A Feira do Livro: evento literário acontecerá entre os dias 14 e 22 de junho, em São Paulo (Divulgação)
Repórter
Publicado em 21 de junho de 2025 às 13h58.
Símbolo do futebol paulista, o Estádio do Pacaembu já ganhou diferentes funções ao longo dos anos, a maioria associada ao esporte, de sede do Museu do Futebol e de corridas de rua. Mas, no mês de junho, a Praça Charles Miller ganha uma nova identidade, ao ser tomada por mentes curiosas e sedentas por boas histórias, atraídas pela Feira do Livro de São Paulo.
Há três anos, o festival atua como point de editoras e escritores para estimular debates e lançamentos de obras da temporada. Além de provocar os paulistanos a conhecerem novas obras. Agora, o evento tem a uma ousada missão: provar o potencial do formato para aquecer o mercado editorial brasileiro.
"É mais do que uma vitrine. A Feira destaca o papel do editor e do projeto editorial como protagonistas. Cada estande é uma porta de entrada para o universo criativo de cada empresa do setor", diz Paulo Werneck, diretor-geral e um dos fundadores da Feira do Livro.
Na última edição, o festival reuniu, durante os nove dias de duração, um público de aproximadamente 55 mil pessoas, um aumento de 175% em comparação com o total de 35 mil pessoas em 2023. A meta para esse ano é ultrapassar esses números, contando com os paulistanos que adotaram o festival como atração obrigatória e os jovens que estão descobrindo sua paixão por histórias.
O encontro de diferentes gerações transformou o evento em um fenômeno, tanto que a Prefeitura de São Paulo sancionou recentemente um projeto de lei que inclui a Feira do Livro no calendário oficial de eventos da capital.
Paulo Werneck, diretor-geral e fundador da Feira do Livro (Divulgação)
Criada em 2022, pela Associação Quatro Cinco Um em parceria com a Maré Produções Culturais, a Feira do Livro foi elaborada para oferecer aos paulistanos um conceito alternativo à Bienal do Livro.
"Adotamos um modelo inspirado nas feiras ibéricas, de Portugal e Espanha, com tendas de rua onde editoras expõem diretamente seus livros. Os próprios editores, muitas vezes, estão no atendimento ao público, criando contato direto entre leitores, autores e outros responsáveis pelas publicações. Os debates ocorrem em paralelo, promovendo trocas horizontais", explica Werneck.
O fundador conta que, na primeira edição, a feira foi realizada sem apoio institucional. No ano seguinte, retornou ao Pacaembu com estrutura ampliada, viabilizada por meio da Lei Rouanet, e com apoio da prefeitura e parceiros comerciais. Estabelecida na agenda cultural e comercial de São Paulo, o evento mostrou quer contribuir para a sustentabilidade do setor de livros, proporcionando o acesso democrático à leitura e estreitando os laços entre leitores e escritores.
O mercado editorial brasileiro enfrenta grandes desafios estruturais, relacionados ao encarecimento da produção e dos insumos em razão da alta do dólar e da dificuldade de repassar esses custos ao consumidor final. Mesmo assim,as editoras brasileiras registraram, em 2024, um faturamento de R$ 4,2 bilhões com a venda de livros, alta de 3,7% em relação ao ano anterior,segundo levantamento realizado pela Nielsen BookData, sob coordenação da Câmara Brasileira do Livro (CBL).
Apesar do crescimento em valores absolutos, houve retração de 1,1% quando considerado o índice de inflação acumulado no período, de 4,83%. A pesquisa também indica a produção de 44 mil títulos ao longo do ano, dos quais 23% correspondem a obras inéditas. No total, 366 milhões de exemplares foram disponibilizados no mercado editorial nacional, consolidando o volume impresso durante o ano-base do estudo.
Para Paulo Werneck, as feiras ao ar livre trouxeram um novo fôlego a essa indústria. Como os editores e autores competem diretamente com o comércio eletrônico e encaram dificuldades para recuperar os valores investidos nas obras, os festivais literários aliviam a pressão, ao garantir vendas rápidas para equilibrar as contas.
