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Primeira grande série taiwanesa explora os cenários de uma guerra iminente com a China

Em uma trama de suspense, "Zero Day Attack" leva o público a um cenário de ameaça militar e crise geopolítica, refletindo as preocupações reais de Taiwan com a China

"Zero Day Attack": série taiwanesa estreia neste sábado, 2 de agosto (Zero Day Culture and Creative/Divulgação)

"Zero Day Attack": série taiwanesa estreia neste sábado, 2 de agosto (Zero Day Culture and Creative/Divulgação)

Mateus Omena
Mateus Omena

Repórter

Publicado em 2 de agosto de 2025 às 09h14.

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Em uma ilha do arquipélago de Kinmen, situada no Estreito de Taiwan, soldados avançam por um túnel escuro. "O inimigo está chegando", diz um deles. Ao saírem para uma praia sombria, eles percebem a presença de soldados do Exército de Libertação Popular (ELP) chinês, camuflados nas sombras. Luzes começam a piscar na escuridão e o som de tiros de metralhadora preenche o ambiente.

Esse é o clima de tensão que domina "Zero Day Atack", série dramática de dez episódios que estreia na TV de Taiwan neste sábado, 2 de agosto. Este é o primeiro grande projeto audiovisual do país que explora um cenário de como a China poderia tentar anexar a ilha e estreia com a expectativa de se tornar um marco cultural para o país. A série será lançada no Japão no final do mês, mas ainda não há previsão de distribuição internacional.

Os roteiristas de Taiwan optaram por não retratar uma guerra direta entre os dois lados do Estreito, considerando o tema delicado e controverso. Mas, Cheng Hsin-mei, a showrunner de "Zero Day Attack", expressa preocupação com o futuro, considerando as crescentes restrições impostas pelo Partido Comunista Chinês em Hong Kong nos últimos anos. "Queremos alertar as pessoas enquanto ainda temos liberdade para criar", afirma. "A liberdade pode ser perdida no futuro."

Ameaças sem fim

Desde a fuga do Kuomintang (KMT) para Taiwan em 1949, após a derrota na guerra civil chinesa, os líderes da China sempre ameaçaram retomar a ilha. Inicialmente, esse cenário parecia distante, pois a China não dispunha de capacidade militar suficiente. Mas, após a abertura econômica da China em 1978, muitos taiwaneses começaram a investir no país, o que gerou uma interdependência econômica que fazia parecer improvável uma guerra. A maior parte da população ainda se mostra indiferente à ameaça chinesa. No entanto, a invasão da Ucrânia pela Rússia, juntamente com os recentes exercícios militares chineses no Estreito de Taiwan, fez com que algumas pessoas passassem a acreditar na possibilidade de um conflito iminente.

Em entrevista ao The Economist, Puma Shen, membro do parlamento de Taiwan e consultor da série, observa que a mudança na percepção do público é refletida na série. Em 2021, ao cofundar a Kuma Academy, uma ONG voltada para a defesa civil, Shen encontrou resistência de muitos taiwaneses que não acreditavam na necessidade de uma "mentalidade pré-guerra". Mas, atualmente, mais pessoas estão se inscrevendo para workshops sobre temas como guerra cibernética e estratégias de evacuação.

O governo de Taiwan também está tomando medidas mais assertivas. Em 2023, uma nova política de recrutamento entrou em vigor, ampliando o tempo de serviço militar de quatro para 12 meses. Este ano, o presidente Lai Ching-te anunciou a intenção de aumentar os gastos com defesa, elevando o percentual do PIB destinado à área de 2,5% para mais de 3%.

Como "Zero Day Attack" representa um ataque chinês?

A história começa com o desaparecimento de um avião espião chinês próximo a Taiwan. Sob o disfarce de uma operação de resgate, a China envia aviões e navios, estabelecendo um bloqueio. O presidente de Taiwan, ao informar a presidente eleita sobre a situação, menciona que um porta-aviões americano está nas proximidades e que, caso ele de ordem, os EUA interviriam. No entanto, a presidente reluta em aceitar a ajuda, com receio de que uma intervenção americana possa agravar o conflito. Essas preocupações com a possível escalada do conflito refletem as preocupações reais das autoridades taiwanesas ao lidarem com os exercícios militares chineses.

