Tecnologia

Quando a nuvem cai, a vulnerabilidade digital brasileira fica em evidência, diz especialista

A concentração em três grandes provedores cria risco sistêmico e aponta falta de diversificação e lacunas regulatórias no país

Rafael Oneda, diretor de tecnologia da Approach Tech: "O Brasil concentra dados em poucos provedores e regiões — qualquer falha pode gerar impacto em escala nacional

Rafael Oneda, diretor de tecnologia da Approach Tech: "O Brasil concentra dados em poucos provedores e regiões — qualquer falha pode gerar impacto em escala nacional

André Lopes
André Lopes

Repórter

Publicado em 20 de outubro de 2025 às 15h42.

Última atualização em 20 de outubro de 2025 às 15h57.

A infraestrutura de nuvem, hoje dominada por AWS, Microsoft Azure e Google Cloud, responde por quase dois terços de todas as operações corporativas online. O modelo, que levou eficiência e escala às empresas, também criou um ponto único de vulnerabilidade. Quando um desses provedores falha, o efeito cascata paralisa pagamentos, acessos, assistentes virtuais e rotinas de trabalho em diversos países.

Essa dependência tecnológica é o principal responsável pelo evento desta segunda-feira, 20, que paralisou mais de 500 apps pelo mundo e trouxe um risco estrutural da economia digital global. Como explica Rafael Oneda, diretor de tecnologia da Approach Tech, empresa parceira da Intel. “Tecnologia invariavelmente falha. O problema é que o mercado se acostumou a operar como se a nuvem fosse infalível”. Para ele, a concentração em poucos players impede que planos de continuidade de negócios sejam realmente eficazes, já que uma interrupção em uma região de nuvem pode reverberar entre serviços interconectados em diferentes países.

No caso brasileiro, o risco se agrava. “Quando a nuvem cai, a vulnerabilidade digital brasileira fica em evidência. A exigência de territorialidade da IN05/2019 do GSI, que obriga que dados públicos fiquem em território nacional, acaba centralizando a infraestrutura no estado de São Paulo”, explica Oneda. “Se houvesse uma falha semelhante aqui, os serviços do governo poderiam parar completamente.”

Essa concentração também não é compensada pela chegada de novos data centers ao país. “Ter mais regiões físicas não resolve se todas seguem sob a mesma orquestração tecnológica”, diz o executivo. O fenômeno é global: mesmo com a expansão de centros no hemisfério sul, a maior parte da infraestrutura continua controlada por corporações americanas, o que gera uma dependência estratégica em escala planetária.

O novo padrão de resiliência: nuvem híbrida e multicloud

A saída técnica apontada por especialistas é o modelo de nuvem híbrida e multicloud, que permite distribuir aplicações críticas entre diferentes provedores. “É a forma mais segura de mitigar falhas e evitar aprisionamento tecnológico. Com a portabilidade entre nuvens, é possível restabelecer serviços rapidamente em caso de pane”, afirma Oneda. Essa arquitetura, segundo ele, exige investimento e coordenação, mas é o único caminho para “um ecossistema mais resiliente e menos dependente”.

A consultoria Gartner endossa esse diagnóstico. Em um dos seus mais recentes relatórios, o Hybrid Distributed Infrastructure for Cloud Services, e no Magic Quadrant 2025, a empresa prevê que 90% das corporações adotarão abordagens híbridas até 2027, integrando nuvens públicas e privadas com protocolos unificados de segurança e interoperabilidade.

Sid Nag, vice-presidente da consultoria, tem definido a tendência como uma “transformação estrutural da infraestrutura digital global”, necessária para garantir visibilidade e governança entre ambientes distribuídos.

Na prática, o modelo permite que políticas de segurança, auditoria e continuidade sejam aplicadas simultaneamente em múltiplos provedores, reduzindo riscos de parada total — o que o Gartner chama de “padrão de segurança corporativa da próxima década”.

Brasil entre o risco e a oportunidade

Para Oneda, o país está atrasado tanto na diversificação técnica quanto na regulação. “O Brasil carece de uma legislação que trate de resiliência e arquitetura. Hoje temos a LGPD e normas pontuais, mas nenhuma política clara sobre continuidade e interoperabilidade.” Ele cita a Frente Parlamentar de Segurança Cibernética como um avanço a ser expandido. “A legislação atual olha mais para o aspecto econômico da nuvem do que para a infraestrutura crítica.”

Enquanto o mundo caminha para arquiteturas abertas e interoperáveis, o Brasil ainda opera em um modelo de dependência concentrada — técnica, normativa e geopolítica. O resultado é previsível: quando um provedor falha no hemisfério norte, a rotina digital de milhões de brasileiros é interrompida.

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