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'Mountainhead': a sátira de um mundo nem tão irreal assim com a IA nas mãos dos bilionários

Produção de Jesse Armstrong cria um espelho assustadoramente atual sobre a evolução da tecnologia no século XXI

'Mountainhead': quando os bilionários são protagonistas. Mas não do jeito bom (Fred Hayes/HBO)

'Mountainhead': quando os bilionários são protagonistas. Mas não do jeito bom (Fred Hayes/HBO)

Luiza Vilela
Luiza Vilela

Repórter de POP

Publicado em 1 de junho de 2025 às 20h57.

Última atualização em 2 de junho de 2025 às 08h34.

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Três bilionários e um milionário se reúnem em uma mansão no topo das montanhas do Utah para passar o fim de semana. Um é o "homem mais rico do mundo", outro acaba de criar uma inteligência artificial super avançada — que anima os investidores na Bolsa e preocupa o primeiro —, o terceiro tem o controle da tecnologia de drones e energia militar de inúmeros países. O quarto só quer que seu app de saúde mental vire um unicórnio. Poderia ser mais uma notícia sobre os passatempos de Elon Musk, Mark Zuckerberg e Sam Altman  nas férias, mas é a mais nova empreitada de Jesse Armstrong no streaming.

"Mountainhead" estreou na plataforma da HBO Max neste sábado, 31, em grande estilo. Faz uma dura sátira à maneira como os maiores bilionários do planeta estão lidando com as mudanças tecnológicas da inteligência artificial — e quais são os reais riscos que manter esse "poder" na mão de tão poucos representam à sociedade. A trama toda acontece dentro de uma mansão isolada do resto do mundo, cercada de luxos.

É o primeiro longa-metragem de Armstrong, criador da prestigiada série "Succession", que conquistou 19 prêmios do Emmy ao longo de suas quatro temporadas e mudou a forma como as pessoas enxergam bilionários e suas atitudes. E apesar de ter um corajoso potencial de discussão, acaba se perdendo na própria crítica.

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Espelho, espelho meu...

Nenhum dos quatro personagens é, de fato, um retrato fiel dos magnatas. Tampouco usam o mesmo nome: o mais rico é Venis (Cory Michael Smith), o que controla a "nova IA" é Jeff (Ramy Youssef), o dono dos equipamentos militares se chama Randall (Steve Carell) e, para fechar a quadra, o "mais pobre" do grupo recebeu o apelido de Soup (Jason Schwartzman), muito embora seu nome real seja Hugo. Com cerca de US$ 550 milhões de fortuna, ele só queria fazer parte do clube dos bilionários.

Mas as semelhanças são inegáveis. Na trama, Venis é dono de uma rede social chamada Traat, e publica uma atualização com novas ferramentas — incluindo uma IA hiper-realista que cria imagens e vídeos, construída sem preocupação com a ética — pouco antes de encontrar os amigos. Quando ele chega à mansão, o caos já está instaurado no resto do mundo: as pessoas não sabem discernir o que é realidade e o que é inteligência artificial, e vídeos falsos começam a circular sem freio ou avisos pelas redes.

Nações entram em guerra, presidentes são assassinados, mulheres e crianças são dizimadas, e o bilionário incentiva que isso continue acontecendo porque, na visão dele, quanto mais as pessoas forem expostas a essa tecnologia, "mais elas saberão o quão fácil é identificar vídeos fakes". E se alguém tenta ameaçá-lo de alguma forma, está tudo bem. Ele tem o contato do presidente dos Estados Unidos.

As notícias chegam sobretudo pela TV e pelas constantes atualizações de Jeff, que passa boa parte do filme de olho na tela do celular. Ele tem em mãos o que seria a salvação dos problemas de Venis: uma IA mais avançada, treinada para identificar o que é real e o que é falso, inteligente o suficiente para manter avisos aos usuários. É sua nova fonte de renda, que o torna o segundo mais rico entre os quatro amigos em poucas horas. E ele não está disposto a vendê-la, ainda que reconheça o caos que a tecnologia está causando ao mundo, porque tê-la em mãos é uma maneira de não dar a Venis tudo o que ele quer.

Mera coincidência?

O filme chega ao streaming em um momento de ascensão da inteligência artificial nas redes sociais. Com o lançamento do Veo 3, IA do Google que gera vídeos ultrarrealistas, tem sido difícil reconhecer o que é real e o que foi gerado por um computador. É a mais nova faceta das fake news.

