Stihl: empresa fatura 5 bilhões de euros mundialmente, sendo 3,6 bilhões de reais no Brasil (Stihl/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 13 de setembro de 2025 às 07h49.
WAIBLINGEN, ALEMANHA* -- Tem uma brincadeira entre os pouco mais de 50.000 moradores de Waiblingen, uma cidadela histórica do sul da Alemanha. Por ali, eles comentam que sempre há alguém da família que trabalha na Stihl ou na Bosch, duas gigantes industriais com presença global — inclusive no Brasil — que nasceram nessa região.
Waiblingen é uma entre pelo menos cinco cidades que compõem um dos principais polos industriais da Alemanha: Stuttgart.
Foi ali que nasceu o primeiro motor a combustão colocado em um carro, origem de uma das indústrias automotivas mais poderosas do mundo. É de Stuttgart também a sede de duas gigantes de carros, Porsche e Mercedes-Benz.
Não à toa, a cidade ganhou o apelido de “Detroit” germânica.
Entre Stuttgart e Waiblingen, são pouco mais de 20 minutos de estrada entre vinhedos, dois rios, casas no estilo enxaimel e fábricas.
Da Stihl, são mais de cinco instalações na região, que empregam cerca de 6.000 funcionários.
No endereço discreto às margens do rio Rems, escondido no verde, a empresa comanda uma operação de 5,3 bilhões de euros em faturamento global em 2024 e presença em mais de 160 países.
É nesse cenário, em que tradição industrial e pressões globais se cruzam, que a Stihl se prepara para celebrar 100 anos em 2026.
A fabricante de motosserras e equipamentos motorizados enfrenta tarifas pesadas, concorrência chinesa e a transição da gasolina para a bateria, mas aposta em sua rede global de fábricas e na solidez financeira para atravessar a fase de turbulência.
Fundada em 1926, a Stihl se prepara para comemorar um século em 2026 como líder mundial em motosserras e equipamentos motorizados para uso profissional e doméstico. Sabe máquina de cortar grama ou lavadoras de calçadas? São produtos como esses que a Stihl faz.
Em 2024, o grupo registrou 5,3 bilhões de euros em receita, algo na casa dos 33 bilhões de reais. Foi um crescimento tímido em relação ao ano anterior, de 1,1%, mas comemorado pela Stihl, uma vez que a empresa (e o mercado como um todo) enfrenta um cenário de consumo retraído e incerteza geopolítica.
Stihl na Alemanha: sede da empresa fica em Waiblingen, pequena cidade no sul da Alemanha (Stihl)
Mais de 90% das vendas vêm de fora da Alemanha.
Os Estados Unidos seguem como maior mercado, com cerca de um terço do faturamento.
É lá, em Virginia Beach, que a companhia mantém sua maior fábrica fora do país de origem, ativa há mais de 50 anos e responsável por mais de 100 produtos, sendo 30 deles movidos a bateria.
“Estamos lá há cinquenta anos, não porque o governo pediu, mas porque acreditamos em produção local. Hoje, isso se mostra ainda mais importante”, disse Michael Traub, CEO global, em coletiva.
Na América Latina, o Brasil ocupa posição central. A fábrica de São Leopoldo, na região metropolitana de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, está há cinco décadas no país e produz motores e cilindros que abastecem toda a região.
“Estamos no país há cinquenta anos. A fábrica de São Leopoldo é uma joia da coroa no nosso sistema global de produção”, afirmou Traub.
Apesar da instabilidade política e de tarifas pesadas sobre exportações para os EUA, o executivo reforça que não há planos de recuo. “Governos mudam a cada quatro anos. Nós estamos aqui há cem”, disse à EXAME durante um evento para mídia estrangeira na sede da empresa no interior alemão.
O tarifaço sobre produtos exportados do Brasil para os Estados Unidos é o mais pesado enfrentado pela Stihl no mundo: 50%.
A empresa também lida com 39% de sobretaxa para produtos feitos na Suíça e 15% na Europa. ]
“É significativo”, resumiu Traub. “No longo prazo, quem paga é o consumidor, não há outra saída. Tarifa é choque no sistema, e choque não se acomoda sozinho.”
No caso brasileiro, Traub reforça que a política de longo prazo se mantém. “Não há nenhuma chance de rever nossos investimentos no Brasil. É um ativo estratégico, insubstituível”, disse.
Mas a pressão não vem só das tarifas.
Em discursos recentes, líderes empresariais na Alemanha têm repetido que a indústria nacional perdeu competitividade diante da energia cara, da carga tributária e da burocracia.
Reportagem da The Economist, publicada em fevereiro, relatou que a produção industrial do país caiu cerca de 10% em dois anos e que executivos de companhias como SKW, Volkswagen e Lapp enxergam o ambiente de negócios local como um dos mais difíceis das últimas décadas.
Em conversa com a EXAME, Traub também falou sobre os custos locais e reforçou as críticas à burocracia.
“Na Alemanha e na Europa, tentamos regular antes mesmo de entender a tecnologia. Nos EUA, primeiro fazem, depois regulam. Isso nos atrasa e nos torna complicados”, afirmou.
