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Os empreendedores da Faixa de Gaza: a reportagem da EXAME que mostra como o mundo mudou em 8 anos

Resiliência e inovação em meio ao caos, enquanto o bloqueio e a guerra desafiam o setor empresarial local

Faixa de Gaza: Israel quer ter total controle do território (Anadolu / Colaborador/Getty Images)

Faixa de Gaza: Israel quer ter total controle do território (Anadolu / Colaborador/Getty Images)

Da Redação
Da Redação

Redação Exame

Publicado em 7 de agosto de 2025 às 14h49.

Última atualização em 7 de agosto de 2025 às 15h05.

Muita coisa mudou na Faixa de Gaza nos últimos anos. O território tem cerca de 42 quilômetros de extensão e 5 mil habitantes por km² — número que sobe para 9 mil na Cidade de Gaza. Com 2,1 milhões de habitantes, quantidade reduzida nos últimos dois anos em meio à guerra com Israel, o território está na mira do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que, nesta quinta-feira, 7, afirmou que pretende "ter o controle total de Gaza".

Os problemas de Gaza se agravaram drasticamente com a guerra iniciada em outubro de 2023: o desemprego atingiu 79,7%, quase 100% da população vive na pobreza, o produto interno bruto (PIB) sofreu contração de 84,7% e a economia entrou em colapso total. A eletricidade, que antes era fornecida por uma média de 12 horas por dia, foi reduzida a zero em 2024, segundo análises de imagens de satélite de baixa luminosidade do sensor VIIRS da Nasa/NOAA.

Após a ofensiva israelense iniciada em outubro de 2023, o setor empresarial de Gaza enfrentou um colapso sem precedentes. De acordo com relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Banco Mundial, aproximadamente 56 mil empresas formais estavam registradas no território antes do conflito, mas 85% suspenderam completamente suas atividades, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) e a Economic and Social Commission for Western Asia (ESCWA). Isso significa que cerca de 47,6 mil empresas estão fora de operação, agravando ainda mais o desemprego recorde e a deterioração das condições de vida na Faixa de Gaza.

A EXAME visitou Gaza em 2017 para conhecer seu ambiente empreendedor. Nossa reportagem encontrou, por lá, histórias de superação e espírito inovador — como nas regiões mais desafiadoras do Brasil ou de qualquer outro país. Relembre três histórias.

Gaza Sky Geeks: inovação em meio ao caos

Se o bloqueio é físico, para os palestinos, a melhor resposta desde então tem sido a tecnologia da informação. Foi isso que entenderam os criadores da Gaza Sky Geeks, incubadora e aceleradora de startups fundada em 2011 com patrocínio da Mercy Corps, entidade americana de ajuda humanitária.

O nome dado à organização tinha como objetivo ser inspirador: quando se está em Gaza, instintivamente se olha para o céu e para o mar em busca de alívio da angústia do confinamento, de acordo com seus fundadores. A Gaza Sky Geeks começou em um apartamento oferecendo cursos de informática e empreendedorismo nos fins de semana ou simplesmente acesso à internet em um território onde havia eletricidade apenas algumas horas por dia.

Apesar de não haver eletricidade centralizada hoje, a organização continua operando por meio do programa Elevate 2025, que recruta empresas de tecnologia palestinas tanto de Gaza quanto da Cisjordânia. As metas atualizadas para 2025 incluem dobrar o número de graduados para 10 mil participantes anuais, criar mais de 50 mil novos empregos até aquele ano e expandir seu impacto para novas regiões e setores. Em 2024, o programa Elevate apoiou mais de 20 empresas com capacitação em marketing, branding e acesso a mercados.

No campo dos investimentos, o cenário também mudou: o Ibtikar Fund fechou seu segundo fundo em 2024 com US$ 25 milhões, superando a meta inicial de US$ 15 milhões, e recebeu US$ 3 milhões do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento para investir em até 25 startups palestinas com potencial regional ou global. Entre os investidores atuais estão o Ibtikar Fund II, o Bank of Palestine Bridge Finance Initiative, que destinou meio milhão de dólares a startups impactadas pelo conflito, e a International Finance Corporation, que liberou um pacote de até US$ 100 milhões de para o Banco da Palestina.

Muitos palestinos gostariam de ter deixado Gaza durante aqueles anos, mas eram impedidos por Israel. Os profissionais por trás da Sky Geeks fizeram o caminho inverso.