"A feira cumpre um papel estratégico. Por ter custos acessíveis, possibilita a participação de editoras menores em condições semelhantes às das maiores, criando assim um ambiente onde todos ganham", explica. "Muitas editoras independentes se unem para compartilhar estandes maiores, superando em visibilidade até as grandes casas editoriais. Essa configuração permite que pequenos editores apresentem suas obras lado a lado com grandes grupos, viabilizando a venda direta ao público e a divulgação de seus catálogos.
Segundo os organizadores, em 2025, a Feira do Livro reúne mais de 150 editoras, 13 livrarias e outras instituições ligadas ao setor. Para participar, os interessados pagam uma taxa de concessão de espaço, que varia com o formato escolhido: uma bancada, bancada dupla e uma tenda completa. No entanto, a Quatro Cinco Um e a Maré Produções não têm participação nos lucros das editoras. Além dos apoios da Lei Rouanet, viabilizada pelo Ministério da Cultura, e da Prefeitura de São Paulo, o projeto conta também com patrocínio de grandes empresas como Petrobras, Itaú e Motiva.
"A contribuição das editoras, o apoio governamental e os patrocínios ajudam a fechar nosso orçamento e garantir uma receita diversificada. Já a Prefeitura nos isenta de taxas e o Museu do Futebol nos concede o espaço da Charles Miller. É um modelo de negócios sem fins lucrativos, o excedente que geramos é reinvestido no projeto e nas próximas edições".
Em 2025, a Feira do Livro celebra os 40 anos da redemocratização do Brasil, relembrando o papel histórico da Praça Charles Miller nas mobilizações políticas do período e a importância dos livros como símbolos de resistência. "Em regimes autoritários, a censura a livros costuma ser uma das primeiras medidas adotadas, o que reforça seu papel na defesa da liberdade de expressão", diz Werneck.
Nesta edição, a Feira traz romancistas conhecidos como Pedro Bandeira, Ignácio de Loyola Brandão e Veronica Stigger. Também estão incluídas outras figuras populares como Raphael Montes, Tati Bernardi, Lazaro Ramos e Marcelo Rubens Paiva.
O diretor-geral enfatiza que a luta pela democracia também passa pela promoção da diversidade, até no universo literário, onde o encontro de ideias pode fazer a diferença na vida dos leitores. Com esse compromisso, a Feira também tem se tornado espaço de lançamento de jovens escritores, muitos deles vindos das periferias de São Paulo.
"O festival é um espaço tanto de encontro com autores consagrados quanto de descoberta de novas vozes. Essa diversidade é parte central da nossa proposta. A presença de autores com diferentes trajetórias amplia o alcance do evento e reforça sua função de promover acesso democrático à produção literária. Além de mostrar a esse jovens talentos que a vida intelectual é uma opção profissional e pode ser remunerada de maneira justa".
Para Werneck, realizar anualmente um evento como a Feira do Livro traz impactos que vão além do mercado editorial, pois seus efeitos são perspectiveis na evolução da cultura local e no senso de cidadania. "Para uma criança, crescer em uma cidade onde há um festival literário anual é algo marcante. Quem vive em Paraty, por exemplo, que sedia a Flip [Festa Literária Internacional de Paraty] entende bem isso, porque não apenas movimenta o comércio e o turismo, como também transforma a vida dos moradores. Esses projetos criam experiências que impactam a vida das pessoas de forma duradoura."
O sucesso das edições anteriores e o forte engajamento do público para o evento deste ano traz boas expectativas ao empreendedor sobre o futuro. Paulo Werneck reconhece o potencial de outras cidades brasileiras para receber feiras literárias, como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Palmas, mas optou por manter a operação na capital paulista. Apesar da cautela, ele não descarta a possibilidade de expansão nos próximos anos.
"São Paulo devia ao país um festival literário gratuito e de rua. É a capital com mais editoras, leitores e, possivelmente, livrarias, mas ainda não tinha um evento desse tipo. Agora, estamos entregando esse presente à cidade".