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A vaca e o frango: Marfrig compra 24% da BRF, mas diz que não vai mandar

Investidores vão manter aposta em combinação no médio prazo, seguindo modelo JBS

Produção de pizza Sadia: Marfrig diz que não pretende interferir na gestão; benefício da dúvida do mercado dura até AGO de 22 (Germano Lüders/Exame)

Produção de pizza Sadia: Marfrig diz que não pretende interferir na gestão; benefício da dúvida do mercado dura até AGO de 22 (Germano Lüders/Exame)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 21 de maio de 2021 às 19h14.

Última atualização em 22 de maio de 2021 às 23h18.

A Marfrig comprou 24,23% da BRF na bolsa e se tornou a maior acionista da companhia. Marcos Molina, o fundador da empresa de carnes, quer, nesse momento, ser um investidor passivo e deixar as gestões absolutamente apartadas. Jura de pé junto.

O investimento será pago com o caixa da própria Marfrig, equivalente a US$ 800 milhões. Nada mais brasileiro do que um empresário dos mais tradicionais, apaixonado pelo seu negócio, para provar que essa história de ser corporation (sem dono) é para valer. Empresa sem controlador e que fica descontada na bolsa, sem rumo, vira alvo de oferta. Essa é a lei da 'selva mercado'.

A Marfrig fez o movimento ao longo dessa semana. Na terça-feira, a empresa de Molina alcançou 5% de participação. Como o prazo legal para comunicar o atingimento desse percentual é de três dias úteis, deu tempo de avançar bem mais do que isso de maneira quase escondida.

Os maiores acionistas da BRF são as fundações Previ e Petros, cada qual com pouco mais de 9%, e a gestora de recursos Kapitalo, com 5%. Conforme fontes, a Previ teria vendido cerca de 3% de sua posição nesses último dias, apara abastecer as compras de Molina.

A BRF terminou a sexta-feira, 21, avaliada em quase R$ 22 bilhões, após alta superior a 16% das ações, motivada pelas fortes especulações ao longo do dia — quando todos já davam como certo que a Marfrig era a compradora misteriosa das ações nessa semana e, especialmente, hoje. Já os papéis da Marfrig chegaram a disparar quase 10%, com investidores crentes numa proposta imediata de combinação. Mas, conforme se dispersou o entendimento de que se seria um investimento caixa e mais arriscado, a direção virou.As ordinárias fecharam em queda superior a 5%, com a Marfrig valendo R$ 12,5 bilhões.

Embora vá ser difícil de o mercado acreditar em uma posição passiva de longo prazo, a mensagem oficial da Marfrig é que não tem intenção de convocar assembleia para mudança da administração da BRF. “As empresas seguem separadas e a BRF com uma administração que a Marfrig respeita”, diz uma pessoa próxima à Molina.

Como não há quem aposte que uma companhia faça investimentos financeiros com seu caixa que não sejam estratégicos ou conservadores (para mera aplicação de caixa), a compreensão dessa informação é que a paz vai durar, no máximo, até a próxima assembleia geral ordinária da BRF, de 2022. Se tanto.

A Marfrig ainda não tinha comunicado o negócio publicamente e já havia no mercado questionamentos de governança: o conselho aprovou? Se aprovou, sabe o plano todo? Se sabe, pode não divulgar? Se for só financeiro, pode? A questão é que não faz sentido a Marfrig comprar e, no ano que vem, se ausentar de participar de decidir o futuro da BRF. A empresa, que une as marcas Sadia e Perdigão, há anos oscila de valor na bolsa, sem passar dos R$ 20 bilhões de maneira consistente.

Portanto, deve prevalecer entre os investidores a crença em uma união das empresas no médio ou longo prazo. A situação de hoje é totalmente diversa da de dois anos atrás, quando a Marfrig propôs a combinação dos negócios e o conselho da BRF rechaçou. Diferente para Molina. Para o conselho da BRF, nem tanto. Em 2019, Molina teria 5% da companhia resultante. Hoje, antes de considerar esse movimento anunciado hoje, ele teria 20%, apenas resultado da recomposição de sua posição de controlador da Marfrig e da valorização de suas ações.

A chegada de Molina no capital da BRF só tumultua uma companhia que há anos, desde a fusão das duas grandes rivais, vive uma enorme crise de governança. A empresa não conseguiu criar uma cultura própria, unir as famílias antigas em torno de um projeto comum. Para se ter uma ideia do problema, ainda no começo desse ano parte da família Furlan tentava movimentos mirabolantes sonhando em voltar a gerir o negócio. Até no governo foram. A equação tem os fundos de pensão, a família Furlan e os atuais administradores que, certamente, não vão querer sair pela porta dos fundos.

Resta saber como o conselho que administra da empresa, boa parte dele pega de surpresa, vai reagir a tudo isso. As sinergias operacionais entre as companhias são consideradas quase nulas. Contudo, isso não muda a percepção, para muitos, de que o movimento faz sentido. Além de a JBS estar turbinando a Seara ao longo dos últimos anos, o entendimento é que ambas — BRF e Marfrig — estão com dificuldades de crescer sozinhas no Brasil.

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