Patrick Sigrist, Beatriz Degani e Bernardo Mergar, da Iorq: (Iorq/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 5 de agosto de 2025 às 08h00.
Patrick Sigrist carrega uma fama boa — mas que pode ser, no mínimo, desafiadora. Ele fundou o iFood e a Nomad, duas empresas que ajudaram a moldar o que hoje se espera de um app de delivery ou de um banco global para brasileiros. Dá para dizer, inclusive, que existe um mercado antes e depois dessas startups.
Agora, ele quer repetir a dose com a Iorq, uma empresa que promete “orquestrar” todo o processo de crédito — da concessão até a gestão de garantias — e que já nasce com 2,5 bilhões de reais sob gestão.
O detalhe curioso: a Iorq nasce da aquisição da Quatá Investimentos, gestora que foi justamente o berço da QI Tech, mais recente unicórnio brasileira e hoje uma das principais empresas de infraestrutura para — veja só — crédito no país.
“Hoje a gente é complementar. Inclusive, consumimos serviços da própria QI Tech”, afirma Sigrist. “Mas o nosso foco está em orquestrar o ciclo inteiro do crédito — não apenas em viabilizar a transação. Tem a parte de infraestrutura, mas tem, também, o crédito.”
Com ele no projeto estão a até então CEO e uma das fundadoras da Quatá, Beatriz Degani, e Bernardo Mergár.
Para além do lançamento, a empresa acaba de captar 35 milhões de reais em uma rodada liderada por Monashees, Upload Ventures, ONEVC e Norte. O objetivo é claro: escalar a tecnologia e avançar no modelo white-label, onde empresas operam crédito com a estrutura da Iorq por trás.
“A maior parte do dinheiro vai para a tecnologia. É ela que viabiliza tudo isso”, diz Sigrist. “A gente quer ser eficiente como uma fintech, mas com a robustez de uma gestora.”
Para 2025, a meta é crescer 50% na base de ativos, consolidar as duas frentes de atuação — crédito direto e infraestrutura white-label — e se preparar para uma nova rodada de captação até 2026.
Sigrist evita dizer que está criando uma nova categoria. Mas admite que o impacto pode ser semelhante ao que viu em outros momentos da carreira. “No futuro, vamos olhar para trás e pensar: como deixavam o crédito tão analógico?”, diz. “Acho que estamos no início de uma virada importante.”
Patrick Sigrist é um nome familiar para quem acompanha o ecossistema de inovação no Brasil. Ele é o fundador do iFood, plataforma que revolucionou o mercado de delivery no país, e da Nomad, fintech que viabiliza contas em dólar para brasileiros nos Estados Unidos. Em comum, duas empresas que criaram categorias e foram copiadas por concorrentes.
Sua trajetória também inclui participações em outras iniciativas relevantes, como o banco digital Neon e o fundo Yellow Ventures, voltado a startups em estágio inicial. Antes disso, ele se formou em Engenharia Florestal pela USP, fez mestrado nos Estados Unidos e passou pelo programa de venture capital da Universidade de Berkeley.
No caso da Iorq, o cenário é mais complexo. Sigrist não está apenas lançando uma startup. Ele está entrando em um setor altamente técnico, tradicionalmente dominado por bancos e com desafios específicos de regulação, risco e estrutura.
“É um novo desafio. Crédito é um mercado gigantesco, mas ainda muito pouco eficiente. Tem muita margem e pouca tecnologia”, afirma Sigrist.
A comparação com o iFood e a Nomad é inevitável. Mas o próprio empreendedor trata o novo projeto com outro peso. “Não é como criar um mercado do zero. O crédito já existe. O que a gente quer mudar é a forma como ele é operado”, diz.
A proposta central da Iorq é dar autonomia para que empresas operem crédito com suas próprias regras, riscos e objetivos.
Em vez de depender de bancos para oferecer capital a fornecedores, clientes ou parceiros, uma empresa pode usar a infraestrutura da Iorq para criar sua própria operação financeira.
Esse modelo se apoia na lógica do embedded finance, ou finanças embutidas — quando companhias que não são do setor financeiro passam a oferecer serviços como crédito ou pagamentos. É o que já fazem, por exemplo, grandes varejistas que oferecem cartões ou empréstimos dentro de suas plataformas.
“Hoje, quem tem capital e controle da relação com o cliente são as empresas. Faz sentido que elas possam operar o crédito também”, afirma Sigrist. “Nosso papel é dar a estrutura para isso acontecer.”
É algo semelhante ao que faz a QI Tech.
O diferencial, segundo Sigrist, é na orquestração completa do crédito. Isso inclui desde a tecnologia para originar uma operação até a análise de risco, estruturação de garantias, monitoramento e até o fornecimento do dinheiro (o chamado funding). As empresas escolhem o que querem usar — o pacote completo ou apenas partes da solução.
Esse modelo também permite que empresas criem produtos financeiros com sua própria marca — conhecidos como white-label. Na prática, é como se uma indústria pudesse virar um pequeno banco, mas sem toda a complexidade de construir uma estrutura do zero.
A origem da Iorq é incomum para uma startup. Em vez de começar do zero, Sigrist optou por adquirir a Quatá Investimentos, uma gestora com 16 anos de atuação no mercado de crédito estruturado. Foi a partir dessa aquisição que a Iorq ganhou corpo — e capital.
“Dar crédito é fácil. Difícil é saber se você está dando direito. Por isso, quisemos começar com uma base sólida”, diz Patrick.
A Quatá tem histórico robusto: mais de 15 bilhões de reais em crédito originado e reconhecimento no mercado pela disciplina de risco. Mais do que isso, ela tem um papel curioso na história recente do setor: foi dentro da Quatá que nasceu a QI Tech, uma das fintechs mais bem-sucedidas da nova leva e que virou unicórnio.
Hoje, as duas empresas estão separadas — mas a IORQ acaba entrando em um mercado onde a QI Tech já atua com força. A relação, por enquanto, é de cooperação. “A gente ainda consome serviços da QI Tech. É complementar. Eles são administradores, nós somos gestores”, afirma Sigrist.
A estrutura inicial inclui também um time experiente, com passagens por instituições como Itaú, Nubank, além de formação técnica em Stanford, Harvard e ITA. São cerca de 70 pessoas na operação, com sede na Faria Lima, em São Paulo.
A Iorq mira inicialmente empresas com faturamento acima de 500 milhões de reais. São companhias que têm estrutura, fluxo recorrente e necessidades específicas de crédito — como antecipação de recebíveis, capital de giro ou financiamento de parceiros.
"Os bancos fogem das operações médias porque custa caro analisar, aprovar e monitorar. A gente consegue fazer isso com eficiência e escala”, diz Sigrist.
A médio prazo, a Iorq quer avançar para empresas menores, aproveitando a automação como ferramenta para reduzir o custo de operação. O desafio é equilibrar risco e escala, sem perder controle.
“Queremos transformar empresas em hubs financeiros. Para isso, é preciso mais do que uma API — é preciso conhecimento, processo e segurança”, resume Bernardo Mergar.