Bruno Imbrizi, do Chico Rei: “Foi a partir de um indicativo de processo que começa a nossa primeira grande coleção, com o Milton Nascimento” (Chico Rei/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 6 de agosto de 2025 às 11h52.
Em 2017, o mineiro Bruno Imbrizi recebeu uma mensagem inesperada. Do outro lado da conversa, o filho de Milton Nascimento pedia explicações sobre o uso de uma frase do pai sem autorização em uma camiseta vendida pela Chico Rei. O recado era direto: ou a marca mineira se explicava, ou enfrentaria um processo.
A Chico Rei, nascida em 2008 dentro do quarto de Bruno, ainda era uma operação enxuta. Mas a resposta não foi jurídica — foi cultural. O fundador convidou o filho do cantor para um café. E no café, saíram parceiros para uma coleção sobre o cantor.
“Foi a partir de um indicativo de processo que começa a nossa primeira grande coleção, com o Milton Nascimento”, afirma.
O que poderia ser um problema virou o primeiro passo de uma virada estratégica: parcerias com ícones da cultura brasileira, que hoje representam metade das vendas.
A marca virou referência entre as camisetas estampadas com temas culturais, vendendo mais de 500.000 peças por ano e alcançando um faturamento de 35 milhões de reais em 2025.
Ao mesmo tempo, Bruno criou uma nova frente: a plataforma Uma Penca, que permite a qualquer pessoa criar e vender suas próprias estampas — usando a estrutura da Chico Rei por trás.
“Chegou um momento em que a gente tinha mais de 100 coleções com artistas. Não dava mais conta. Foi aí que a gente criou a plataforma, para abrir isso para qualquer um”, afirma. A Uma Penca já tem mais de 20 mil lojas cadastradas e cresceu 112% só em julho de 2025.
O plano agora é escalar essa nova frente e transformar o ecossistema num negócio ainda maior.
“Quando lancei a Uma Penca, queria que ela fosse do tamanho da Chico Rei. Hoje já acredito que será maior”, diz Imbrizi.
Bruno estudava artes quando decidiu criar a própria marca. Não encontrava roupas que refletissem sua identidade e começou a produzir camisetas com sobras de tecido, no quarto onde morava. A primeira venda foi para Fortaleza, enviada pelos Correios.
O cheiro da malha vinha da infância. A mãe tinha confecção. Até hoje, Bruno conta que tem o hábito de pegar uma peça da fábrica e sentir o tecido.
“Sou fascinado pela história da produção. Pelo envolvimento das pessoas na criação do produto”, afirma.
Desde o início, a marca foi pensada para falar de liberdade. O nome, Chico Rei, vem da figura histórica do líder congolês escravizado em Minas Gerais que comprou sua alforria.
“Antes mesmo de conhecer toda a história, o nome já me parecia potente. Queria falar de Minas e de liberdade.”
O crescimento foi constante, sem explosões. “A Chico Rei não é uma marca raipada. A gente não quer criar FOMO (o medo de ficar de fora). A gente entrega conforto para você ser quem é”, diz Bruno.
O foco sempre foi mais no conteúdo das estampas do que na tendência de moda do momento.
Com o tempo, a marca passou a investir em coleções com grandes nomes da cultura brasileira. Vieram Gilberto Gil, Elza Soares, Frida Kahlo, Ariano Suassuna, entre outros.
Em 2020, a Chico Rei inaugurou uma célula de produção na Penitenciária Professor Ariosvaldo Campos Pires, em Juiz de Fora. Hoje, 15% das camisetas da marca são confeccionadas por detentos que recebem capacitação, remuneração e podem trabalhar fora após a progressão de regime.
“Já tivemos três egressos contratados na nossa fábrica. Eles aprendem costura lá dentro e continuam com a gente aqui fora”, afirma Bruno.
Ao todo, 58 detentos já passaram pelo projeto, e os investimentos na iniciativa somam 370.0000 reais.
