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A tecnologia de Maceió que já traduziu 3 bilhões de palavras — e agora vai ser global

A Hand Talk é o tradutor virtual para Libras, a Língua Brasileira de Sinais, e está presente em sites como Magazine Luiza, Samsung, Sodexo e LG

Hugo, da Hand Talk: boneco 3D está presente em sites de grandes marcas

Hugo, da Hand Talk: boneco 3D está presente em sites de grandes marcas

Laura Pancini
Laura Pancini

Repórter

Publicado em 2 de setembro de 2025 às 08h12.

Última atualização em 2 de setembro de 2025 às 11h56.

Um jovem alagoano estava a mais de um mês atrasado para o início das aulas de comunicação social. Quando chegou na faculdade e fez a matrícula, imediatamente subiu para a primeira aula que teria naquele semestre — mas que definiria a sua trajetória de carreira para sempre.

Isso porque o professor propôs uma atividade: criar uma ideia inovadora. Foi naquele dia, naquela aula, que Tenório teve ideia para a Hand Talk, um tradutor virtual capaz de transformar palavras em Libras, a Língua Brasileira de Sinais.

"Pensei que poderia criar algo que mudaria o mundo de alguma forma. Acho que isso é uma coisa do nordestino mesmo, uma empatia com o outro. Essa dor [da surdez] não é minha, mas posso ajudar a resolvê-la", diz Ronaldo Tenório.

Se Tenório tivesse se matriculado um dia depois, a história poderia ser outra. Hoje, a empresa já traduziu mais de 3 bilhões de palavras e, no início do ano, foi comprada pela gigante global do setor, a Sorenson.

Mas foram mais quatro anos até aquela atividade de sala de aula sair da gaveta e virar um projeto real. Em 2012, com vontade de empreender, Tenório se uniu a dois colegas para criar a Hand Talk de verdade: Carlos Wanderlan, programador, e Thadeu Luz, especialista em animação 3D.

Juntos, desenvolveram o primeiro protótipo da Hand Talk e o apresentaram no primeiro evento de startups do estado, o Demoday Alagoas. “Estávamos tentando resolver algo muito complexo, mas que não parecia, e acho que foi bom ter essa ingenuidade”, diz Tenório. A vitória rendeu um prêmio de R$ 170 mil e a primeira validação de que a ideia poderia funcionar no mundo real.

Nos meses seguintes, a Hand Talk conquistou reconhecimento internacional. Em 2013, ganhou o prêmio de Melhor Aplicativo Social do Mundo da ONU, no World Summit Award, em Abu Dhabi. O aplicativo concorria com cerca de 15 mil aplicativos de mais de 100 países.

O prêmio colocou a startup na televisão brasileira: Tenório participou de programas da Regina Casé, Fátima Bernardes e Zeca Camargo, e a empresa apareceu em diversos portais de notícia.

“Naquele momento, todo mundo achava que eu já estava milionário. Mas senti o peso da responsabilidade: prometemos algo para o mundo, agora vamos ter que cumprir”, diz Tenório. “Não é de onde você é, mas onde você está. Queríamos mostrar que startups do Nordeste podem criar soluções de impacto global”.

A virada de chave

O aplicativo Hand Talk foi lançado oficialmente em agosto de 2013, com o objetivo de traduzir palavras em Libras por meio de um avatar 3D.

Mas o sucesso em premiações e na mídia não se traduziu em receita. "Tinha uma propaganda aqui ou ali, mas não pagava as contas. Em 2014, nos vimos no vale da morte das startups: tínhamos visibilidade, mas não tinha receita", explica Tenório.

O ponto de virada veio com o lançamento do Hand Talk Plugin, de acessibilidade digital para sites corporativos.

A ferramenta transforma páginas de internet em espaços acessíveis para pessoas surdas, algo até então desconhecido pelo mercado. Na prática, o avatar 3D da Hand Talk aparece no canto da tela, traduzindo qualquer coisa que o usuário clicar.

“As empresas nem sabiam que tinham barreira de acessibilidade nos sites. Tínhamos que educar o mercado. É como ter um prédio sem rampa”, diz Tenório.

O primeiro grande cliente foi o Magazine Luiza, parceiro da startup até hoje. Com o plugin (que pode ser acessado no canto direito da tela, escondido atrás de um botão azul com o desenho de uma mão), a Hand Talk começou a gerar receita de forma lenta e sustentável.

Hoje, já trabalha com Chevrolet, Hershey’s, LG, Sodexo e Samsung. Apesar de não revelar valores atualmente, atingiu um faturamento de mais de R$ 10 milhões em 2022.

Conquistando a gigante

Ao longo da última década, a Hand Talk passou por nove programas de aceleração e recebeu apoio de organizações como Artemisia, Instituto Quintessa e Google.

Em 2018, a startup captou R$ 2,5 milhões, seguida por mais R$ 3,5 milhões no programa Google Impact Challenge, com apoio de João Kepler, megainvestidor por trás do Bossa Invest. Os aportes foram essenciais para trazer a Língua Americana de Sinais (ASL) ao aplicativo e, portanto, internacionalizar.

Neste meio tempo, a Hand Talk lançou novas versões do aplicativo para smartphone, um novo avatar chamado Maya, contratou 100 funcionários e realizou oito edições do Link Festival, evento anual de acessibilidade digital criado pela Hand.

O capítulo mais recente da história é a aquisição pela Sorenson, uma das maiores empresas de tecnologia para pessoas surdas no mundo, anunciada em janeiro de 2025. A união integra também a OmniBridge, empresa americana de tradução automatizada de línguas de sinais.

“Tínhamos uma ambição global. Eles têm grande interesse em inteligência artificial, e somos especialistas nisso desde 2016. Agora vamos automatizar as ferramentas da Sorenson e ampliar nosso impacto”, diz Tenório.

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