Michael Traub, CEO global da Stihl: “Não há nenhuma chance de rever nossos investimentos no Brasil. É um ativo estratégico, insubstituível.” (Daniel Giussani/Exame)
Repórter de Negócios
Publicado em 11 de setembro de 2025 às 06h10.
WAIBLINGEN, ALEMANHA* -- Às margens do rio Rems, em Waiblingen, uma cidadela histórica de apenas 52.000 habitantes no sul da Alemanha, esconde-se a sede de uma das maiores fabricantes de equipamentos motorizados do mundo, de cortadores de grama a motoserras.
O endereço, cercado por um naco de mata típica da região, poderia passar despercebido não fosse o peso das decisões tomadas ali.
É dali que a Stihl, uma companhia com 5 bilhões de euros em faturamento global, define estratégias que reverberam em mais de 160 países — inclusive no Brasil, onde a operação responde por uma receita de 3,6 bilhões de reais anuais.
A Stihl chega a 2026, ano em que completa um século de fundação, sob pressão de forças externas difíceis de controlar.
A escalada de tarifas em mercados estratégicos, combinada a uma transformação de mercado no uso de bateria no lugar do motor a combustão, desafia a companhia a equilibrar tradição e inovação.
No Brasil, sua principal base na América Latina, o peso da política comercial com os Estados Unidos colocou sob pressão um modelo de negócios que parecia estável há décadas.
“É significativo”, disse Michael Traub, CEO global da Stihl, ao comentar os efeitos das tarifas à EXAME durante um evento global da empresa na Alemanha. A companhia enfrenta sobretaxas de 15% na Europa, 39% na Suíça e 50% no Brasil sobre exportações para os Estados Unidos. “Pode mudar a qualquer momento, mas já está pressionando o setor”, afirma.
Apesar disso, o executivo reforça o compromisso de longo prazo com a operação brasileira.
“Governos mudam a cada quatro anos. Nós estamos aqui há cem”, diz.
Para ele, a fábrica de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, continua sendo estratégica: “Estamos no país há cinco décadas. Em São Leopoldo, produzimos cilindros e componentes que abastecem toda a América Latina. Tarifas vêm e vão, mas nós ficamos.”
A companhia também se apoia em sua presença histórica nos Estados Unidos, onde mantém há mais de cinco décadas sua maior fábrica fora da Alemanha.
Em Virginia Beach, produz mais de 100 equipamentos, entre eles 30 modelos movidos a bateria. Segundo Traub, mais de 60% dos componentes usados são comprados localmente, o que dá resiliência em meio à guerra de tarifas.
“Estamos lá há cinquenta anos, não porque o governo pediu, mas porque acreditamos em produção local. Hoje, isso se mostra ainda mais importante”, afirma.
No horizonte, a Stihl aposta em manter dois motores ao mesmo tempo: gasolina para aplicações pesadas e bateria em mercados que puxam a transição, como Alemanha e França.
A inauguração de uma nova fábrica de baterias na Romênia simboliza essa virada. “Escolhemos não ser dogmáticos. Se o cliente quiser gasolina, terá o melhor motor a combustão. Se quiser bateria, terá o melhor sistema completo. Jogamos onde a bola está, não onde gostaríamos que estivesse”, afirma Traub.
O tarifaço imposto pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros é hoje a maior barreira enfrentada pela Stihl em sua operação sul-americana.
A sobretaxa de 50% sobre exportações de São Leopoldo colocou pressão sobre a cadeia produtiva.
Segundo Traub, não há absorção possível no longo prazo.
“No longo prazo, quem paga é o consumidor, não há outra saída. Não existe absorção possível. Tarifa é choque no sistema, e choque não se acomoda sozinho”, diz.
A fábrica gaúcha, no entanto, segue no centro da estratégia. “Estamos no país há cinco décadas, abastecendo toda América Latina. Muitos concorrentes saíram da Argentina, por exemplo, e nós ficamos”, diz. “Não há nenhuma chance de rever nossos investimentos no Brasil. É um ativo estratégico, insubstituível.”
