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Temasa: indústria catarinense de móveis desmontados exporta 100% da operação, 45% para os Estados Unidos (Temasa/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 6 de agosto de 2025 às 06h10.
Por décadas, o móvel brasileiro fez o caminho do interior do Sul até os galpões logísticos da costa leste dos Estados Unidos — atravessando portos, distribuidores e grandes redes varejistas.
Com design adaptado ao gosto americano, produção verticalizada e preços competitivos, o Brasil se consolidou como um dos principais fornecedores do maior mercado consumidor do mundo. Esse fluxo, construído ao longo de mais de 30 anos, agora está em risco.
A nova tarifa de importação de 40%, somada aos 10% já em vigor, altera a lógica de rentabilidade e operação da indústria exportadora de móveis. A medida, que entra em vigor nesta quarta-feira, 6, é vista como um divisor de águas para centenas de empresas que têm nos Estados Unidos seu principal destino internacional. Em alguns casos, esse mercado representa mais de 80% das vendas ao exterior.
“O cliente pediu para segurar o embarque. Disse que não vai cancelar, mas quer esperar. Ninguém sabe como agir”, afirma Leonir Tesser, diretor da Temasa, indústria catarinense que exporta 100% da produção — sendo 45% só para os Estados Unidos.
A Temasa, sediada em Caçador, produz 1,3 milhão de peças de móveis desmontados por mês, com clientes em mais de 40 países. “Criamos uma operação sustentável, do plantio da árvore ao móvel na loja. Perder um cliente desses significa perder espaço que levamos anos para conquistar.”
O impacto da medida é concreto: a Abimóvel, a associação que representa as empresas do setor moveleiro, estima que 10.000 empregos diretos podem ser perdidos, com potencial de chegar a 50.000 quando incluídos os indiretos.
A cadeia afetada vai de serrarias a operadores logísticos, passando por fornecedores de ferragens, tintas, painéis e acabamentos. “Tem empresas que fazem produtos exclusivos para o mercado americano. A dificuldade é enorme”, afirma Irineu Munhoz, presidente da entidade.
Apesar de uma redução no volume total nos últimos dois anos, os Estados Unidos seguem como o principal destino das exportações de móveis brasileiros, com 225 milhões de dólares embarcados em 2024 — quase o triplo do segundo colocado, o Uruguai.
Esse protagonismo americano foi construído por empresas de diferentes portes, que adaptaram processos, produto e logística para atender um consumidor exigente — e que pagava em dia.
A aplicação da nova tarifa muda completamente essa lógica. “Agora, temos clientes americanos postergando pedidos e suspendendo embarques. A insegurança é dos dois lados”, afirma Pimentel. A consequência imediata é visível: férias coletivas, estoques represados e um setor sem visibilidade para o segundo semestre.
No interior de Santa Catarina, a cinquenta quilômetros da BR-116, a cidade de Caçador abriga um dos casos mais relevantes da atual crise do setor.
A Temasa, indústria especializada em móveis desmontados de madeira de pinus, exporta 100% da produção. Quase metade desse volume tem como destino os Estados Unidos. O impacto da nova tarifa é imediato — e profundo.
“É como se alguém passasse o pé num monte de formiga. Todo mundo ficou desnorteado”, diz Leonir Tesser, diretor da empresa. “Tanto fabricantes quanto clientes não sabem como se comportar. A tarifa está aí, mas ninguém tem clareza sobre o que vai acontecer na prática.”
A empresa opera com uma estrutura verticalizada: do plantio da árvore ao corte, secagem, processamento e montagem dos móveis. A produção chega a 1,3 milhão de peças por mês, embarcadas em 80 contêineres para grandes redes varejistas dos EUA, Canadá, Europa e Ásia. “Nosso foco é o modelo do it yourself, com móveis compactos e desmontados, pensados para o consumidor americano”, explica Tesser.
A Temasa tem 850 funcionários diretos, distribuídos entre duas unidades industriais em Caçador e Santa Cecília, além de uma operação florestal. Redirecionar a produção para outros mercados não é simples. “Para entrar em outro mercado, é preciso tirar espaço de alguém. E nossos móveis foram desenhados com engenharia e design específicos para o perfil do consumidor dos Estados Unidos.”
Desde o anúncio da tarifa, a empresa viu o ritmo de embarques cair. “Não tivemos cancelamentos formais, mas há muitos pedidos postergados. Os clientes não estão cancelando, mas pedem para esperar. Isso gera uma insegurança enorme. Temos estoque, temos planejamento de produção e agora não sabemos como tocar o segundo semestre.”