Moamin Abu Ewalda saiu de Gaza em 2001, aos 18 anos, depois de concluir o ensino médio. Estudou engenharia das telecomunicações na Universidade de Ciência e Tecnologia Miser, no Cairo. De lá foi trabalhar em Dubai com infraestrutura de telecomunicações. Em 2014, voltou a Gaza.

“Eu queria fazer algo pelo lugar onde nasci, compartilhar minha experiência, não só como engenheiro. Esse povo precisa também de autoconfiança para lutar na sua vida diária”, contou ele à EXAME oito anos atrás.

Apesar dos desafios — o edifício que abrigava a Gaza Sky Geeks foi severamente danificado, 85% da população foi forçada a deixar suas casas e 63% dos prédios no geral foram destruídos ou sofreram danos pesados, segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) — iniciativas como a Gaza Sky Geeks continuam trabalhando para manter vivo o ecossistema tecnológico palestino.

Entre Pepsis e morangos

A Faixa de Gaza, ainda marcada por um contexto de dificuldades políticas, econômicas e sociais, tem se mostrado um terreno fértil para o empreendedorismo, mesmo em tempos de crise. De 2017 a 2024, o cenário mudou significativamente.

Em 2017, Hammam Yazegi já era uma figura central no cenário empresarial de Gaza, liderando o Grupo Yazegi, herança de sua família, e responsável por distribuir grandes marcas como Pepsi, 7-Up e Mirinda na região.

Naquele ano, Yazegi já demonstrava seu pragmatismo, aplicando uma filosofia de capitalismo de escala, com margens pequenas e grandes volumes de venda. Sua abordagem focava em reduzir preços para aumentar a competitividade, o que se refletiu na baixa de preços da Pepsi durante o corte de salários do governo palestino em 2024, aumentando as vendas e o faturamento.

Hammam Yazegi, herdeiro da Pepsi na Faixa de Gaza e fundador de outras três empresas

Hammam Yazegi, herdeiro da Pepsi na Faixa de Gaza e fundador de outras três empresas, em 2017 (Lourival Sant'Anna/Exame Hoje)

O Café Gahwetna, que começou como uma simples ideia para oferecer um local de socialização durante o Ramadã, já operava de forma bem-sucedida, reunindo até 700 pessoas por noite para quebrar o jejum e socializar. Mas 2024 trouxe novas iniciativas e uma adaptação ainda mais focada no digital.

Em meio à deterioração do mercado e da situação política, Yazegi abriu sua agência de marketing, percebendo que, para empresas locais sobreviverem e prosperarem, seria necessário repensar as estratégias comerciais. Além disso, sua experiência com o Café Gahwetna se expandiu, combinando preços acessíveis com boa qualidade, inspirando-se em modelos simples de inovação como o quadro de mensagens que viu no Facebook, promovendo uma maior interação com os clientes.

Por outro lado, Akram Abu Khusa, pequeno agricultor de morangos, exemplifica a continuidade e a resistência de negócios tradicionais.

Em 2017, sua plantação de morangos orgânicos já era uma referência em Gaza, certificada pela Global Gap. Ele utilizava a agricultura de estufa em uma área de 15.000 m² para suprir tanto o mercado local quanto o europeu, com sua produção de 50 toneladas anuais. Ao longo dos anos, a crise política e as restrições de recursos, como água e combustível, impactaram a produtividade, com uma redução drástica do número de propriedades agrícolas na Faixa de Gaza. De 2,5 mil pequenas propriedades em 2000, restaram apenas 300, segundo dados da Global Gap.

AGRICULTURA PARA EXPORTAÇÃO: Akram Abu Khusa, dono de fazenda de morangos

Akram Abu Khusa, dono de fazenda de morangos, em 2017 (Lourival Sant'Anna/Exame Hoje)

Em 2024, o cenário mudou para Akram, com a produção caindo para 35 toneladas de morangos devido aos novos desafios impostos pela escassez de recursos. Mesmo assim, ele conseguiu aumentar o preço local do quilo de morango, que subiu de 1 shekel em 2023 para 1,80 shekel em 2024, devido à alta demanda interna, embora ainda seja muito inferior aos preços pagos pelo mercado europeu. Enquanto as exportações para a Europa, via Israel, diminuíram, o mercado local continuou absorvendo 60% de sua produção.

As empresas, que em 2017 enfrentavam um mercado contido, agora lidam com uma economia em total colapso. Gaza não é para amadores. Mas quem disse que os palestinos são?

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