Redação Exame
Publicado em 26 de julho de 2025 às 05h00.
* Cláudio Lima e Adilson Martins
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE ), os sistemas alimentares no mundo enfrentam um triplo desafio: garantir a segurança alimentar e a nutrição de uma população crescente; contribuir para a subsistência de milhões de pessoas que trabalham na cadeia de abastecimento alimentar e fazê-lo de forma ambientalmente sustentável; e a projeção de um crescimento anual de 1,1% na produção mundial de alimentos entre 2023 e 2032 e de 1,3% para demanda por alimentos. Neste contexto, a irrigação é peça-chave para endereçar esses desafios.
Esse sistema de manejo é fundamental para a agricultura de precisão e com alta produtividade, por permitir o cultivo em regiões com escassez de água ou chuvas irregulares, garantindo maior segurança ao processo produtivo.
Entretanto, ainda é uma prática incipiente no Brasil, com espaço para crescimento em todas as regiões do país.
Nos últimos anos, as mudanças climáticas têm tornado os padrões de precipitação mais irregulares e extremos, com a ocorrência de eventos como El Niño e La Niña em intervalos menores e impactos cada vez maiores sobre a agricultura.
Chuvas concentradas, enchentes e estiagens prolongadas têm afetado diretamente a produção e mobilizado o agronegócio a buscar soluções.
Nesse cenário, a irrigação ganha força como estratégia que tem o potencial de fortalecer o papel do Agro para a segurança alimentar no país, aumentar a produtividade, a rentabilidade para os produtores e a prática sustentável na agricultura brasileira.
De acordo com o Atlas da Irrigação 2021, da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o aumento de produtividade proporcionado é da ordem de duas a três vezes em relação à agricultura de sequeiro, que depende exclusivamente das chuvas para fornecer água às culturas.
O levantamento mostra que a produção de irrigantes foi 3,7 vezes maior do que a produção de sequeiro na cultura de arroz e cerca de 2 vezes superior na de feijão e na de trigo.
A irrigação traz a valorização da terra, possibilita a utilização do solo durante todo o ano com até três safras ao ano, conforme estimativa do estudo, e abertura de novos mercados, a partir do aumento da oferta e regularidade de alimentos.
Quando bem planejada e executada, é também uma atividade sustentável. Os projetos são desenhados para otimizar o uso de energia e água, adaptando-se ao relevo, tipo de cultura e necessidades hídricas específicas.
A técnica pode contribuir para atenuar efeitos de eventos extremos decorrentes das mudanças climáticas.
Em situações críticas, como a seca no Rio Grande do Sul entre os anos de 2021 e 2022, apesar da forte estiagem causada pelo fenômeno La Niña, as áreas irrigadas mantiveram produtividade média significativa (cerca de 166 sacas por hectare), enquanto áreas sem irrigação sofreram perdas mais severas, incluindo totais, conforme análise do Boletim de Resultados da Safra 2021/22 do Instituto Rio Grandense do Arroz (IRGA).
Esses resultados podem ser impulsionados e otimizados com a expansão da prática. Com base nos dados do Atlas da Irrigação, a área irrigada no Brasil representa apenas cerca de
8,7% da área total agrícola, chegando a 5,3 milhões de hectares, frente a um potencial estimado de 55 milhões.
Para comparação, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os líderes mundiais na irrigação são a China e a Índia, com cerca de 70 milhões de hectares cada, seguidos pelos Estados Unidos, com 26,7 milhões de hectares.
Para ampliar a irrigação no país, é necessário superar desafios, principalmente, o acesso à energia, em especial nos estados com grande potencial produtivo e baixa densidade populacional, como Mato Grosso, Bahia e Mato Grosso do Sul.
A rede de distribuição ainda é limitada, sobretudo nas áreas remotas, mesmo com o crescimento da utilização de fontes alternativas como energia solar e a diesel, pois o custo desses sistemas é elevado e restringe sua adoção em larga escala.
Outro gargalo é a burocracia envolvida na obtenção de outorgas de uso da água e licenças ambientais, que pode atrasar a expansão da irrigação. Em diversos estados, as legislações são defasadas e tornam os processos morosos, mesmo quando há políticas públicas locais que incentivam a irrigação.
Há estados, como São Paulo, com políticas estruturadas, que oferecem financiamentos com juros subsidiados e simplificação na obtenção das licenças. O Rio Grande do Sul e o Paraná também começaram a desenvolver programas de incentivo.
Ainda assim, conforme mostram os dados do Atlas da Irrigação, o percentual de hectares irrigados em relação à área com potencial para implementar a prática é pequeno mesmo nos estados que lideram o ranking de uso da irrigação no país: 37,48% no Rio Grande do Sul; 31,53% na Bahia; e 13,46% em Minas Gerais. Ou seja, há muito o que avançar em políticas públicas que permitam que os produtores possam colher os benefícios da irrigação em todo o país.
Por outro lado, o Brasil está em sintonia com os avanços tecnológicos para irrigação, o que pode contribuir com a expansão da prática.
Empresas do setor que atuam no nosso país desenvolveram tecnologias como sensores de solo, estações meteorológicas integradas aos sistemas de irrigação e softwares de controle remoto.
Essas ferramentas ajustam o volume e o momento da irrigação conforme a previsão climática e a umidade do solo, reduzindo o uso de energia e água.
O estudo global Agriculture technology, da Deloitte, com foco nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Índia, analisa que os novos sistemas de irrigação de precisão podem economizar de 30% a 50% do uso de água em comparação com os métodos tradicionais.
Conforme dados da Lindsay Brasil, equipamentos como o “corner”, braço inteligente que amplia a área de cobertura dos pivôs centrais, podem aumentar a área irrigada em até 35% com o mesmo equipamento. Há ainda sistemas que permitem monitoramento e operação remota, dispensando deslocamentos e otimizando o tempo e a segurança das operações.
Com enorme potencial de crescimento no país, a irrigação contribui para a modernização dos sistemas de produção, estimulando a introdução de novas tecnologias na agricultura.
Por isso, há especialistas da área que consideram que essa prática já representa o quarto ciclo evolutivo da agricultura brasileira, sucedendo à correção do solo, o plantio direto e as sementes melhoradas.
Se os desafios forem enfrentados com políticas públicas integradas, investimento em infraestrutura e ampliação do conhecimento técnico no campo, o Brasil poderá se tornar, em poucos anos, o maior mercado de irrigação do mundo – e mais importante, garantir sua posição como potência agroalimentar sustentável em um mundo em transformação pelas mudanças climáticas.
* Cláudio Lima, diretor geral da Lindsay Brasil e Adilson Martins, sócio líder para Indústria de Agronegócio da Deloitte.