“Podemos absorver parte da tarifa na margem, mas isso não se sustenta por muito tempo. Estamos falando de margens apertadas e cadeias planejadas com muita antecedência.”
A preocupação maior está em perder o espaço que levou anos para ser conquistado. “Loja americana é ponto de venda disputado. Se você sai, alguém entra no seu lugar. Retomar isso depois é muito difícil. É por isso que estamos acompanhando cada movimento com atenção”, afirma o executivo.
O impacto do tarifaço é mais severo nas cidades que concentram o grosso da exportação moveleira — com destaque para Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná.
Em comum, esses estados abrigam polos industriais organizados, empresas exportadoras consolidadas e uma cadeia de fornecedores que depende da continuidade dos embarques para o exterior.
São Bento do Sul, no norte catarinense, é um dos centros mais expostos. Segundo o Sindusmobil, que representa o setor na região, cerca de 62% das exportações locais vão para os EUA.
“Temos 398 indústrias de móveis na região. Algumas têm 10% de exposição aos Estados Unidos, outras mais de 90%. Para muitas, esse mercado sustenta toda a operação”, afirma Luiz Carlos Pimentel, presidente do sindicato.
O efeito já é visível: empresas com linhas paradas, sindicatos acionados e férias coletivas implementadas desde a semana passada.
No Rio Grande do Sul, a Artemobili, segunda maior empregadora de Nova Prata, viu o impacto da noite para o dia. “Tínhamos 20 contêineres prontos para embarque. A maioria foi cancelada. Nossa produção é sob encomenda, não há como redirecionar esse tipo de pedido”, explica Gabriel Cherubini, CEO da empresa. Com 90% da produção voltada ao exterior, sendo 80% para os EUA, a empresa colocou toda a equipe em férias coletivas.
No Paraná, a Toro Bianco, fabricante de estofados de couro, também já sente os efeitos. Com 50% do faturamento vindo da exportação, sendo 20% para os Estados Unidos e Porto Rico, a empresa teve os embarques de agosto cancelados. “No nosso segmento, perder espaço no ponto de venda significa ficar fora por meses. É muito difícil reconquistar esse lugar depois”, explica a diretora Marcela Carandina.
A cadeia moveleira brasileira é composta por uma série de fornecedores que orbitam o produto final: painéis de madeira, ferragens, tintas, vernizes, tecidos, embalagens, estofamentos e componentes químicos.
Com a retração nas exportações, esse ecossistema começa a paralisar junto com os fabricantes.
Na Renner Sayerlack, de Cajamar (SP), líder na produção de tintas e vernizes para móveis, os sinais de crise chegaram pelas pontas. “Clientes brasileiros que exportam para os EUA começaram a cancelar pedidos. Eles perderam contratos, e com isso suspenderam a produção”, diz Marcelo Cenacchi, diretor-geral da empresa. “Acreditamos que 90% desses clientes serão fortemente afetados se a tarifa persistir. Já há paralisação de linhas inteiras.”
O mesmo acontece na Eucatex, fornecedora de painéis de madeira com sede em São Paulo.
Com 82% das exportações destinadas aos EUA no primeiro semestre de 2025, a empresa já discute aumentos de preços com os distribuidores. “Teremos que repassar custos ao consumidor final. Mas há risco de perda de volume e redução de margens. Estamos mapeando outros destinos, mas isso leva tempo”, afirma Paulo Freitas, diretor de Assuntos Comerciais.
Em muitos casos, os fornecedores já estavam com a produção engatada. “Tem fornecedor que cortou árvores para atender pedidos agora cancelados. A madeira tem vida útil. É perda na veia”, afirma Gabriel Cherubini, da Artemobili.
Desde março, o setor moveleiro acompanha com preocupação os sinais de endurecimento tarifário por parte dos Estados Unidos.
A Abimóvel intensificou as articulações junto ao governo federal para buscar alternativas diplomáticas. A principal frente, neste momento, é a Seção 232 da legislação americana, que ainda está em processo de análise.
“A Seção 232 é uma ferramenta usada pelo governo americano para avaliar se produtos importados afetam a segurança nacional. Os móveis brasileiros foram incluídos nessa investigação, iniciada em março. A leitura de parte do setor é que, enquanto a investigação não for concluída, os produtos envolvidos não deveriam ser tarifados”, explica Irineu, da Abimóvel.
A análise está em curso e o resultado deve sair até 4 de novembro. Até lá, existe uma brecha para que as tarifas não sejam aplicadas a alguns códigos específicos. Mas não há garantia. “A situação é de incerteza total. Alguns clientes acreditam que ainda não haverá a taxação. Outros já estão saindo do jogo. Estamos no escuro”, afirma Pimentel, do Sindusmobil.