é coletado à beira de igarapés pelas mulheres da tribo.

O resultado da empreitada, segundo Atala, foi espetacular. E não só do ponto de vista gastronômico – o blend preparado pelas indígenas, apresenta um sabor levemente defumado, com gosto de floresta e raízes familiares, na visão do chef.

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“Conhecer esse modo de produção representou uma jornada de aprendizado”, diz Atala, em entrevista à EXAME. “Me apaixonei por essa história e entendi o alimento e a agricultura como forma de transmissão do conhecimento e da cultura”.

Os igarapés conduziram Atala, dono dos restaurantes paulistanos D.O.M. e Dalva e Dito, a paragens ainda mais profícuas. Não demorou para que ele criasse o Instituto ATÁ, lançado há sete anos, para resgatar o antigo paladar brasileiro e o pequeno produtor.

A valorização dos ingredientes, que chegam aos pratos quase in natura, em criações como camarões e cenouras colhidas a menos de cem quilômetros do fogão, levou o chef a outro passo em direção à agricultura familiar.

A marca Retratos do Gosto, criada em 2013 em parceria com a empresa de alimentos orgânicos Mie, vem investindo em agricultores como Francisco Rizone, do Vale do Paraíba, em São Paulo, especializado em arroz negro e outros itens especiais da rizicultura.

“Hoje, produtos como os da Ruzene são encontrados do Walmart a empórios como o mercado Santa Luzia, em São Paulo”, diz Atala. “Nosso objetivo é fortalecer a agricultura familiar, especialmente aquela de alimentos especiais”.

Os pequenos agricultores cultivam mais de 70% do feijão, 45% do milho e 35% do café produzidos no país, mas enfrentam desafios para seguir adiante. Muitos desses ingredientes vão parar hoje nos pratos de Atala – um dos carros chefes dos restaurantes de Atala é atualmente o purê de mandiocas selvagem com toffee (uma espécie de caramelo salgado) de café, que pode acompanhar o filé mignon com batatas rôti. A mandioca é fornecida por um pequeno produtor do interior de São Paulo.

São sabores que, segundo Atala, fazem a diferença. “Os grandes queijos e vinhos não são produzidos na Europa por grandes produtores”, diz. “Precisamos encontrar formas de capacitar os agricultores de alimentos especiais, de alta qualidade”.  Saiba mais na entrevista a seguir e no podcast SuperAgro.

Como surgiu sua curiosidade pela origem do alimento e pelo pequeno agricultor?

Há alguns anos, tive a ideia de produzir meus próprios alimentos. Na Europa, é muito comum o chef tem a horta dele. Eu tentei fazer isso no Amapá, onde comprei uma terra. Mas descobri que a comunidade da região acreditava que parte da posse (da terra) era deles. A experiência foi muito profunda e tive que reaprender certos valores. Fui me aconselhar com amigos.

Um grande amigo, antropólogo, me chamou para ajudar em um projeto com os índios baniwa. Na nossa cultura, queremos produzir a pimenta e a mandioca mais bonitas, mais da moda. Muitas vezes, aquelas meninas (indígenas) que cultivam o solo, têm a pior mandioca, que elas vão continuar plantando pelo resto da vida.

Aquela mandioca pode ser o alimento que vai salvar aquelas comunidades em uma época de seca ou de alguma intempérie. Aí, me apaixonei por essa história. Entendi o alimento como forma de transmissão do conhecimento e de reforço a estruturas familiares.

É outro conceito, não?

Sim, completamente. Outra grande lição foi entender que a pimenta e a mandioca são um legado feminino. Aos homens, historicamente cabia o extrativismo, a caça e a pesca, que nos últimos anos declinou demais. Eles iam suprir a necessidade do dinheiro com outras atividades, às vezes até mineração ilegal.

Hoje, este projeto das pimentas faz com que se gere no local um valor maior do que o da grama de ouro produzida ilegalmente. É infindável o que estamos aprendendo. Estamos mexendo também com a autoestima e valores humanos que eu nunca imaginei que o alimento pudesse tocar.

Você também criou uma marca própria, a Retratos do Gosto. Como surgiu essa ideia?

Foi com um projeto de arroz no Vale do Paraíba. Um dia, estava no restaurante quando apareceu um agricultor dizendo que conheceu um pesquisador e resolveu plantar arroz preto, mas ninguém queria comprar. Eu experimentei o arroz e enlouqueci, adorei o projeto. Mas o agricultor não tinha dinheiro nem para o próximo passo.

Essa falta de recursos é comum (entre os pequenos produtores), não?

Sim, bem mais do que a gente imagina. O Vale do Paraíba tem uma das mais antigas tradições de rizicultura do país. Hoje, esse agricultor não tem condição de entrar no mercado de commodities. O agricultor que eu citei teve que arrendar a terra. Eu precisava estruturar um projeto para que esse cara continuasse plantando.

Então, começamos a Retrato dos Gostos, onde a gente entra com uma estrutura financeira parceira do agricultor. Tudo o que fazemos é para esse cara estruturar a marca dela. Hoje, você vai ver arroz preto da marca desse agricultor, a Ruzene. O projeto é um capacitador do pequeno produtor.

O mercado de alimentos especiais, de maior qualidade, deve crescer mais no Brasil?

Sim, certamente. Os grandes queijos e vinhos não são produzidos na Europa por grandes produtores. Com o mercado (no Brasil) remunerando esse produto, é uma grande saída para o pequeno produtor rural. É um modelo que já deu certo em vários países do mundo e a gente tem que fazer funcionar aqui.

Em outros países, como a França, é comum a parceria entre o chef e o pequeno produtor, não?

É muito comum. Até nos Estados Unidos, em lugares como a Califórnia, isso é uma prática. Você não fala só ‘essa alface é orgânica’. O chefe fala: ‘Essa aqui vem da fazenda do senhor de tal’. O agricultor já personifica em alguns lugares do mundo o seu produto.

O chef conhece pessoalmente o produtor então?

Há uma estreita relação entre os restaurantes gourmet e estrelados com o produtor. Para o chef fazer um produto incrível, ele precisa encontrar um produtor incrível.

Que dicas você daria a quem pretende produzir alimentos especiais, de alta qualidade?

Essa pessoa precisa exigir de si mesma a excelência do preço que pretende cobrar. Falo isso para muitos produtores. O padrão de qualidade é uma das grandes metas de um chef. Também tem que ser parceiro do agricultor nas horas ruins, ainda mais nesses tempos de mudanças climáticas. Eu não posso abandonar o pequeno produtor porque ele não conseguiu produzir na qualidade do preço que ele pede.

Por que é algo especial?

Sim, é um elo especial. É uma relação.

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