Negócios

Ela foi doméstica e marisqueira. Hoje é dona de duas empresas

Conheça a história da sergipana Anatália Costa, que transformou receitas regionais em fonte de renda e empoderamento feminino

Anatália Costa, à frente da NatyCake e da Lanchonete MCWilson: “Não é fácil empreender sendo mulher negra – muitas vezes, duvidam da nossa capacidade. Mas desistir não faz parte do meu vocabulário”

Anatália Costa, à frente da NatyCake e da Lanchonete MCWilson: “Não é fácil empreender sendo mulher negra – muitas vezes, duvidam da nossa capacidade. Mas desistir não faz parte do meu vocabulário”

Caroline Marino
Caroline Marino

Jornalista especializada em carreira, RH e negócios

Publicado em 28 de outubro de 2025 às 11h00.

Última atualização em 28 de outubro de 2025 às 11h45.

Filha de uma mulher que enfrentou a violência doméstica e criou sozinha dez filhos, Anatália Costa aprendeu cedo o valor da resiliência. Nascida em Cajazeiras e moradora do povoado Terra Caída, no município de Indiaroba (SE), carrega no sangue a força das quilombolas. Começou a trabalhar aos 11 anos como empregada doméstica para ajudar nas despesas da família e entendeu que precisaria de muita determinação para conquistar o que desejava. “Meu pai saiu de casa quando eu tinha três anos e minha mãe precisou cuidar de tudo”, lembra. Apesar dos desafios, cresceu cercada pelo exemplo de uma mulher forte. “A vida nunca foi fácil, mas aprendi com ela algo que nunca esqueci: o importante é trabalhar com seriedade, responsabilidade e caráter. Esses ensinamentos me acompanharam por toda a vida e foram a base de tudo que conquistei.”

Hoje, a sergipana está à frente da NatyCake e da Lanchonete MCWilson, e venceu a etapa estadual do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2025, na categoria Microempreendedora Individual. Agora, segue para a final, que será realizada no fim de outubro em Florianópolis (SC). O sucesso da empresa reflete uma tendência nacional. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Panificação e Confeitaria (ABIP), o setor movimenta cerca de R$ 105 bilhões por ano no Brasil e emprega mais de 800 mil pessoas. No segmento de confeitaria artesanal, cerca de 75% dos empreendimentos têm liderança feminina, resultado do aumento da demanda por produtos personalizados e da digitalização dos canais de venda. Nas redes sociais, especialmente no Instagram e no TikTok, confeitarias de pequeno porte conquistam novos públicos e constroem marcas fortes com baixo investimento inicial.

O início da trajetória empresarial

Depois dos primeiros trabalhos em limpeza, Anatália atuou como marisqueira e agente de saúde na Prefeitura de Santa Luzia do Itanhy (SE), cargo que decidiu deixar em 2018  para seguir o sonho de empreender. “Sempre quis ter algo meu, construir meu próprio caminho”, conta. Assim nasceu a Lanchonete MCWilson, famosa pelo hambúrguer de aratu – receita original feita com o caranguejinho típico da região. O prato virou sucesso e impulsionou o crescimento do negócio, que logo ganhou uma vertente doce com a confeitaria NatyCake.

O ponto de virada veio em 2022, quando participou do programa Cidade Empreendedora e passou a receber consultorias do Sebrae. “Aprendi sobre gestão, atendimento e finanças. Entendi que ter um negócio não é só vender, é planejar e acreditar.” A capacitação permitiu ampliar o cardápio, fortalecer a operação e inspirar outras mulheres da comunidade.

No mesmo ano, o município de Indiaroba lançou a Moeda Social Aratu, com paridade de 1:1 em relação ao real, que estimula a circulação de recursos dentro do território. Utilizada via aplicativo de celular ou cartão físico, é lastreada em tecnologia blockchain e tem como objetivo apoiar o desenvolvimento da economia solidária e o empoderamento de grupos vulneráveis, como as marisqueiras e as artesãs locais. Ela foi uma das primeiras a aderir ao sistema e hoje o utiliza para compras e vendas, ajudando a dinamizar o comércio da região. “A moeda é um incentivo para que o dinheiro circule aqui, beneficiando quem produz e quem consome na própria cidade”, afirma.

Inspiração para outras mulheres

Mais do que vender doces e lanches, Anatália transformou suas empresas em espaços de desenvolvimento comunitário. O objetivo é estimular a comercialização de produtos locais e o turismo de experiência em Indiaroba, conectando a culinária tradicional à geração de renda e à valorização da cultura quilombola. Também fundou, ao lado de outras empreendedoras, o grupo “Mulheres que levantam outras mulheres”, reunindo marisqueiras, artesãs e cozinheiras para trocar experiências, fortalecer os negócios locais e promover a autonomia financeira feminina. “Crescer sozinha é difícil, mas juntas conseguimos ir muito mais longe”, diz.

No mesmo movimento de crescimento, participou do Empretec, do Sebrae. “Entendi o quanto a inovação é importante e que precisamos estar sempre criando receitas e reciclando ideias”, afirma. Já este ano, foi convidada a participar de uma reunião sobre economia solidária no Palácio do Planalto, em Brasília, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Sempre disse que um dia pisaria no Planalto para falar do projeto Terra Caída e representar as mulheres da comunidade. Esse sonho se realizou.”

Fé, propósito e futuro

Mesmo com as conquistas, a sergipana reconhece os desafios. “Não é fácil empreender sendo mulher negra – muitas vezes, duvidam da nossa capacidade. Mas desistir não faz parte do meu vocabulário.”

Atualmente, prepara-se para expandir a operação. Entre os planos estão a reforma do espaço físico e a concretização do sonho de estudar gestão e empreendedorismo para ajudar outras mulheres a conquistarem independência financeira por meio da confeitaria. “A fé me sustentou nos momentos mais difíceis, a persistência me fez continuar e o amor pelo que faço me dá forças todos os dias”, diz.

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