A ideia nasceu no meio da pandemia, quando o time da Chico Rei precisou adaptar o projeto para funcionar a distância. A parceria é feita com o governo de Minas Gerais e hoje é usada pela empresa como parte central de sua narrativa de impacto.
Além da produção no sistema prisional, a empresa adota algodão com selo Better Cotton Initiative, é certificada como PETA Approved Vegan e mantém ações ambientais como compensação de embalagens e parceria com cooperativas de reciclagem.
Há novos negócios no radar da Chico Rei. O principal deles é a Uma Penca.
Com mais de 100 coleções sendo produzidas pela Chico Rei, a equipe não conseguia mais atender novos pedidos. A solução foi criar uma plataforma que permitisse a qualquer pessoa fazer o próprio produto com a estrutura da marca.
Na prática, o usuário acessa o site, cria uma estampa, define o preço final e compartilha sua loja. Quando alguém compra, a Uma Penca cuida da produção, logística e entrega. O criador só ganha se vender — e recebe a diferença entre o valor-base e o preço final.
“Quisemos desembananar a vida de quem quer criar. E isso virou um novo negócio para a gente”, diz Bruno.
Em três anos, a plataforma ultrapassou 20.000 lojas abertas e tem crescido no boca a boca. Segundo ele, o investimento em marketing é de apenas 1,5% do faturamento.
Apesar de nova, a plataforma já representa 4 milhões de reais em vendas em 2025. E o potencial, segundo o fundador, é maior que o da própria Chico Rei. “A Uma Penca é escalável. E tem impacto direto em quem usa para criar seu próprio negócio”, afirma.
Entre os usuários, há desde fãs de futebol até organizações culturais e ONGs. A proposta é abrir a estrutura da marca para criadores de todo o país, mantendo o mesmo padrão de qualidade das camisetas da Chico Rei.
Apesar do crescimento, o caminho tem obstáculos. Bruno evita falar de concorrência com outras marcas de moda. Para ele, a disputa é pelo bolso.
“Qualquer empresa que vende para o mesmo cliente que eu quero atingir é meu concorrente. Pode ser marca, pode ser aposta esportiva”, diz.
Ele também critica o modelo de moda baseado em tendências e urgência. “A Chico Rei não existe para criar padrão. A gente quer que o cliente se vista como ele é. Sem pressão para parecer com ninguém”, afirma.
Essa visão impacta decisões como não entrar em brigas de preço ou não produzir em larga escala com margens baixas. Ainda assim, a marca mantém produtos acessíveis, com camisetas a partir de 37 reais.
Um dos caminhos de expansão recentes foi o futebol. A Chico Rei já lançou coleções com Vasco, Sport e tem negociações avançadas com Bahia, Grêmio, Inter e Atlético Mineiro. A proposta, segundo o fundador, é fazer isso com a identidade da marca.
“A gente não vai só botar o escudo e vender. Queremos contar uma história com cada time.”
A pluralidade virou parte do modelo. A marca quer que o público se encontre na camiseta — seja pela música, pelo futebol, pela literatura ou pela estética. E usa a curadoria como diferencial para manter relevância num mercado cada vez mais ruidoso.
A Chico Rei nunca teve um “boom” repentino. Cresceu aos poucos, com consistência. Para Bruno, essa constância é o principal ativo. “São 17 anos sem precisar recomeçar. A gente só continua. E melhora”, diz.
Com três negócios no portfólio — Chico Rei, Uma Penca e a plataforma de uniformes escolares Mais Única —, o grupo caminha para ser um polo independente de moda criativa, com produção própria, impacto social e capacidade de escalar.
A ideia, segundo ele, é manter a Chico Rei como vitrine de identidade, e usar a Uma Penca para capilaridade e tração. “A Chico Rei é nossa base. A Uma Penca é a plataforma de escala. Uma abre caminho, a outra multiplica.”