"Zero Attack Day" detalha um cenário em que o ataque chinês a Taiwan não se limita a mísseis. Apagões, falhas de comunicação, uma queda de internet de mais de um dia, e emissoras de TV saindo do ar são algumas das táticas utilizadas pela China para desestabilizar a ilha. O objetivo é gerar o caos e enfraquecer a coesão social. A presença de jatos no ar e tanques nas ruas torna-se comum, enquanto muitos taiwaneses começam a fugir do país.

A guerra de informações, liderada pela China, também ganha destaque. Vídeos manipulados circulam nas redes sociais, espalhando boatos sobre ataques com mísseis. Influenciadores pró-China tentam desacreditar a democracia de Taiwan, enquanto o governo chinês utiliza gangues criminosas para semear o caos nas ruas.

Em seguida, a China oferece um acordo de paz, impondo a política de "um país, dois sistemas" — o mesmo modelo utilizado em Hong Kong, que teoricamente garante autonomia, mas, na prática, submete a região ao controle do Partido Comunista Chinês. Alguns políticos, desesperados por uma solução, acabam apoiando o acordo.

Cada episódio de "Zero Day Attack" foi dirigido por cineastas taiwaneses renomados e oferece uma perspectiva única sobre os eventos. Um episódio se concentra no presidente eleito, outro nas emissoras de TV, enquanto outros abordam como os diferentes estratos sociais, como a classe alta e os trabalhadores, seriam afetados. O resultado é uma representação forte de como a guerra poderia afetar toda a sociedade.

Como era de se esperar em um drama de temática geopolítica, "Zero Day Attack" enfrentou controvérsias durante sua produção. Alguns consideram que a série serve como propaganda do Partido Democrático Progressista, atual partido no poder em Taiwan, que rejeita a reivindicação chinesa sobre a ilha. Políticos do partido de centro-direita KMT, que defendem um relacionamento mais estreito com a China, apontaram o investimento do Ministério da Cultura de Taiwan na série, embora o ministério normalmente financie produções locais. Robert Tsao, bilionário fundador de uma empresa de semicondutores e um dos principais investidores da série, também tem sido um defensor ativo da defesa civil, o que o levou a ser rotulado de "separatista" pela China.

Cheng Hsin-mei, a showrunner, revelou que alguns agentes de talentos em Taiwan se recusaram a indicar atores para a série, temendo que isso os colocasse na lista negra da China — um golpe significativo para as carreiras, já que a China é a maior audiência de TV e cinema do mundo. Para contornar essa situação, Cheng procurou atores dispostos a enfrentar esse risco. Um dos personagens mais controversos da série, Big John, apoiador da China, é interpretado por Chapman To, um ator de Hong Kong que se tornou imigrante em Taiwan e foi um defensor do movimento democrático de Hong Kong em 2014, o que levou a boicotes por parte do público chinês.

Surpreendentemente, a série não é tão apocalíptica quanto sugeria o trailer original de 17 minutos, lançado no ano passado. O trailer anunciava uma visão de "caos total", com a interrupção de serviços essenciais como água, eletricidade e telecomunicações. Essas cenas não aparecem na versão final da série. Cheng explica que o trailer foi criado para gerar tensão e atrair a atenção do público. O consultor Puma Shen nega que as cenas mais alarmantes tenham sido cortadas por pressões políticas. O diretor Lo Ging-zim reafirma que "nenhuma palavra do roteiro foi alterada pelo governo".

Por outro lado, Yen Chen-shen, cientista político da Universidade Nacional Chengchi e que não esteve envolvido no projeto, acredita que o governo taiwanês pode ter influenciado os cineastas a suavizar algumas das cenas mais dramáticas para evitar criar pânico entre o público.

"Zero Day Attack" chega às telas pouco depois de o Exército de Libertação Popular (ELP) realizar testes de invasões anfíbias e bloqueios navais, além de interromper linhas de suprimento e atacar instalações de energia. Embora ninguém saiba se a China cumprirá suas ameaças, a série certamente deixa claro que o alerta foi dado.

Veja o trailer a seguir

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