Apesar de manter investimentos e olhar estratégico para o Brasil, Traub não nega que o tarifaço afeta a demanda.
“Consumidores estão guardando dinheiro no bolso em vez de gastar. Isso nos deixa mais cautelosos em relação ao segundo semestre”, afirma.
A Stihl decidiu manter um pé em cada tecnologia.
“A pergunta é como podemos liderar em gasolina e bateria ao mesmo tempo. E não de forma dogmática, mas pragmática”, afirma Traub.
O CEO acredita que até 2030 o mercado global de equipamentos motorizados terá mais de 70% de participação das baterias, mas sem a eliminação completa da gasolina.
“Profissionais ainda precisam de motor a combustão para os trabalhos mais pesados. Ninguém sabe se será 15%, 25% ou 30% da fatia do mercado, mas vamos estar preparados”, diz.
Na prática, a empresa aposta em sistemas integrados.
“Não é sobre um único produto, mas sobre um ecossistema em que uma bateria serve para diferentes máquinas. Isso é o que acreditamos ser crucial”, afirma.
O paralelo com o setor automotivo serve de alerta.
“A indústria do carro foi dogmática. Primeiro disse ‘é só elétrico’, depois ‘é elétrico primeiro’. Acabaram confundindo a si mesmos e os clientes. Nós não vamos repetir esse erro”, diz.
Se as tarifas são um obstáculo imediato, a concorrência chinesa é um risco de longo prazo. “É o que me mantém acordado à noite”, afirma Traub.
Nos últimos meses, a companhia decidiu transferir parte da pesquisa e desenvolvimento em robótica para a China. “Se não pode vencê-los, junte-se a eles. Não temos a velocidade e a agilidade para competir nesse campo a partir da Europa”, diz.
A decisão, segundo ele, não foi fácil.
“Foi uma escolha dura, mas necessária. Estávamos deixando de ser reconhecidos como concorrentes relevantes nesse segmento. Essa mudança é vital para voltar ao jogo”, afirma.
O movimento reflete a pressão das empresas chinesas nos canais de distribuição.
“Vemos fabricantes chineses despejando produtos em mercados como Austrália e Nova Zelândia, além da Europa. Isso pressiona preços e força ajustes de estratégia”, diz.
Para Traub, a rede de revendedores especializados continua sendo a principal defesa. “Se dependêssemos só de grandes varejistas, seria muito mais difícil. Nossa rede de dealers é a fortaleza da Stihl e seguirá central”, afirma.
Apesar do otimismo em relação à fortaleza do negócio, Traum entende que as previsões iniciais da pandemia, de que a Stihl alcançaria facilmente um faturamento de 8 bilhões de euros, estavam alavancadas.
Parte da pressão vem também do avanço das baterias. “O investimento em bateria é consideravelmente mais alto que o investimento de sustentação em gasolina. Mas já estamos vendo retorno, com custos mais sob controle”, diz. “Temos um índice de capital próprio de 69% e fluxo de caixa robusto. Este ano, o resultado provavelmente será satisfatório”, afirma.
O Brasil ocupa lugar de destaque na fala de Traub. “Estamos no país há cinquenta anos. A fábrica de São Leopoldo é uma joia da coroa no nosso sistema global de produção”, diz.
O site gaúcho produz motores e cilindros exportados para toda a América Latina. “É um dos nossos maiores centros fora da Alemanha. Temos um time fantástico lá”, afirma.
O mercado latino-americano, segundo ele, seguirá majoritariamente a combustão, mas com avanços graduais das baterias. “Será uma região de motor a combustão por muito tempo, com bolsões de bateria. Mas vamos expandir o portfólio, mesmo em outro ritmo”, afirma.
*A reportagem viajou a convite da Stihl