Kalina Rameiro, à frente do ateliê que leva seu nome: “O mundo precisa do que só você tem: o seu jeito, o seu olhar e a sua história”
Jornalista especializada em carreira, RH e negócios
Publicado em 27 de agosto de 2025 às 11h00.
Última atualização em 28 de agosto de 2025 às 10h33.
Antes mesmo de entender o que era empreender, Kalina Rameiro já acompanhava as avós crocheteiras sustentarem a família com o trabalho artesanal. Foi assim que, sem perceber, começou a desenhar a própria história. Primeiro, as linhas e tecidos foram seus brinquedos. Depois, enquanto alguns colegas levavam lanche à escola, ela levava criações – inspiradas na cultura de seu povo, na força das mulheres da família e nas pedras de opala da região onde nasceu, Pedro II (PI). As peças despertaram interesse e logo se transformaram em vendas nos corredores. “Foi como se o primeiro ateliê tivesse nascido ali, entre cadernos e conversas”, lembra.
De lá para cá, não parou mais. Começou produzindo em casa e, em 2001, deu um passo importante ao estruturar o espaço físico do Atelier Kalina Rameiro, um lugar onde o luxo encontra o feito à mão, o design dialoga com a ancestralidade e o empreendedorismo se torna ferramenta de impacto social, como ela mesma define. As criações vão de bolsas e almofadas até joias em prata e ouro reciclado. Para este ano, os planos envolvem ampliar a atuação da marca de forma estruturada, fortalecer os processos internos, apostar em inovação com materiais sustentáveis e marcar presença em eventos internacionais como o Maison&Objet, em Paris, que acontece de 4 a 8 de setembro . “Estamos preparando lançamentos que unem a herança cultural brasileira ao luxo contemporâneo, além de buscar parcerias estratégicas e investimentos externos”, adianta.
O início do negócio foi simples, guiado mais pela intuição do que por um planejamento formal. “No começo trabalhava sozinha, mas com muita dedicação e rodeada de sonhos”, lembra Kalina. Segundo ela, faltavam espaço, apoio técnico e recursos. Por isso, as peças eram desenvolvidas com o que estava disponível, como tecidos reaproveitados e ferramentas adaptadas. “Aprendi a valorizar os materiais, a olhar de forma criativa para o que seria descartado”, diz. Foi assim que nasceram peças feitas a partir de palitos de fósforo reaproveitados, que se tornaram símbolo da marca.
Com o tempo, percebeu que era necessário ir além da criatividade. Buscou capacitação em gestão, precificação e operação por meio de livros, cursos e consultorias do Sebrae. “Cada peça era quase um ritual, mas para empreender, precisei organizar processos sem perder a essência. Esse foi o maior desafio”, explica. Isso também significou formar uma equipe que compartilhasse dos mesmos valores. “Não era só sobre contratar, mas sobre construir algo com legado e impacto social”, afirma Kalina, que hoje também atua como facilitadora em ações do Sebrae.
A busca por conhecimento acompanhou a evolução da empresa. Antes da pandemia, a artista plástica chegou a exportar as criações e se dedicou a cursos de logística, certificações e mercado internacional. Com as mudanças no cenário global, as exportações foram pausadas.
O caminho também exigiu determinação e coragem para encarar desafios culturais, como a resistência ao feito à mão. “Muitos ainda viam o artesanal como algo menor, sem espaço no mercado de luxo”, afirma. Com criatividade, consistência e identidade, ela conseguiu mostrar que o saber ancestral pode, sim, estar em vitrines do Brasil e do exterior.
Na visão da empreendedora, o sucesso do negócio está baseado em alicerces consistentes. O primeiro é o propósito: criar mais do que produtos, gerar identidade, cultura e transformação. O segundo é a gestão humana, centrada no cuidado e na escuta. E o terceiro, é o plano de negócios, que serve como bússola. “Mas nada disso seria possível sem uma rede de apoio formada por família, colaboradores, comunidades e clientes”, afirma.
Mais do que estética, o trabalho de Kalina carrega consciência ambiental e impacto social. A sustentabilidade está presente em todas as etapas: da escolha de materiais ao envolvimento com as comunidades. “Nosso processo é manual, cuidadoso e colaborativo. As peças carregam não só design e sofisticação, mas também respeito, responsabilidade e transformação.”
Em 2012, ela participou do projeto A Gente Transforma, criado pelo arquiteto Marcelo Rosenbaum, e realizado em Várzea Queimada, no sertão do Piauí. “Meu papel foi escutar, aprender e cocriar com as mulheres da comunidade. Compartilhei técnicas para transformar matéria-prima simples em produtos com valor e, acima de tudo, fui tocada pela dignidade com que aquelas pessoas enfrentam os desafios da seca, da escassez e do isolamento”, conta. O projeto gerou renda, autoestima e visibilidade para um território por muito tempo invisível.
Para mulheres que desejam ter um negócio, mas sentem medo, Kalina deixa um recado: “O medo faz parte do caminho, especialmente para nós, que muitas vezes carregamos o silêncio de gerações que não puderam sonhar. Não espere se sentir pronta para começar. O empreendedorismo se constrói passo a passo, com coragem e escuta.”
Segundo ela, é preciso sustentar uma ideia, com resiliência, capacidade de adaptação e, principalmente, propósito. “O mundo precisa do que só você tem: o seu jeito, o seu olhar e a sua história”, finaliza.