A avaliação conecta a Stihl a uma preocupação maior.
Nikolas Stihl, presidente do conselho de supervisão da companhia, já disse em entrevista ao jornal Augsburger Allgemeine que, se o ambiente de negócios não melhorar nos próximos cinco anos, a empresa pode transferir um investimento previsto para Ludwigsburg para a Suíça, onde já opera.
A transformação tecnológica é hoje o maior desafio estratégico da Stihl.
Em 2024, 25% de todas as unidades vendidas foram a bateria, contra 24% no ano anterior. Em países como Alemanha e Suíça, o índice já é de cerca de 60%.
Traub deixa claro que a aposta não é abandonar a gasolina, mas manter as duas frentes.
“A pergunta é como podemos liderar em gasolina e bateria ao mesmo tempo. E não de forma dogmática, mas pragmática”, disse. “Profissionais ainda precisam de motor a combustão para os trabalhos mais pesados. Ninguém sabe se será 15%, 25% ou 30% da fatia do mercado, mas vamos estar preparados.”
Segundo ele, a diferença de estratégia em relação à indústria automotiva é deliberada.
“A indústria do carro foi dogmática. Primeiro disse ‘é só elétrico’, depois ‘é elétrico primeiro’. Acabaram confundindo a si mesmos e os clientes. Nós não vamos repetir esse erro.”
Na prática, a companhia aposta em ecossistemas de bateria, com packs intercambiáveis entre diferentes ferramentas.
“Não é sobre um único produto, mas sobre um sistema em que uma bateria serve para diferentes máquinas. Isso é o que acreditamos ser crucial”, afirmou.
A empresa está investindo pesado nessa frente. Em Virginia Beach, inaugurou uma expansão da linha de baterias em 2024. Na Romênia, está construindo uma nova fábrica em Oradea, com mais de 100 milhões de euros investidos e abertura prevista para outubro de 2025.
Se as tarifas são uma dor imediata, a concorrência chinesa é a ameaça de longo prazo.
“É o que me mantém acordado à noite”, disse Traub.
Nos últimos meses, a companhia decidiu transferir parte da pesquisa e desenvolvimento em robótica para a China.
Unidade da Stihl na China: empresa tem operações no país asiático (Stihl/Divulgação)
“Se não pode vencê-los, junte-se a eles. Não temos a velocidade e a agilidade para competir nesse campo a partir da Europa”, disse.
A decisão, segundo ele, foi difícil. “Foi uma escolha dura, mas necessária. Estávamos deixando de ser reconhecidos como concorrentes relevantes nesse segmento. Essa mudança é vital para voltar ao jogo.”
O avanço chinês também pressiona os canais de venda. “Vemos fabricantes chineses despejando produtos em mercados como Austrália e Nova Zelândia, além da Europa. Isso pressiona preços e força ajustes de estratégia”, afirmou.
A resposta da Stihl é fortalecer a rede de revendedores especializados, pilar da marca há quase um século. “Se dependêssemos só de grandes varejistas, seria muito mais difícil. Nossa rede de dealers é a fortaleza da Stihl e seguirá central”, disse.
Apesar de ter aumentado a receita em 2024, a Stihl revisou suas expectativas de crescimento.
A empresa chegou a projetar que se tornaria uma companhia de 8 bilhões de euros rapidamente, mas parou nos 5,5 bilhões.
“Viramos uma companhia de 5,5 bilhões de euros e acreditamos que seríamos de 8 bilhões rapidamente. O mercado mostrou que não”, disse Traub.
Nos próximos dois anos, a companhia deve reduzir em cerca de 500 postos de trabalho.
“É a realidade. Temos de adaptar nossos recursos àquilo que o mercado permite”, afirmou.
Ainda assim, a solidez financeira é destacada. O índice de capital próprio subiu para 69% e a liquidez melhorou. Em 2024, os investimentos somaram 349 milhões de euros, dos quais 133 milhões foram destinados à matriz em Waiblingen, incluindo produção de motores elétricos e um novo edifício de serviços.
O Brasil é visto como uma âncora na América Latina.
A fábrica de São Leopoldo, inaugurada em 1973, é hoje um dos maiores sites do grupo fora da Alemanha. Ali são produzidos motores e cilindros que abastecem toda a região.
“Estamos no país há cinquenta anos. Em São Leopoldo, produzimos cilindros e componentes que abastecem toda a América Latina”, disse Traub.
Mesmo com a tarifa de 50% sobre exportações para os Estados Unidos, a empresa mantém seus planos.
“Tarifas vêm e vão. Continuaremos investindo em São Leopoldo”, afirmou.
O mercado latino-americano segue dominado pelo motor a combustão, mas a empresa vê espaço para avançar em baterias.
“Será uma região de motor a combustão por muito tempo, com bolsões de bateria. Mas vamos expandir o portfólio, mesmo em outro ritmo”, disse.
A postura de longo prazo é reforçada com o exemplo da Argentina. “Muitas empresas desistiram de lá, nós ficamos. Agora o país mostra sinais de recuperação. Essa é a nossa forma de trabalhar: com resiliência de longo prazo”, afirmou.