No TikTok já jorram vídeos realistas de influenciadores, podcasters, comerciais e conteúdos de humor feitos com a ferramenta. É fácil se confundir. Nas últimas semanas, viralizou um vídeo que mostrava uma mulher discutindo com uma comissária de bordo por ser impedida de levar seu "canguru de apoio emocional" a bordo. O animal figurava no meio das duas, com os olhos brilhando, enquanto segurava a passagem de avião. Virou notícia nos jornais, abriu um caloroso debate sobre a possibilidade ou não de ter esses animais dentro de aviões. O vídeo, claro, foi gerado por IA.

@yagirlgabby_

Emotional support kangaroo rejected entry to plane. 😭😭 #fyp #viral #fypage #fypage #fypシ #wendyortiz #fypシ゚viral

♬ original sound - Gabby

Os "vlogs" de figuras marcantes na História ou bíblicas também se tornaram um hit na plataforma chinesa, mas são, em geral, mas conscientes. A ideia é apresentar uma informação histórica em um formato diferente, mais próximo do que as novas gerações encontram nas redes sociais, para criar um vínculo mais íntimo.

Vale lembrar que o TikTok foi um dos pioneiros entre os demais do setor em criar uma ferramenta de inteligência artificial capaz de, não ironicamente, reconhecer produções que fazem uso da ferramenta. O aviso fica disponível na parte debaixo do vídeo para o usuário, com a seguinte mensagem: "conteúdo gerado por IA" ou "rotulado pelo criador como gerado por IA".

@vlog.biblia.pov

Vlog Pedro andando nas águas. Todo dia um vlog novo! #vlog #pov #ia #inteligenciaartificial #gemini #veo3 #cristao #jesusteama #biblia #bibliasagrada

♬ som original - Vlog Biblia Pov

A similaridade gritante de "Mountainhead" com a realidade, há de se reconhecer, é corajosa.

Refletir sobre a criação de vídeos ultrarrealistas como algo catastrófico é um entre os vários riscos associados à tecnologia que vêm sendo questionados nos últimos anos. Além de arma poderosa para disseminação de fake news, a ferramenta também tem transformado o setor audiovisual em todo o mundo, tanto para entretenimento e cultura quanto para a publicidade e propaganda.

Fora da bolha dos "memes" no TikTok, já existem entidades públicas fazendo uso da IA em canais oficiais. É o caso de uma recente propaganda da prefeitura de Ulianópolis, município do Pará, para divulgação do circuito cultural da cidade: o vídeo todo é falso, e foi publicado nas redes sociais da prefeitura sem aviso ao usuário.

Na indústria do cinema do streaming, a IA também está ameaçando empregos. Em um mundo no qual é possível gerar automaticamente cenário, trilha sonora, efeitos especiais e um ator treinado à maneira de quem o cria, já com figurino e com baixo orçamento, fazer parte da indústria criativa original fica mais complicado.

Não significa que a mudança será de uma hora para outra. Chovem comentários nas redes sobre como as pessoas geradas por IA em vídeo tem o "olhar vazio", e o movimento parece mais robótico. Mas antes — e isso nem é há tanto tempo assim — era ainda mais difícil recriar cenas completas que, hoje, já são confundidas por muita gente. Resta ver uma maneira de usá-la de forma ética e como aliada, não inimiga.

Fica a crítica ao roteiro

O filme é um bom parâmetro para refletir o pior da inovação tecnológica do século XXI. É assustador na medida certa para imaginar o potencial destrutivo da IA, a depender das escolhas de quem as controla. Mas faltou dinamismo no roteiro.

Os primeiros 8o minutos focados nas conversas dos quatro amigos se tornam tão tediosos (e babacas) que é difícil insistir até o final. Não é um problema de atuação: Michael Smith, Youssef, Carell e Schwartzman ocupam bem os papéis que receberam. Só que as repetições do roteiro, que funcionavam bem para os episódios de "Succession" de até 50 minutos, aqui deixam a desejar.

No filme, o espaço é limitado para desenvolver personagens e, mais do que isso, criar sentimentos conflitantes para quem está assistindo. A caracterização dos quatro protagonistas, que parecem a todo momento fingir saber mais do que realmente sabem, também enjoa depois de um tempo. O que era para ser uma crítica mais sutil fica quase estampada na tela como um carimbo, não tem muita graça e logo se torna irritante.

O que salva são os últimos 30 minutos do filme: ali a trama se torna mais engraçada e a construção da sátira se completa com um bom desfecho. É um bom começo para a genialidade de Armstrong — faltaram apenas alguns ajustes.

Onde assistir a 'Mountainhead'?

O filme está disponível no catálogo da HBO Max.

Quem está no elenco de 'Mountainhead'?

O elenco do filme é composto por Steve Carell, Jason Schwartzman, Cory Michael Smith, Ramy Youssef, Hadley Robinson, entre outros. Jesse Armstrong assina como diretor e roteirista.

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